domingo, 7 de setembro de 2025

Pesquisa analisa motivações de proprietários rurais para conservar ou desmatar áreas de preservação

 

Fernandes, da Esalq-USP: “Compreender percepções e decisões dos agricultores sobre os benefícios promovidos pela floresta pode ajudar a otimizar o cumprimento da lei” (Amanda Fernandes/acervo pessoal)

Apenas 9% de 90 produtores de 13 municípios paulistas entrevistados apontaram o sequestro de carbono como um benefício da conservação e 2% citaram investir tempo e dinheiro para adquirir mudas e promover restauração ativa; levantamento verificou, ao mesmo tempo, que 78% identificaram uma redução da disponibilidade de água de 1985 até hoje

Agência FAPESP* – A legislação brasileira prevê que todas as propriedades rurais tenham áreas destinadas à preservação de florestas. Nas Áreas de Proteção Permanente (APPs) – entorno de nascentes, margens de rios e topos de morro, por exemplo – a vegetação nativa deve ser mantida ou restaurada e protegida de qualquer ação humana. Já as Reservas Legais correspondem a um percentual da área da propriedade no qual a vegetação nativa ou restaurada pode ser explorada desde que de forma sustentável.

Somadas, essas áreas correspondem a 54% da vegetação nativa remanescente do Brasil, o que ressalta a importância da participação de proprietários rurais nas políticas de conservação ambiental.

Um estudo publicado na revista Restoration Ecology por pesquisadores da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP) e colaboradores avaliou as razões que influenciam as decisões de proprietários rurais do Estado de São Paulo sobre essas áreas em suas propriedades.

“Compreender os fatores que motivam as percepções e decisões dos agricultores sobre os benefícios promovidos pela floresta pode ajudar a identificar o que possibilita a conservação e a restauração florestal e otimizar o cumprimento da lei” explica Amanda Fernandes, que desenvolveu a pesquisa em seu mestrado no Laboratório de Ecologia e Restauração Florestal (Lerf) da Esalq e na Universidade de Wageningen, nos Países Baixos.

Foram realizadas entrevistas com 90 proprietários rurais de 13 municípios do Estado de São Paulo. A pesquisa avaliou três pontos principais na relação entre proprietários, as áreas de cobertura florestal obrigatórias e suas propriedades: as motivações para diminuição, manutenção ou ampliação dessas áreas; os benefícios da sua manutenção ou ampliação e a disposição para a restauração florestal em suas terras.

Proprietários de grandes áreas desmataram mais no período estudado (1985-2015) citando como razões incentivos governamentais (oferecidos entre as décadas de 1970 e 1980, mas que ainda seguem mencionados), aumento da área agrícola, de renda e a “ganância humana”. Entre os que mantiveram as áreas de floresta, a conservação da água e o cumprimento da lei foram motivações mais comuns em grandes propriedades, enquanto a adequação à legislação e o legado familiar foram prioritários para pequenos proprietários. Já entre os que ampliaram a cobertura florestal, as razões incluíram o cumprimento da lei, a conservação da água, terras inadequadas para agricultura e a expansão da APP.

Sobre os benefícios, a conservação da água foi o mais citado. “Em 78% das entrevistas identificamos uma percepção de alteração da disponibilidade de água de 1985 até hoje. Desses, 89% notaram redução na disponibilidade de água, atribuída a fatores naturais [como o El Niño], desmatamento, uso irracional da água, monocultura de eucalipto, assoreamento de rios e altas temperaturas”, explica Fernandes. Os 11% restantes relataram aumento na disponibilidade, associado à proteção de nascentes e à restauração de áreas degradadas.

A maioria dos proprietários se disse disposta a restaurar áreas florestais com apoio e retorno financeiro. Contudo, as contribuições mencionadas limitam-se à preservação das florestas existentes (60%) e à manutenção de áreas restauradas (38%). Apenas 2% citaram investir tempo e dinheiro para adquirir mudas e promover restauração ativa.

Seleção dos entrevistados

Um dos critérios utilizados para selecionar os entrevistados levou em conta municípios onde houve aumento, diminuição ou manutenção da área de vegetação nativa entre 1985 e 2015, uma análise que faz parte do projeto “Compreendendo florestas restauradas para o benefício das pessoas e da natureza”, vinculado ao Programa BIOTA-FAPESP, no qual a pesquisa se insere.

Quanto ao perfil dos entrevistados, 57% relataram obter sua renda principal da produção agrícola e da pecuária, 31% apenas da agricultura e 12% apenas da pecuária. Culturas como milho, soja, cana-de-açúcar, feijão, laranja – além de gado de corte e leiteiro – predominam em fazendas de médio e grande porte, enquanto mandioca, quiabo, alface, ovos, banana e limão são produzidos principalmente em pequenas propriedades. Dos entrevistados, 78% dos produtores relataram participar de cooperativas agrícolas e/ou associações de agricultores e 53% indicaram receber assistência técnica para a administração das propriedades.

Implicações práticas

Os resultados mostram que os proprietários rurais paulistas estão bem informados: têm educação formal, assistência técnica, participam de cooperativas, conhecem suas terras e a legislação. “Ainda assim, não estão totalmente dispostos a contribuir ativamente para a restauração de áreas em suas propriedades, mesmo que seja ordenada por lei”, reflete Fernandes. “Surpreendentemente, não consideravam o sequestro de carbono como algo relevante para esse processo, o que nos leva a refletir sobre a importância de avançar com comunicação e capacitação sobre projetos de restauração e carbono na Mata Atlântica, com destaque para os proprietários rurais e organizações que atuam com restauração no bioma.”

Apenas 9% de todos os produtores entrevistados perceberam o sequestro de carbono como um benefício. “A maioria não se interessa pelo tema e os que se interessam precisam de informações sobre o mercado de carbono e como aumentar sua renda com a conservação e restauração florestal dentro de sua propriedade”, frisa a pesquisadora. “A restauração do bioma acontece dentro das áreas rurais privadas e os proprietários precisam saber dos benefícios econômicos e sociais relacionados à captura de carbono”, complementa Fernandes.

“Outro ponto evidente é que o fator econômico é central nas decisões dos proprietários”, explica Cristina Adams, professora da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP e uma das autoras do artigo. “No entanto, soluções como as do mercado de carbono e dos pagamentos por serviços ambientais não vão resolver sozinhas essa questão. É preciso começar uma discussão sobre mudanças mais profundas, uma transição. Assim como estamos discutindo a transição energética para formas mais sustentáveis de produção de energia é preciso discutir a transição do modelo agrícola para uma agricultura ecológica que inclua a restauração de florestas.”

O artigo Determinants of farm-level land use decisions and perceptions of associated ecosystem services in the Brazilian Atlantic Forest pode ser lido em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/rec.70089?af=R.

* Com informações de Érica Speglich, do boletim BIOTA Highlights.

Fonte: Agência FAPESP



Conama aprova resolução que normatiza autorização para supressão de vegetação nativa em imóveis rurais

Ainda na reunião, foi apresentado o esboço da plataforma de votação eletrônica do Conama - Foto: Rogerio Cassimiro/MMA

Medida padroniza critérios para a emissão do documento, com transparência e a integração de dados ambientais; reunião contou com a participação da ministra Marina Silva

O Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) aprovou por unanimidade, na última quarta-feira (3/9), durante a 147ª reunião ordinária do Plenário, realizada em Brasília, resolução que estabelece critérios e condições mínimas para a emissão de Autorização de Supressão de Vegetação (ASV) em imóveis rurais. A medida busca padronizar, em nível nacional, os critérios para a emissão do instrumento, além de promover a transparência e a integração de dados ambientais.

Na avaliação dos conselheiros do Conama, a iniciativa amplia a transparência das informações, reduz a possibilidade de práticas ilegais e reforça a segurança tanto para o setor produtivo quanto para as políticas públicas de monitoramento. A medida também contribui para o alcance da meta de desmatamento zero até 2030.

A construção coletiva, realizada no âmbito do Conama, com “diferentes seguimentos da sociedade” para reforçar a governança ambiental, a ação climática e a proteção da biodiversidade foi destacada pela ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva. “Em um ambiente não democrático, perderíamos toda essa capacidade de aportar tamanhas contribuições para a gestão pública e para o fortalecimento do Sistema Nacional de Meio Ambiente.”

Com a nova regra, as autorizações passam a ser emitidas pelo Sistema Nacional de Controle da Origem de Produtos Florestais (Sinaflor) ou por programas integrados à plataforma, que é gerida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Estados e municípios deverão disponibilizar essas informações de forma padronizada e acessível. A norma não se aplica às autorizações de exploração florestal e entrará em vigor 180 dias após a publicação.

Outro ponto deliberado recomenda que os órgãos que compõem o Sisnama ampliem a divulgação e incorporem, em suas atividades, o Plano Nacional sobre Mudança do Clima (Plano Clima).

A pauta incluiu a aprovação de três moções de apoio. Uma delas defende que o Congresso Nacional mantenha os vetos do presidente Lula à Lei Geral do Licenciamento Ambiental. O texto ressalta que os vetos asseguram salvaguardas essenciais, como a exigência do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e do Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), a proteção de comunidades tradicionais e de todos os biomas, e alerta para os riscos ambientais e sociais de sua derrubada

O apoio ao fim da exportação de barbatanas e a captura insustentável de tubarões em águas brasileiras também foi destacado. O texto reforça que a “caça de tubarões é uma ameaça significativa à biodiversidade marinha e ao equilíbrio dos ecossistemas”. A terceira apoia o Projeto de Lei 3.093/2021, que proíbe a exportação de animais vivos para abate no exterior. A proposta é de autoria da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa e está em tramitação no Senado Federal. Saiba mais aqui.

Ainda na reunião, foi apresentado o esboço da plataforma de votação eletrônica do Conama. O sistema, desenvolvido pelo MMA, permite o registro de presença e o processo de votação e apuração em tempo real.

Outro destaque da reunião foi a apresentação dos resultados da pesquisa “Como tornar o setor de transportes um contribuidor ativo para a redução das emissões brasileiras”, realizada pela Coalizão pela Descarbonização dos Transportes.

Fonte: MMA


Desmatamento causa 74% da redução das chuvas e 16% do aumento da temperatura na Amazônia durante a seca

 

Área de desmatamento de floresta próxima ao rio Negro (2016): cientistas alertam que, se o desmatamento continuar sem controle, a extrapolação dos resultados sugere um declínio adicional na precipitação total durante a estação seca e maior elevação da temperatura (foto: Léo Ramos Chaves/Pesquisa FAPESP)

Pesquisa liderada por cientistas da USP quantifica, pela primeira vez, impactos da perda da floresta e das mudanças climáticas globais no bioma

Luciana Constantino | Agência FAPESP* 

O desmatamento da Amazônia brasileira é responsável por cerca de 74,5% da redução de chuvas e por 16,5% do aumento da temperatura do bioma nos meses de seca. Pela primeira vez, pesquisadores conseguiram quantificar os impactos da perda de vegetação e das mudanças climáticas globais sobre a floresta.

Liderado por cientistas da Universidade de São Paulo (USP), o estudo traz resultados fundamentais para orientar estratégias eficazes de mitigação e adaptação, temas-alvo da Conferência do Clima das Nações Unidas, a COP30, marcada para novembro em Belém (PA). Os resultados do trabalho estão publicados na última edição da Nature Communications e são destaque da capa da revista.

Os cientistas analisaram dados ambientais, de mudanças atmosféricas e de cobertura da terra de aproximadamente 2,6 milhões de quilômetros quadrados (km2) – 29 blocos com área de cerca de 300 km por 300 km cada um – na Amazônia Legal brasileira em um período de 35 anos (1985 a 2020). Utilizando modelos estatísticos paramétricos, destrincharam os efeitos da perda florestal e das alterações na temperatura, na precipitação e nas taxas de mistura de gases de efeito estufa.

As chuvas apresentaram uma redução de cerca de 21 milímetros (mm) na estação seca por ano, com o desmatamento contribuindo para uma diminuição de 15,8 mm. Já a temperatura máxima aumentou cerca de 2 °C, sendo 16,5% atribuídos ao efeito da perda florestal e o restante às mudanças climáticas globais.

“Vários artigos científicos sobre a Amazônia já vêm mostrando que a temperatura está mais alta, que a chuva tem diminuído e a estação seca aumentou, mas ainda não havia a separação do efeito das mudanças climáticas, causadas principalmente pela poluição de países do hemisfério Norte, e do desmatamento provocado pelo próprio Brasil. Por meio desse estudo, conseguimos separar e dar peso para cada um desses componentes, praticamente mostrando uma espécie de ‘conta a pagar’”, resume o professor Luiz Augusto Toledo Machado.

Pesquisador do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP) e colaborador do Departamento de Química do Instituto Max Planck, na Alemanha, Machado diz à Agência FAPESP que os resultados reforçam a importância da conservação da floresta em pé para manter a resiliência climática.

Isso porque a pesquisa mostrou que o impacto do desmatamento é mais intenso nos estágios iniciais. As maiores mudanças no clima local ocorrem já nos primeiros 10% a 40% de perda da cobertura florestal.

“Os efeitos das transformações, principalmente na temperatura e precipitação, são muito mais importantes nas primeiras porcentagens de desmatamento. Ou seja, temos que preservar a floresta, isso fica muito claro. Não podemos transformá-la em outra coisa, como áreas de pastagem. Se houver algum tipo de exploração, precisa ser de forma sustentável”, complementa o professor Marco Aurélio Franco, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP.

Franco é primeiro autor do artigo e recebeu bolsa de pós-doutorado da FAPESP, que também apoiou o trabalho por meio de outra bolsa, do Centro de Pesquisa e Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI) e de um projeto vinculado ao Programa de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais.

O programa é desenvolvido em parceria com a Academia Chinesa de Ciências e tem a pesquisadora Xiyan Xu como uma das responsáveis no exterior e autora do trabalho.

Sensível equilíbrio do ecossistema

A Amazônia, como a maior e mais biodiversa floresta tropical do mundo, tem um importante papel na regulação do clima global. É responsável, por exemplo, pelos chamados “rios voadores” – cursos de água invisíveis que circulam pela atmosfera e abastecem outros biomas, como o Cerrado. As árvores retiram água do solo por meio das raízes, transportam até as folhas e a liberam para a atmosfera em forma de vapor.

No final do ano passado, um grupo internacional de pesquisadores, com a participação de Machado e do professor Paulo Artaxo, também do IF-USP, publicou um estudo na Nature mostrando, pela primeira vez, o mecanismo físico-químico que explica o complexo sistema de formação de chuvas no bioma. Envolve a produção de nanopartículas de aerossóis, descargas elétricas e reações químicas em altitudes elevadas, ocorridas entre a noite e o dia, resultando em uma espécie de “máquina” de aerossóis que vão produzir nuvens (leia mais em: agencia.fapesp.br/53490).

No entanto, o desmatamento e os processos de degradação da floresta contribuem com a alteração desse ciclo de chuvas, provocando a intensificação da estação seca em escala local e aumentando os períodos de incêndios florestais. A Amazônia brasileira perdeu 14% da vegetação nativa entre 1985 e 2023, de acordo com dados do MapBiomas, atingindo uma área de 553 mil km2, o equivalente ao território da França. A pastagem foi a principal causa no período. Mesmo chegando ao segundo menor nível de desmate entre agosto de 2024 e julho de 2025 – uma área de 4.495 km² –, o desafio tem sido conter a degradação, especialmente provocada pelo fogo.

A estação seca – entre junho e novembro – é o período em que os impactos do desmatamento são mais pronunciados, principalmente sobre a chuva. Os efeitos cumulativos intensificam mais a sazonalidade.

Destrinchando os dados

Para chegar aos resultados, os cientistas trabalharam com equações paramétricas de superfície considerando tanto as variações anuais quanto do desmatamento. Elas permitiram separar as contribuições específicas das mudanças climáticas globais e da perda de vegetação. Usaram ainda conjuntos de dados de sensoriamento remoto e de reanálises de longo prazo, incluindo as classificações de uso da terra produzidas pelo MapBiomas.

Além dos achados relacionados à chuva e à temperatura, o grupo analisou dados de gases de efeito estufa. Concluiu que, ao longo do período de 35 anos, o aumento nas taxas de dióxido de carbono (CO₂) e de metano (CH₄) foi impulsionado praticamente pelas emissões globais (mais de 99%). Foi observada uma alta de cerca de 87 partes por milhão (ppm) para CO₂ e cerca de 167 partes por bilhão (ppb) para CH₄.

Foram analisados dados ambientais, de mudanças atmosféricas e de cobertura da terra de aproximadamente 2,6 milhões de km2 na Amazônia Legal brasileira em um período de 35 anos (1985 a 2020) (gráfico: Marco Aurélio Franco et al./Nature Comm., versão)

“Em um primeiro momento, esse resultado parecia antagônico com outros artigos que mostram o impacto do desmatamento na redução da capacidade de a floresta retirar CO2 da atmosfera. Mas não é porque a concentração de CO2 é algo em grande escala. Naqueles eram medições locais de fluxo de CO2. Quando se trata de concentração, o aumento é predominantemente devido às emissões globais”, explica Machado.

No artigo, os pesquisadores alertam que, se o desmatamento continuar sem controle, a extrapolação dos resultados sugere um declínio adicional na precipitação total durante a estação seca e maior elevação da temperatura.

Estudos recentes indicam que o desmatamento na Amazônia já está alterando os padrões da monção sul-americana (fenômeno climático que leva chuvas abundantes para o centro e Sudeste do Brasil durante o verão), resultando em condições mais secas que podem comprometer a resiliência de longo prazo da floresta. Eventos extremos, como as secas de 2023 e 2024, só agravam a situação.

O artigo How climate change and deforestation interact in the transformation of the Amazon rainforest pode ser lido em www.nature.com/articles/s41467-025-63156-0.

Fonte: Agência FAPESP