| Brancalion: Ninguém vai comprar crédito de carbono se houver dúvida em relação à quantidade que está sendo comercializada (foto: Karina Toledo/Agência FAPESP) |
Em palestra apresentada no evento FAPESP Day Uruguay, o professor da USP Pedro Brancalion apresentou resultados de projeto que visa alavancar o mercado de crédito de carbono no país
Karina Toledo | Agência FAPESP
O Brasil pode se tornar um grande player no mercado global de crédito de carbono – tão importante quanto foi a Arábia Saudita para o de petróleo no século 20. Para explorar essa riqueza, porém, será preciso investir em tecnologia. E desenvolver novas e melhores estratégias para quantificar o carbono que está sendo negociado.
A análise foi feita pelo professor da Universidade de São Paulo (USP) Pedro Brancalion durante o evento FAPESP Day Uruguay, realizado em novembro, na cidade de Montevidéu.
Em sua apresentação, o pesquisador apresentou resultados de projetos que buscam alavancar o mercado de crédito de carbono no país. Um deles resultou em uma nova equação para estimar a biomassa acima do solo que aumenta em 30% os créditos de carbono gerados em processos de restauração florestal na Mata Atlântica.
“Imagine uma empresa que cria gado para produzir carne. De repente apresentamos uma tecnologia revolucionária, que aumenta em 30% a produção de carne sem gastar um centavo a mais. É um milagre quase. É o que estamos proporcionando para o setor de restauração para carbono. Não porque a gente está roubando, mas porque estamos quantificando melhor”, afirmou.
Esse e outros temas foram abordados em entrevista concedida à Agência FAPESP durante o evento. Confira os principais trechos a seguir.
Agência FAPESP – Em sua apresentação, durante o evento FAPESP Day Uruguay, o senhor mencionou uma nova equação para estimar a biomassa acima do solo que aumenta em 30% os créditos de carbono gerados em processos de restauração florestal na Mata Atlântica. Poderia explicar como essa equação foi desenvolvida e como funciona?
A análise foi feita pelo professor da Universidade de São Paulo (USP) Pedro Brancalion durante o evento FAPESP Day Uruguay, realizado em novembro, na cidade de Montevidéu.
Em sua apresentação, o pesquisador apresentou resultados de projetos que buscam alavancar o mercado de crédito de carbono no país. Um deles resultou em uma nova equação para estimar a biomassa acima do solo que aumenta em 30% os créditos de carbono gerados em processos de restauração florestal na Mata Atlântica.
“Imagine uma empresa que cria gado para produzir carne. De repente apresentamos uma tecnologia revolucionária, que aumenta em 30% a produção de carne sem gastar um centavo a mais. É um milagre quase. É o que estamos proporcionando para o setor de restauração para carbono. Não porque a gente está roubando, mas porque estamos quantificando melhor”, afirmou.
Esse e outros temas foram abordados em entrevista concedida à Agência FAPESP durante o evento. Confira os principais trechos a seguir.
Agência FAPESP – Em sua apresentação, durante o evento FAPESP Day Uruguay, o senhor mencionou uma nova equação para estimar a biomassa acima do solo que aumenta em 30% os créditos de carbono gerados em processos de restauração florestal na Mata Atlântica. Poderia explicar como essa equação foi desenvolvida e como funciona?
Pedro Brancalion – Nós analisamos dados de um plantio de restauração que já tem 22 anos e é nosso grande laboratório. Todos os anos ele é mensurado. Quando esse experimento foi implantado, previmos que algumas parcelas da floresta seriam cortadas para fins de pesquisa. Cortamos 180 árvores quando o plantio tinha seis anos, depois o mesmo com 12 e com 20 anos. Desse modo, conseguimos gerar uma equação para entender quanto carbono tem armazenado nessa floresta. Hoje a equação mais usada [para avaliar processos de restauração e gerar crédito de carbono] é a desenvolvida pelo pesquisador francês Jérôme Chave, que fez uma síntese de amostragens destrutivas em região tropical. Mas a base de dados que ele usou considera principalmente árvores acima de 10 centímetros de diâmetro. Já o nosso método inclui aquelas acima de 5 centímetros de diâmetro, pois tem muito carbono em árvores menores em florestas jovens. Não tem nada de errado com o método de Chave, mas ele foi concebido para florestas maduras na Amazônia, no Congo, na Ásia – não para quantificar carbono em florestas jovens de restauração na Mata Atlântica. E por que as pessoas usavam a equação de Chave? Porque não tinha outra melhor. Então a gente supre com essa pesquisa uma lacuna de conhecimento que é fundamental para alavancar um novo mercado. Esse trabalho foi feito por uma orientanda de doutorado, Ana Paula Ferez, e está vinculado a um dos projetos do RCGI [Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa], apoiado por FAPESP e Shell.
Agência FAPESP – E a equação leva em conta somente o tronco das árvores?
Brancalion – Não. Contabilizamos raiz, tronco, galho grosso, galho fino e folha. Com a motosserra segmentamos a árvore nessas partes, tiramos todas as folhas e pesamos. Mandamos para o laboratório analisar a massa seca. Depois vem o trator, cava o solo, tira a raiz grossa do melhor jeito possível e dá uma limpada. Colocamos em uma balança gigante. Então, literalmente, nós pesamos a floresta. Isso foi feito para construir a equação e também para desenvolver estratégias de mensuração de carbono por LIDAR [Light Detection and Ranging, método que usa drones emissores de pulsos de laser para mensurar a estrutura da vegetação]. O LIDAR mensura a altura média do dossel e, a partir desse dado, estima a biomassa por meio de equações específicas. Mas é uma estimativa. O que tentamos fazer é conectar as informações obtidas com a amostragem destrutiva diretamente com a mensuração por LIDAR.
Agência FAPESP – De que forma essas tecnologias podem ajudar a alavancar o mercado de crédito de carbono no Brasil?
Brancalion – Ninguém vai comprar crédito de carbono se houver dúvida em relação à quantidade que está sendo comercializada (leia mais em: agencia.fapesp.br/56685). Qualquer mercado precisa de uma base robusta de quantificação do que está sendo vendido ou comprado para que ele se desenvolva. Na incerteza, no risco, ninguém joga. Então, imagine uma empresa que cria gado para produzir carne. De repente apresentamos uma tecnologia revolucionária, que aumenta em 30% a produção de carne sem gastar um centavo a mais. É um milagre quase. É o que estamos proporcionando para o setor de restauração para carbono. Não porque a gente está roubando, mas porque estamos quantificando melhor. Uma analogia que eu faço é que o Brasil está para esse mercado como a Arábia Saudita esteve para o de petróleo no século 20. O Brasil pode ser o grande poço negativo de carbono do mundo. Por ter vasta extensão de terra, florestas superprodutivas e tecnologia, coisas que muitos outros países não têm. Continuando a analogia com o petróleo, costumo dizer que esse carbono não está num poço superficial, fácil de ser explorado, como no caso da Arábia Saudita. É mais como o petróleo do pré-sal. A riqueza está lá, mas só vamos acessar com tecnologia. Esse é o desafio da restauração hoje. Existe um grande potencial, mas para que esse potencial se manifeste e a gente possa atender ao mercado internacional com mais esse produto vindo das nossas terras precisamos de tecnologia.
Agência FAPESP – O senhor mencionou outro experimento voltado a aprimorar a medição de carbono em florestas, a torre de fluxo. Poderia explicar de que se trata?
Brancalion – Esse é outro projeto, também apoiado pela FAPESP. Está sendo conduzido em Itatinga, em uma estação experimental da USP. Qual é a premissa? Os fluxos de carbono numa floresta ocorrem a cada segundo. É um passarinho que está se decompondo, um microrganismo que está comendo uma folha, um capim que está absorvendo luz e fazendo fotossíntese. É algo dinâmico, que varia ao longo dos anos, por exemplo, quando tem ou não El Niño. As tecnologias mais avançadas hoje são uma quantificação meio grosseira. Não é uma lupa em cima do que de fato está acontecendo. Por deficiência da tecnologia não conseguimos medir essas minúcias. A torre de fluxo tampouco vê quem está emitindo ou absorvendo carbono, mas ela vê o balanço. Então, é a prova dos 9. Com ela a gente consegue saber o efeito líquido daquela restauração como um sumidouro de carbono. E aí a gente não está olhando só para o galho ou para o tronco, mas para todo o ecossistema, incluindo o solo. E uma torre dessa nos permite entender mecanismos. Por exemplo, o quanto esse balanço é impactado em um ano mais seco ou por um evento de chuva. É uma ferramenta científica poderosíssima, embora cara e complicada de lidar.
Agência FAPESP – O Projeto Temático NEWFOR, que o senhor coordenou, terminou recentemente. Conte um pouco sobre os resultados e como eles se relacionam com essas outras iniciativas.
Brancalion – Elas são, de certa forma, desdobramentos. Nosso objetivo no NEWFOR foi construir a maior base de dados do mundo sobre o reflorestamento tropical. A pesquisa em restauração e reflorestamento carecia de fortes bases de dados. Os estudos anteriores tinham um esforço amostral muito baixo, eram focados em um ou outro método de reflorestamento e não cobriam grandes áreas, de forma a representar minimamente a enorme heterogeneidade das florestas tropicais. Com essa base de dados podemos explorar, de forma muito mais robusta, questões científicas que já vinham sendo exploradas e, ao mesmo, estabelecer uma base para pesquisas futuras. Podemos usar esses dados para alavancar outros projetos mais ambiciosos.
Agência FAPESP – E como essa base de dados foi construída?
Brancalion – Nós definimos oito coberturas do solo de interesse, em um gradiente que vai desde o uso agrícola do solo [pasto e agricultura] e passa por dois sistemas de referência: remanescentes florestais degradados e conservados. Também foram incluídos cinco sistemas de reflorestamento: agrofloresta; monocultivos ativos [como os de eucalipto para produção de celulose]; monocultivos extensivos [como os usados para produção de madeira serrada, em que há muita regeneração natural no sub-bosque]; plantios de restauração [em que se misturam várias espécies nativas]; e florestas estabelecidas por regeneração natural [de forma espontânea, a partir do isolamento da área após uso agrícola]. E, então, aplicamos um protocolo para avaliar a multifuncionalidade da floresta em parcelas de 30 por 30 metros. Foram estabelecidas mais de 800 parcelas ao longo da Mata Atlântica, nas quais analisamos a biodiversidade, o carbono armazenado em todos os compartimentos da floresta, como no solo, raiz fina e grossa, biomassa viva lenhosa acima do solo, madeira morta em pé e sobre o solo, cipós e serapilheira, além de infiltração da água no solo e muitas outras coisas. E cada árvore foi medida nessas parcelas, somando cerca de 70 mil árvores, de aproximadamente 1.300 espécies diferentes. Para isso estabelecemos parcerias com ONGs, empresas, governos, proprietários rurais e várias unidades de conservação por meio de um processo de coprodução do conhecimento. Essas pessoas foram sendo engajadas a responder à grande pergunta de pesquisa do projeto, que já rendeu 40 artigos científicos, todos em periódicos internacionais, em revistas de altíssimo nível. Mas o principal legado que eu vejo desse projeto é que ele vai servir de base para vários outros. Alguém interessado em estudar aves e restauração, por exemplo, pode se valer dessas parcelas permanentes que estabelecemos, com todas as árvores identificadas. Ou pode usar o LIDAR para avaliar a estrutura. Então eu brinco que a gente criou um parque de diversões científicas.
Agência FAPESP – O senhor mencionou a grande pergunta científica do projeto. Qual seria ela?
Brancalion – É esta: como diferentes tipos de benefícios ambientais são gerados por diferentes métodos de reflorestamento em diferentes condições ambientais? Essa pergunta é crítica para quem investe no reflorestamento para um determinado objetivo, seja como um negócio, seja para gerar benefícios coletivos a partir de financiamento público ou filantrópico. Saber o quanto de carbono eu consigo sequestrar, por exemplo, em uma determinada região, dependendo do método de reflorestamento, é a base de qualquer modelo de investimento. Aliado a isso, é importante saber como outros benefícios estão associados, como carbono e biodiversidade, para que projetos possam ser elaborados e estabelecidos. Nossos resultados permitem assim maximizar o custo-benefício do reflorestamento, ampliando os múltiplos benefícios por unidade de investimento, apoiando novos negócios, políticas públicas e ações conservacionistas.
Fonte: Agência FAPESP

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