domingo, 2 de novembro de 2025

Prefeito de Londres diz que líderes locais fazem mais do que presidentes na crise do clima: 'Reduzindo as emissões mais rápido'

Prefeito de Londres, Sadiq Khan investiu na redução da poluição do ar na cidade — Foto: Bloomberg

Por Lucas Altino

Sadiq Khan participará do Fórum de Líderes Locais, evento pré COP no Rio, na semana que vem; Diretora-executiva da COP 30 também destaca papel de prefeitos e governadores

O prefeito de Londres, Sadiq Khan, defendeu as ações realizadas por líderes locais pelo mundo, como prefeitos e governadores, na agenda de combate às mudanças climáticas. Ele, que também é copresidente da rede global de prefeitos C40, afirmou que os governos subnacionais fazem mais, no tema, do que presidentes. Diretora-executiva da COP 30, Ana Toni, também destacou o papel dos líderes locais para que o Brasil alcance o seu objetivo de entregar a "COP da implementação".

Khan e Toni falaram em uma coletiva de imprensa virtual, nesta quarta (29), sobre o Fórum Líderes Locais da COP30, uma parceria entre o governo brasileiro e Bloomberg Philanthropies, que acontece na semana que vem no Rio, entre os dias 3 e 5. O Fórum reunirá centenas de prefeitos, governadores e líderes subnacionais para destacar soluções climáticas locais e demonstrar como cidades, estados e regiões estão acelerando o progresso em relação às metas climáticas globais.

O prefeito de Londres destacou que, uma década após o Acordo de Paris, ainda há muitas autoridades que se recusam a abrir os olhos sobre a emergência climática e, por isso, "os cidadãos que estão pagando os preços". Segundo ele, a COP 30 será uma oportunidade única para muitos líderes locais firmarem uma posição de enfrentamento ao problema.

Os governos subnacionais estão agindo com mais velocidade que os líderes nacionais. Nossos membros da C40 estão reduzindo as emissões per capita cinco vezes mais rápido do que o resto do mundo — afirmou o prefeito, que frisou que a C40 representa um quarto da economia global, com quase 100 cidades. — Muitos prefeitos estão construindo cidades mais verdes e mais justas. Temos muitos exemplos de boas ações.

Khan deu como exemplo de boa prática de impacto na agenda climática a sua própria gestão em Londres. O prefeito implementou diversas medidas focadas na limpeza do ar, com destaque à criação da Zona de Emissões Ultrabaixas (ULEZ), uma taxa cobrada pelo uso de automóveis particulares devido à emissão de gases de efeito estufa. Quem usa transporte público - Londres tem a maior frota de ônibus de zero emissão da Europa - não paga a taxa.

Segundo ele, a política já reduziu 60% dos poluentes do ar de Londres.

— Os cientistas falaram que demoraria 200 anos para limparmos o ar, mas conseguimos em nove anos — afirmou Khan, que explicou que o primeiro passo foi conscientizar a população sobre o perigo da poluição do ar, chamada por ele de "matador invisível". — Também enfrentamos muita desinformação e mentiras financiadas amplificadas por algoritmos. Agora temos um ar mais limpo, menos mortes e menos casos de câncer.

'Se queremos ser a COP da implementação, temos que trabalhar com quem está na linha de frente', afirma Ana Toni

A diretora-executiva da COP 30, Ana Toni, explicou que uma das prioridades da presidência brasileira da COP é justamente valorizar o papel dos líderes locais no debate climático, já que são eles que estão "na linha de frente das mudanças climáticas".

— Se queremos ser a COP da implementação, temos que trabalhar com quem está na linha de frente, tanto na mitigação quanto na adaptação — disse Toni, que acrescentou que nas outras COPs não houve tantas oportunidades para se apresentar as inovações e soluções locais. — Queremos agora demonstrar essa ligação entre ações globais e locais. A presença dos lideres locais vai trazer esse conhecimento aos negociadores e dar as eles a noção exata do que está sendo feito, mas que talvez não saibam.

Ana Toni ainda disse que ações assim dialogam com a premissa do Mutirão Global lançado pela COP 30 para enfrentamento das mudanças climáticas. A diretora também respondeu sobre o desafio do financiamento climático global, um dos grandes temas da COP. Nos próximos dias, a presidência vai entregar o documento, chamado de Roadmap, que indica pacote financeiro para se alcançar o valor de 1,3 trilhões de dólares anuais aos países em desenvolvimento.

— Se todos pensamos que a COP29 era foi financiamento climático, a COP 30 vai falar ainda mais, porque é a COP da implementação. E não tem implementação sem pensar nas finanças. Vamos além de debate só dos grandes números e de países em desenvolvimento versus países desenvolvidos. Vamos direto no ponto de como acessar o financiamento climático. Sabemos que dificuldade de acesso por líderes locais porque muitas vezes isso precisa passar por governos nacionais.

Também presentes na coletiva, Rogier Van Den Berg, diretor do WRI Ross Center for Sustainable Cities (Centro Ross para Cidades Sustentáveis) e Nate Hultman, diretor do Centro para a Sustentabilidade Global da Universidade de Maryland, recorçaram a importância da integração entre presidentes e prefeitos para se alcançar as metas do Acordo de Paris.

— Não é só sobre novas legislações, tecnologias. É sobre parcerias entre governos subnacionais e nacionais — afirmou Van Den Berg

Fonte: O Globo



Decisão da Corte Internacional de Justiça: "A era das Metas Voluntárias de Emissões acabou"!

Em entrevista para a Heinrich Böll Stiftung, a especialista dinamarquesa em Direitos Humanos avalia os efeitos da decisão da Corte Internacional de Justiça que reconhece que as decisões tomadas pelos eventos oficiais da UNFCCC têm que ser cumpridas pelos países. Qual a consequência da decisão nos debates e no estabelecimento dos novos compromissos (NDCs) na COP30?

É o tema da entrevista abaixo:

-----------------------------------------------------------

“The Era of Voluntary Emissions Targets Is Over”

"Implementation will depend on political will, public pressure, climate action and yes, litigation." Climate rally outside the International Court of Justice in the Hague on July 23, 2025

Layla Al-Zubaidi, Lotte Leicht

Interview

Human rights expert Lotte Leicht explains how the International Court of Justice’s advisory opinion reshapes the climate debate: states are legally bound to prevent climate harm. At COP30, states can no longer treat climate action as optional.


What did the Advisory Opinion of the International Court of Justice rule in its most important points? Why is it groundbreaking?

On July 23, 2025, the International Court of Justice delivered a moment of rare legal clarity and moral force. Wrapped up in dry legal language the opinion is an incredibly powerful read, it is clear and so utterly without compromise. The Court gave us a roadmap for climate justice, and in doing so, it signaled the end of legal impunity for big greenhouse gas polluters.

The Court determined that the 1.5°C limit under the Paris Agreement is legally binding -not aspirational- and that all states, particularly the largest emitters, must take ambitious mitigation measures based on the best available science. It rejected the fiction that climate action is a closed-off sphere of non-binding pledges. Instead, it affirmed that obligations to mitigate and adapt to climate change flow not only from climate agreements and treaties, but also from customary international law, human rights law, the law of the sea, and a host of other international treaties and general principles of international law.

States have a legal duty to prevent transboundary climate harm.

And, it went further: the ICJ determined that states have a legal duty to prevent transboundary climate harm. They must act with precaution and due diligence. Inaction is not neutral -it can trigger legal responsibility. And, states can be held accountable not only for what they do directly, but also for what they fail to regulate -such as corporate emissions. The ICJ explicitly put states on notice that they can be liable for failure to address fossil fuel consumption, the granting of fossil fuel exploration licence or the provision of fossil fuel subsidies.

The Court addressed and dismissed a long-standing defense used by states with high greenhouse gas emissions (GHG): that climate change is too complex, too collective, too global for any one country to be held responsible. The ICJ disagreed. Climate complexity does not erase legal clarity and individual state accountability. A state’s share of harm can be attributed using science, and no state can hide behind the emissions of others. In plain terms ‘hiding in the GHG polluter pack’ will not shield from individual state responsibility and accountability.

So to sum up some of the key findings that make this ruling historic:
  • The 1.5°C limit is legally binding and must guide all state conduct, including nationally determined contributions (NDCs), licensing, subsidies, and regulation.
  • States have binding obligations under customary international law to prevent foreseeable climate harm. GHG emissions are mass pollution that knows no borders and states are accountable for transboundary harms.
  • Fossil fuel subsidies, exploration licences, continued production, and subsidies can breach international law.
  • Climate obligations are owed erga omnes -so to the international community as a whole.
  • Attribution of harm to individual states is legally viable, also in the face of collective emissions.
  • States have a duty to regulate private actors whose emissions cause harm -including fossil fuel corporations.
  • Breach of obligations triggers accountability including: cessation, guarantees of non-repetition, and reparations.
  • The principle of non-refoulement applies to people displaced across borders by climate impacts. States may not return climate displaced people to countries where their lives would be at serious risk.
  • Island nations do not lose statehood or maritime rights if their territory is submerged.
Yes, this advisory opinion is a watershed moment. It affirms what frontline communities have known for years: climate injustice is not just a political failure. It is a legal wrong. And, with the law on their side they are fighting back, and big GHG polluters can be held accountable.

What was the case that was brought to the Court, and who brought it at this particular moment in time?

It began not in a government ministry or international summit, but in a classroom with Pacific Islands students who dared to think big and who decided to launch a campaign to take on the biggest global human rights crisis of our time, the climate crisis, and to do so with the law. Their slogan said it all: “We are taking the world’s biggest problem to the world’s biggest court.”

For them the climate crisis was not abstract. They were living it -rising seas, intensifying storms, damaged homes, threats to lives and livelihoods. And they saw with fierce clarity that international law had been failing to protect them. So they launched a campaign that sparked a global youth movement, won the backing of Vanuatu and other climate-vulnerable states, and ultimately secured a historic unanimous resolution from the UN General Assembly in 2023 requesting the ICJ to clarify two core questions: 
  1. What are the obligations of states under international law to ensure the protection of the climate system and environment for present and future generations? and
  2. What are the legal consequences under international law for states that have caused significant climate harm and breached these obligations?

These are questions that strike at the very core of climate justice, and indeed climate injustice: Who is responsible? For what conduct? And what is owed to those who suffer the consequences but did the least to cause this climate crisis?

The students, the small island states and other climate vulnerable states brought the lived reality of the climate emergency into the halls of the UN and ultimately before the judges in The Hague. They confronted the silence of law with the urgency of justice. And on July 23, 2025, the ICJ responded with a ruling that reflected not only the gravity of the climate crisis, but the leadership and vision of those who made this landmark advisory opinion happen.

What does this ruling mean for the connection between human rights and state obligations regarding climate change?

The ICJ could not have been clearer: the climate crisis is also a human rights crisis.

The Court affirmed that climate change undermines the enjoyment of rights protected under international law -including rights to life, health, food, water, housing, family, and self-determination. It recognized the right to a clean, healthy, and sustainable environment as foundational and enforceable, rooted in human rights treaties and customary international law.

And, the ICJ recognized that these rights extend not only to those alive today, but to future generations. Climate obligations are intergenerational. States must act not just to protect people now, but to safeguard the rights of those who are yet to be born.

In other words, climate inaction is not just negligence, it is a serious violation of human rights.

What did the Advisory Opinion rule on climate mitigation obligations?

The Court confirmed that states have a legal obligation to reduce emissions in line with the 1.5°C target, using the best available science. This obligation is not confined to climate treaties. It is reinforced by customary international law, which binds all states -so also the United States that has withdrawn from the Paris Agreement.

Climate treaties do not displace broader international law, they are part of it.

The ICJ confronted head-on the argument that the climate treaties are a self-contained legal regime (a so-called lex specialis) that excludes other rules. It rejected this. Climate treaties do not displace broader international law, they are part of it. Obligations to prevent harm, act with precaution, and ensure due diligence remain fully applicable to climate change and GHG pollution.

And, as I already said the Court was even more specific when it stated that states can be held legally responsible for failing to regulate GHG pollution from the main driver of the climate crisis, fossil fuels.

The message is clear: the era of voluntary emissions targets and unchecked fossil fuel expansion is over. The German government should take notice!

What does this ruling mean for future litigation, especially in terms of liability and climate reparations?

The ICJ opened a powerful new chapter for climate accountability. Where there is a right, there is a remedy!

The Court confirmed that legal responsibility arises when states breach their obligations -by action or omission- and that attribution of transboundary harms to individual states is legally viable. Scientific attribution evidence, including cumulative emissions data, can establish a sufficiently direct causal link.

Where responsibility is found, the legal consequences include:
  • Cessation of the wrongful conduct - this could mean revoking licenses or subsidies.
  • Guarantees of non-repetition - requiring future safeguards.
  • Full reparation, which includes restitution (e.g. ecosystem restoration), compensation for financial harm, and satisfaction (e.g. formal apologies).
This landmark advisory opinion has provided a legal basis for loss and damage claims, both between states and in international and domestic courts. It empowers litigation against governments that continue to enable and back fossil fuel expansion, ignore scientific warnings, or fail to protect communities from foreseeable climate harms and the resulting human rights violations.

The Advisory Opinion states that a state doesn’t lose statehood and self-determination if it loses territory. What does that mean?

Yes, the Court determined that if a small island state loses part or all of its territory due to sea-level rise, it does not lose its statehood, sovereignty, or maritime rights. This offers a crucial legal safeguard to countries like Tuvalu or the Marshall Islands, whose existence is threatened by a climate breakdown they did not cause.

This is more than symbolic. It means that even in the face of existential climate threats, the international legal system will recognize and uphold the rights, identity, and agency of affected nations. It is a lifeline of legal continuity in an era of climate disruption and one that small ssland states have long fought for.

What does the Advisory Opinion mean for COP30 in Belém? How will it change the debate?

The ICJ’s opinion fundamentally reshapes the terrain ahead of COP30. It injects binding legal clarity into what has often been a murky arena of voluntary commitments and political compromise dictated by the biggest GHG polluters. At Belém, the focus should no longer be on what states are willing to do, but what they are legally required to do. The advisory opinion reinforces the legal imperatives behind demands for climate finance, fossil fuel phase-out, and a just transition -grounded in the principles of equity and historical responsibility.

The ICJ’s opinion fundamentally reshapes the terrain ahead of COP30.

For frontline states, affected communities, and civil society, this ICJ opinion arms them with an authoritative legal tool to confront inaction, delay, arrogance and greenwashing. It elevates the moral and legal stakes of the negotiations and should make it much harder for GHG polluters to pretend that their conduct is a matter of sovereign discretion. It is now a matter of legal compliance.

It raises the floor for climate ambition. It reframes mitigation and adaptation not as charity or policy choices, but as legal obligations.

At COP30, negotiators can no longer pretend that climate action is optional. The Court has made it clear: states have a legal duty to act. And if they don’t, they may be held responsible. I’m sure many big GHG polluting states will argue that an ICJ advisory opinion is “none-binding”. That is of course true, but the international law that the ICJ has now interpreted in the context of the climate crisis certainly is binding - and the obligations under customary international law apply to ALL states even if they are not parties to specific treaties.

For those who have long fought to be heard -youth, Indigenous peoples, climate-vulnerable states and communities -this ICJ opinion is both vindication and leverage.

In a time of eroding trust in international law, especially in the Global South, can this ruling change perceptions?

Yes, and I would dare to say that in some ways it already has.

The ICJ’s opinion reflects what many of the Global Majority have long demanded: legal recognition of their suffering, their leadership, and their rights. It places responsibility where it belongs -on the big GHG polluters who have, and continue to devastate the climate system, not those who are forced to live with its consequences.

It shows that international law can be used to protect people and the planet, rather than corporate interests, ruthless greed, and polluting states’ power. It restores the idea that the law can rise to meet the moment of urgency when politics fails.

The ICJ’s ruling offers a corrective to decades of arrogance, ignorance, and impunity, where legal systems have failed to hold major GHG polluters accountable for their devastating harms to the climate system and to the rights, lives and livelihoods of millions. It shows that international law, when activated and clarified, can serve and help advance justice. If followed up by litigation, legislation, and enforcement, this ruling can make a real difference for millions of people and for the safety of our planet, and help restore faith in the idea that the law can serve the many, rather than protect the powerful from accountability.

What will it depend on for this ruling to be implemented and make a difference?

The ICJ has given us legal clarity. But implementation will depend on political will, public pressure, climate action and yes, litigation. It will require follow-up at the UN General Assembly, national legislatures, regional and international negotiation forums. With the law on our side we can push for ambitious climate policies, actions, and finance.

We must insist that states heed the ICJ’s clear message: climate harm is no longer politically justifiable or legally defensible. The fossil fuel industry, long protected by regulatory capture and legal ambiguity, has now been placed on notice. The ICJ named it directly. Subsidizing, licensing, and expanding fossil fuel production are no longer just bad policies - they may constitute internationally wrongful acts.

This is a moment of urgency and importance. It affirms that when politics fails, the law can rise to the challenge. It’s a moment when youth and climate-affected nations aren’t just at the table - they are showing the way and reshaping the system itself!

This ICJ opinion is a roadmap for climate justice, for accountability, for scientific facts, for the rights of present and future generations. Now it’s up to us to walk that path.

-----------

The interview was conducted by Layla Al-Zubaidi, Acting Director of International Department & Head of International Policy Devisions at the Heinrich Böll Foundation.

-----------


Lotte Leicht is a Danish jurist who specializes in international human rights, humanitarian & criminal law, including environmental and climate law, accountability and justice for serious international crimes, and international advocacy.

Lotte Leicht is the International Advocacy Director at Climate Rights International. She is also the chairperson of the European Center for Constitutional and Human Rights Council.

She serves on the Heinrich Böll Foundation's Global Cooperation advisory board.


Fonte: Heinrich Böll Stiftung



EDITORIAL O GLOBO: "Tempo para salvar planeta fica a cada dia mais escasso"

Usinas a carvão em Datong, na China — Foto: Noel Celis / AFP

COP30 enfrenta realidade inescapável: metas de cortes de emissões têm sido insuficientes para evitar o pior cenário

A COP30 começará em Belém sob o espectro de uma realidade incontornável: o tempo passa, e as projeções feitas com base nas metas de corte das emissões de gases de efeito estufa se mostram insuficientes para conter o aquecimento global idealmente em 1,5°C, no máximo em 2°C, em relação ao início da Era Industrial, como prevê o Acordo de Paris. O limite é essencial para evitar as variações catastróficas no clima, que já começaram a acontecer. Infelizmente, a meta de 1,5°C já ficou para trás, segundo diagnóstico da própria ONU. Pior: não há sinais convincentes de que a negligência da humanidade com o futuro do planeta mudará no curto prazo. Ainda que a ciência tenha vencido o confronto com o negacionismo no plano das ideias, faltam passos concretos, planos de execução rápida. A união entre diplomacia e política é a única forma de tentar recuperar o tempo perdido até aqui.

Governos se movem sem pressa, apesar das sucessivas tragédias climáticas decorrentes da elevação da temperatura no planeta. A última foi o Furacão Melissa, na região do Caribe, de categoria 5, a mais elevada, com ventos de até 298km/h, turbinado pela anormal temperatura do Atlântico. O poder de destruição dos furacões tem crescido. Chuvas torrenciais multiplicam-se — provocando catástrofes como as enchentes no Rio Grande do Sul — e convivem com secas tórridas. Tudo tem acontecido como era previsto.



A negligência fica patente no atraso na entrega das metas de corte de emissões definidas pelos países, conhecidas como NDCs. Elas são essenciais para projetar a tendência da temperatura média global e definir os cortes necessários nas emissões, objetivo da COP em seu relatório-síntese. No vencimento do prazo, em 10 de fevereiro, apenas 13 dos 197 signatários da Convenção do Clima da ONU (UNFCCC) haviam entregado suas NDCs para o período de 2030 a 2035. Vários se justificaram alegando esperar a COP30 para cumprir o compromisso. Até o momento, o número subiu para 64, e a partir desses compromissos foi elaborado o relatório-síntese que servirá de base para discussões em Belém. A COP30, portanto, começará com um resultado incompleto e insuficiente.

Mesmo a partir de dados limitados, relativos a apenas 30% das emissões globais, os cientistas conseguiram estimar se os cortes previstos são suficientes para limitar o aquecimento às metas traçadas no Acordo de Paris. Pelas informações disponíveis, haveria um corte de 17% nas emissões de 2019, quando eles precisariam ser de 57% para alcançar as metas. A conclusão a ser apresentada em Belém constata como evidente a necessidade de “grande aceleração” nos cortes. As dificuldades para isso serão imensas.

O sistema produtivo que se consolidou a partir da Revolução Industrial é baseado em combustíveis fósseis, e não há alternativa para salvar o planeta a não ser reduzir essa dependência. A expressão “transição energética” precisa deixar de ser um chavão para se tornar realidade concreta. Uma das principais dificuldades está na governança criada pelo Acordo de Paris. Toda negociação depende de consenso unânime dos signatários, e cada país bloqueia o que não é de seu interesse. Daí a dificuldade de tomar medidas que deem maior agilidade ao afastamento dos combustíveis fósseis rumo à geração de energia limpa.

A COP30 tentará superar o impasse com uma inovação: a agenda de ação, uma espécie de conferência paralela com reuniões entre grupos menores de países, empresas e organizações da sociedade civil dedicadas a temas individuais. Serão ao todo 360 eventos oficiais envolvendo mais de 500 iniciativas em áreas como energia nuclear, combustíveis renováveis, produção de alimentos, florestas, agricultura etc. A ideia é que a sessão plenária aprove de modo permanente a estrutura criada para a agenda de ação, de modo a garantir uma governança mais eficaz.

Um dos temas mais espinhosos é o financiamento para os países pobres implementarem suas políticas de corte de emissões. No ano passado, na COP29, em Baku, no Azerbaijão, foi estabelecida uma “nova meta coletiva”: transferir dos países desenvolvidos aos menos desenvolvidos US$ 300 bilhões anuais. Ainda é uma fração da necessidade estimada para a tarefa. O Grupo de Especialistas Independentes de Alto Nível em Financiamento Climático, criado em 2021, projetou que, até 2030, esses países precisarão de US$ 2,7 trilhões por ano e que, para isso, é vital receber ao menos US$ 1,3 trilhão das economias desenvolvidas. Os últimos dados disponíveis, de 2022, mostram que os países ricos desembolsaram apenas US$ 116 bilhões.

Outro tema que certamente despertará interesse é a tentativa de criar um fundo privado para conservar as florestas. O objetivo é implantar, dentro do Banco Mundial, uma dotação com US$ 20 bilhões vindos de governos, mais US$ 100 bilhões de investimentos privados. Esse capital daria origem a uma espécie de banco de investimento florestal e, aplicado no mercado, traria lucros reinvestidos em projetos que remunerem iniciativas de conservação. É uma ideia engenhosa que deveria ser levada adiante.

A crise climática é um problema que só será resolvido com a cooperação de todo o planeta. Eventuais êxitos nas negociações da COP30 poderão transmitir a mensagem de que o multilateralismo ainda tem valor neste momento de reorganização geopolítica do planeta. A instituição da agenda de ação, lançando mão de todos os instrumentos e organizações multilaterais que funcionam, é o caminho mais promissor para transformar a realidade. As conferências do clima servem para encontrar caminhos e desenvolver tecnologias que permitam à humanidade enfrentar as ameaças trazidas pelas mudanças climáticas. Sem elas, não haverá futuro viável para o planeta Terra.

Fonte: O Globo



Coluna Míriam Leitão: Bem-vinda, Terra, à COP de Belém

 

Míriam Leitão

O mundo chega nesta semana a Belém, mas falta um número sobre a mesa. Com os dados atuais, quanto a temperatura da Terra vai aumentar? O relatório síntese da ONU, que deveria trazer esse número, não trouxe. Seu fantasma estará sobre todas as cabeças. Diante da falta de compromisso da maioria dos países, o mundo talvez esteja contratando um aumento de temperatura de 2,3°C, o que levaria a tragédias climáticas. O Pnuma, Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, deve dar esta notícia na terça-feira. Sob esse clima, o mundo vem a Belém, e o Brasil é mais uma vez o palco da escolha mais decisiva da humanidade.

A caminhada começou no Rio há 33 anos. Foi quando o mundo olhou o planeta Terra como deveria olhar. Agora, volta ao Brasil para a Conferência de número 30, em plena hora da verdade. A saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris produziu um vexame para eles mesmos. Só há quatro países fora do acordo: Estados Unidos, Iêmen, Irã e Líbia. A ironia é o governo americano ter escolhido essas companhias, que eles próprios consideram países párias.

A saída dos americanos teve um efeito maior do que é visível. A boa notícia é que ninguém mais saiu do Acordo de Paris. A má notícia é que isso teve um inesperado resultado: emagreceu as vontades. O que houve com a Europa? A Europa sempre foi líder, sempre pressionou os outros países a assumirem compromissos maiores de redução dos gases de efeito estufa. Mas, até agora, é a maior decepção: ela não apresentou a sua NDC.

Essa sigla de três letras é a alma da COP. Significa quanto cada país se compromete voluntariamente para o objetivo global de manter o aumento da temperatura em 1,5 °C. É escolha. Por isso NDC significa “Compromissos Nacionalmente Determinados”. Em bom português, quer dizer o número que cada um coloca na mesa para se chegar à meta global. A Europa ainda não anunciou a sua. França e Alemanha, que mais empurravam o bloco europeu, recuaram por causa dos Estados Unidos.

A COP tem esse nome porque é Conferência das Partes. Partes do quê? Do acordo-quadro da Convenção do Clima da ONU. Aquela convenção nascida na Rio92. São 198 partes, ou seja, países que decidiram caminhar na sensata direção de proteger o planeta. Ocorre que apenas 67 países anunciaram suas NDCs. Para nosso orgulho, o Brasil foi a primeira parte a fazer isso. O Brasil disse que, até 2035, terá uma emissão de 59% a 67% menor do que em 2005.

A ausência de compromissos é a grande dúvida que vai pairar sobre a reunião dos chefes de Estado que começa na quinta-feira, dia 6, em Belém. O desafio gigantesco do Brasil é levar o maior número de partes faltantes a declarar que esforço farão para evitar o risco extremo que está diante de nós.

Os negociadores brasileiros acreditam que a Europa sairá da sua letargia. Para se ter uma ideia, em dezembro, estavam os europeus pressionando o Mercosul a incluir compromissos do Acordo de Paris no Tratado União Europeia-Mercosul. Conseguiu e lá estão os compromissos. Hoje, se estivesse em vigor, o Brasil poderia tirar concessões dos europeus, alegando que está cumprindo o combinado, e eles não. Por isso, a expectativa é de que a Europa volte ao seu normal e anuncie a sua NDC. Outros devem segui-la. É o lógico a fazer.

Quem acompanha essas três décadas de negociações globais sabe que o Brasil durante muitos anos se negava a discutir florestas. Uma visão estreita de nacionalismo levava o país a dizer que a floresta é nossa e que podemos fazer dela o que quisermos. Pois o Brasil saiu dessa posição e hoje lidera este debate. Apresentará aos chefes de Estado um instrumento novo conhecido pela sigla TFFF. Em inglês, Tropical Forest Forever Facility. Na prática, é um fundo para a proteção das florestas tropicais. É misto, também terá capital privado e será gerido pelo Banco Mundial. O Brasil fará oficialmente o lançamento deste fundo na COP. Já avisou que vai depositar US$ 1 bilhão nele, e a Indonésia disse que colocará outro bilhão. Isso estará na mesa dos chefes de Estado. O dinheiro financiará projetos de restauração florestal, reconhecendo os serviços ambientais prestados pela floresta. Parte do dinheiro irá para as comunidades tradicionais e os povos indígenas. O Brasil chegará nessa conversa com uma queda de 50% de desmatamento em três anos.

Será uma reunião emocionante, como são as COPs. Haverá decisões dramáticas a tomar. O mundo estará em Belém olhando olho no olho o seu próprio futuro. Bem-vindo, planeta Terra.

(Com Ana Carolina Diniz)

Fonte: Coluna Miriam Leitão, O Globo





Entenda o que é a taxonomia sustentável e por que é uma das principais pautas do Brasil na COP30

Taxonomia brasileira será instituída em breve, por meio de decreto. Imagem: Ministério da Fazenda

Buscando se consolidar como líder global na economia de baixo carbono, o país vai instituir a própria taxonomia, que define critérios para classificar projetos como sustentáveis. Agora, o Brasil propõe a construção de parâmetros internacionais. A medida traz segurança para investimentos verdes e evita práticas enganosas, como o greenwashing

Por Ministério da Fazenda

O Brasil chega à COP30 com a proposta de colocar a taxonomia sustentável no centro da nova economia verde. Desenvolvida sob coordenação do Ministério da Fazenda, com ampla participação da sociedade civil, órgãos reguladores e especialistas, a Taxonomia Sustentável Brasileira (TSB) funcionará como um “dicionário da sustentabilidade”.

O instrumento define, com base em critérios técnicos e científicos, o que pode ser considerado uma atividade, projeto ou ativo sustentável, observando metas de mitigação e adaptação às mudanças climáticas, bem como de redução das desigualdades de gênero e raça. A TSB será instituída por decreto em breve, e terá adesão voluntária.

Na 30ª Conferência das Partes, o governo brasileiro propõe a construção de uma interoperabilidade global entre taxonomias nacionais, chamada de Super Taxonomia. Ou seja, um mecanismo que permita que investidores, governos e empresas possam compreender e comparar níveis de sustentabilidade de produtos e atividades econômicas em diferentes países, respeitando a soberania, as escolhas e as prioridades de cada nação, a partir de parâmetros oficiais universais.

Em entrevista, a subsecretária de Finanças Sustentáveis do Ministério da Fazenda, Cristina Reis, explica como a taxonomia foi elaborada, o que muda na prática para empresas e cidadãos e como essa agenda se conecta a outras iniciativas do Novo Brasil - Plano de Transformação Ecológica, um dos programas nacionais que visam o cumprimento da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês) brasileira.

Foto: Gabriel Della Giustina/COP30

Como foi desenvolvida a Taxonomia Sustentável Brasileira e qual é o impacto da implementação dessa medida?

A Taxonomia Sustentável Brasileira estabelece como uma atividade econômica, um ativo financeiro ou um projeto de investimento pode ser considerado sustentável, com base em critérios objetivos de contribuição substancial e de não causar prejuízos significativos aos objetivos econômicos, sociais, ambientais e climáticos. Esse mecanismo analisa diversas atividades econômicas e, nesta primeira edição, foca em mitigação e adaptação às mudanças do clima e redução das desigualdades de gênero e raça.

Elaborado com ampla governança e participação social, esse instrumento passou por consulta pública durante quase cinco meses e recebeu mais de cinco mil contribuições. Por definir o que é sustentabilidade, tem um grande potencial transformador, podendo orientar rotulagem de produtos financeiros, concessão de benefícios fiscais e creditícios, compras públicas e cooperação internacional.

Esperamos que seja um farol para atrair investimentos e incentivar empresas a adotarem práticas mais sustentáveis e inclusivas. É um marco para o desenvolvimento econômico e ambiental do país.

O que muda no dia a dia das pessoas e das empresas com a implementação da taxonomia?

A implementação da taxonomia vai orientar as empresas sobre como relatar, verificar e monitorar suas informações de sustentabilidade. Para atender aos critérios, elas precisarão adotar rotas tecnológicas mais limpas e descarbonizantes e promover equidade racial e de gênero em toda a cadeia produtiva. A taxonomia também orienta o sistema financeiro na concessão de incentivos, que tendem a ser mais vantajosos para produtos e projetos sustentáveis.

Assim, as oportunidades de investimento e emprego se concentrarão nessas áreas, criando um ciclo virtuoso de inovação, desenvolvimento e inclusão social.

Pode nos dar um exemplo de como a taxonomia seria aplicada na prática?

Hoje existem mais de 400 bilhões de reais de títulos privados negociados no mercado brasileiro com rótulo de sustentável, usando várias métricas diferentes. Estamos propondo uma ferramenta para aproximar esses padrões e unificar a metodologia de avaliação. Eu diria que trata-se de uma abordagem de Ambiental, Social e Governança (ESG, na sigla em inglês) oficial, nítida e padronizada.

Relatórios de sustentabilidade de instituições em geral também passarão a contar com esses indicadores que revelam o avanço da agenda ASG. É uma ferramenta poderosa contra práticas enganosas, como o greenwashing.

O Brasil está liderando uma proposta de Super Taxonomia na COP 30. Como funcionaria essa harmonização de taxonomias mundo afora e por que isso é estratégico para o Brasil?

A Super Taxonomia integra a Agenda de Ações Globais da COP30, na área de finanças sustentáveis.

A meta é facilitar a comparação entre taxonomias, valorizando suas diferenças e permitindo fluxos de financiamento mais eficientes e transparentes entre países, definindo princípios mínimos que podem ser adotados ou requisitos mínimos que não podem ser descumpridos pelos países.

Defendemos o uso de salvaguardas internacionais, especialmente de direitos humanos, meio ambiente e biodiversidade, e a adoção da proporcionalidade, com atenção às micro, pequenas e médias empresas para que o estabelecimento de parâmetros internacionais seja concretizado de forma justa.

Debatemos o tema pela primeira vez no âmbito dos BRICS em maio deste ano, quando houve bom engajamento dos outros países na pauta.

Como essa proposta global pode abrir novos mercados de trabalho e investimento para o Brasil e outros países?

Ao estabelecer mecanismos de comparação e interoperabilidade entre taxonomias nacionais, essa clareza cria um ambiente de confiança que facilita o fluxo de capitais e parcerias para além das fronteiras, abrindo oportunidades de investimento e geração de empregos em setores como energia limpa, agricultura sustentável e bioeconomia.

Com isso, ela conecta sustentabilidade a empregos de alta qualidade, capazes de gerar prosperidade.

Como a taxonomia se conecta ao Plano de Transformação Ecológica do Ministério da Fazenda e outras políticas públicas?

A taxonomia está na base das políticas de sustentabilidade. Ela define critérios técnicos para instrumentos como os Títulos Públicos Sustentáveis, o Eco Invest, o Fundo Clima e outras ações do Sistema Nacional de Fomento. O decreto que regulamenta este mecanismo irá prever rotulagem financeira, compras públicas e benefícios fiscais e creditícios.

A taxonomia também dialoga com políticas como o mercado de carbono, as linhas de crédito sustentáveis do Plano Safra, as debêntures de infraestrutura, e os fundos regionais de desenvolvimento, como da Sudam, Sudene, e fundos da Reforma Tributária.

A taxonomia é, portanto, estruturante: orienta tanto as políticas públicas quanto o setor privado, como um farol da sustentabilidade.

De que forma a taxonomia entrará em pauta na COP30?

Queremos agora fomentar o debate internacional sobre a Super Taxonomia, com base nos princípios que propusemos e na criação de ferramentas que comparem taxonomias. Esperamos que o tema entre na agenda de negociação do Artigo 2.1(c) do Acordo de Paris, que trata da alocação de fluxos financeiros compatíveis com a transição climática.

Mais do que uma norma técnica, a taxonomia é um instrumento essencial para orientar investimentos e finanças rumo ao desenvolvimento sustentável — um novo paradigma para o futuro da economia e do trabalho.

Fonte: COP30