Enquanto a crise climática se agrava, o protagonismo das cidades começa finalmente a ser reconhecido no cenário global de decisões e ações sobre as mudanças climáticas.
Entre os dias 30 de maio e 7 de junho, portanto durante a Semana do Meio Ambiente, participei na Alemanha do Diálogo de Bonn sobre Mudanças Climáticas, chamada de SB60 no ambiente da diplomacia climática. O evento foi promovido pela ONU como preparação para a COP29, que acontecerá em Baku, no Azerbaijão, em novembro próximo. Estiveram presentes 6.000 delegados das representações oficiais e participantes da sociedade civil. Os resultados de Bonn foram frustrantes, considerando o objetivo de produzir acordos para a COP29 que terá como tema central o financiamento das ações climáticas globais, mas ainda haverão outras rodadas de negociações antes de Baku.
A falta de avanços preocupa pois em 2025 haverá a tão aguardada COP30 em Belém, no Pará, cujo tema central será a atualização dos compromissos assumidos pelos países (Contribuições Nacionalmente Determinadas, NDC na sigla em inglês) no Acordo de Paris, em 2015. A grande expectativa é que Belém consiga reverter o atual estado de letargia na ação climática. Nenhum país cumpriu os compromissos de Paris!Portanto, o nível de ambição da COP30 depende do sucesso da COP29, em Baku: financiamento + compromissos (NDC) = ações climáticas efetivas.
"...o nível de ambição da COP30 depende do sucesso da COP29, em Baku: financiamento + compromissos (NDC) = ações climáticas efetivas".
Em paralelo ao evento oficial da ONU, participei do "Daring Cities 2024", evento anual promovido pelo ICLEI - Governos Locais pela Sustentabilidade, uma rede mundial de 2.500 cidades, em 125 países. Nos dois eventos, a participação das cidades na ação climática global e no processo de transição justa para a sustentabilidade foram muito debatidos, tendo como inspiração a Coalition for High Ambition Multilevel Partnerships for Climate Action - CHAMP (Coalizão para Parcerias Multinível de Alta Ambição), iniciativa aprovada por 72 países no Local Climate Action Summit - LCAS (Reunião de Cúpula sobre Ações Climáticas Locais), realizada durante a COP28, em Dubai (2023). Os países signatários assumiram o compromisso de promover uma maior participação dos governos subnacionais no planejamento e ações climáticas. No caso brasileiro, governos subnacionais são os estados e municípios.
Na linha do fortalecimento das iniciativas locais, na COP28 também foi realizada a Reunião Ministerial sobre Urbanização e Mudanças Climáticas, cujos resultados foram integrados aos do CHAMP e, de forma resumida, produziu-se o documento Joint Outcomes Statement on Urbanization and Climate Change. Estes foram importantes passos para o reconhecimento da necessidade de garantir um maior protagonismo para as cidades no tabuleiro da diplomacia climática.
Gravidade da crise climática
Há décadas, quando falávamos sobre mudanças climáticas alertávamos que se nada fosse feito para evitar as emissões de gases do efeito estufa, enfrentaríamos graves problemas no futuro. Era como pregar no deserto. Os apelos não encontravam eco e a situação foi se agravando. O futuro que temíamos chegou!
Segundo cientistas, as mudanças climáticas já são uma realidade inequívoca, as consequências são inexoráveis e já estão acontecendo com força em várias regiões do mundo. O esforço precisa ser para evitar o aumento ainda maior do aquecimento global para prevenir danos e riscos ainda mais severos. Portanto, atualmente não há a possibilidade de se reverter as mudanças climáticas, mas evitar que se agravem ainda mais.
O secretário-geral da ONU, o português António Guterres, tem elevado o tom ao chamar os países à responsabilidade para o avanço das negociações, o cumprimento dos compromissos e a adoção de metas mais ambiciosas. Recentemente, disse que "a humanidade impacta de maneira descomunal o mundo" e comparou o seu efeito ao do meteoro que iniciou o processo de extermínio dos dinossauros há 66 milhões de anos.
“No caso do clima, não somos os dinossauros”, disse Guterres. “Nós somos o meteoro. Não estamos apenas em perigo. Nós somos o perigo”.
Guterres também atacou as empresas do petróleo pela força do lobby com que tentam dificultar e atrasar as negociações, e no Dia Mundial do Meio Ambiente (5 de junho de 2024) fez o apelo:
"Peço a todos os países que proíbam a publicidade das empresas de combustíveis fósseis. E apelo aos meios de comunicação social e às empresas de tecnologia para que deixem de aceitar publicidade de combustíveis fósseis". Fez ainda uma forte denúncia contra o lobby do petróleo: "Muitos na indústria dos combustíveis fósseis têm feito uma lavagem verde descarada, ao mesmo tempo que tentam atrasar a ação climática - com lobby, ameaças legais e campanhas publicitárias maciças".
O dirigente vem alertando que estamos nos encaminhando para um ponto de inflexão ("tipping point"), a partir de onde o problema se torna muito mais grave ou insolúvel (acesse dados da ONU aqui).
Os eventos climáticos extremos estão cada vez mais recorrentes e vêm acontecendo por toda parte. Todos os meses, de junho de 2023 a maio de 2024, foram os mais quentes já registrados no mundo, segundo os dados do Copernicus, o serviço de monitoramento climático da União Europeia.
Em Meca, mais de mil peregrinos morreram pelo calor de mais de 50°C. Na Índia, novamente o calor de mais de 50°C levou à morte centenas de pessoas. Dubai, cidade construída no deserto, enfrentou chuvas torrenciais que causaram uma inundação nunca vista. No México, macacos caíram mortos das árvores devido ao calor. Enquanto estive em Bonn, vi o Rio Reno quase extravasando do seu leito. A cerca de 20 km dali, cidades já estavam alagadas, nos lembrando que o sul da Alemanha naqueles dias passava por uma grande inundação. Vivemos uma emergência climática global!
Segundo a ONU Habitat, 70% das cidades no mundo já estão experimentando os impactos das mudanças climáticas e os eventos climáticos extremos empurrarão 132 milhões de pessoas para a pobreza na próxima década.
Brasil
Estamos vendo isso também no Brasil. O Rio Grande do Sul enfrenta a mais grave inundação da sua história, que já registrou 172 óbitos e atingiu 476 municípios. O Pantanal também sofre a maior queimada da história. Em 2023, vimos os rios da Amazônia secarem e outros episódios assustadores.
Segundo dados do Sistema Integrado de Informações sobre Desastres - S2ID, do Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional, nos últimos 10 anos, 93% dos municípios brasileiros sofreram algum desastre natural relacionado a eventos climáticos extremos. Nos últimos 30 anos (1993 a 2023), ou seja, no período pós-Rio92, enquanto aconteciam os debates climáticos nas diversas COP's, 4,7 mil pessoas morreram no Brasil em decorrência de desastres relacionados a estiagem, incêndio florestal, ondas de calor, alagamentos ou inundação. Mais de 9,6 milhões de pessoas foram desalojadas os desabrigadas, e o prejuízo estimado para os cofres públicos acumula R$ 430,8 bilhões. Nota técnica publicada pelo governo federal, por exemplo, indica que o número de municípios brasileiros suscetíveis a ocorrências de deslizamentos, enxurradas e inundações saltou de 821 em 2012 para 1.942 em 2023. Neles vivem 73% da população brasileira. (Deutsche Welle, 2024).
Enquanto isso, pelo menos 1.434 municípios brasileiros ainda não tem orçamento para atividades de proteção e defesa civil.
"Clinch" climático
Acompanho a agenda global do clima desde o período de preparação da Rio-92. Minha primeira participação direta foi na COP4, realizada em Buenos Aires, em 1998. Atuei mais ativamente a partir dos últimos anos, quando estive representando a Prefeitura de Niterói e a Frente Nacional de Prefeitas e Prefeitos - FNP (representa mais de 400 cidades e 61% da população do país), onde sou o vice-presidente e presidente da Comissão Permanente da FNP de Cidades Atingidas por Desastres - CASD. Nesta condição, estive na COP26 (Glasgow, Escócia), COP27 (Sharm El Shaik, Egito), COP28 (Dubai, Emirados Árabes Unidos).
Enquanto vemos o tempo passar e os problemas decorrentes das mudanças climáticas se agravarem, é evidente que os compromissos assumidos pelos países no Acordo de Paris, as NDC's, estão fracassando. Com isso, estamos perdendo a luta pela meta de limitar em 1,5°C o aquecimento global acima do período pré-industrial.
A impressão que se tem do atual cenário da diplomacia climática é que após quase 30 anos de conferências em torno da Conferência do Clima - UNFCCC, chegamos a uma situação em que os lobbies fizeram o seu trabalho e, como numa luta de boxe, estamos todos num "clinch", quando um lutador agarra o outro. É preciso afastar os lutadores, ou permanecerão numa situação de impasse ou letargia e estagnação. No caso da agenda climática, para sair do clinch precisamos de novos atores junto à mesa de decisão climática e, estou certo, que as cidades podem fazer toda a diferença. Poderão ser o elemento novo, que pela legitimidade de representar uma força política inegável, ajudarão a virar o jogo.
Maior protagonismo das cidades
Na COP26, em Glasgow, fiz parte de uma comissão de prefeitos de várias partes do mundo que teve uma audiência com o secretário-geral da ONU, António Guterres, e reivindicamos uma participação efetiva das cidades no processo decisório. Nas conferências seguintes as oportunidades foram aumentando até que em Dubai foi aprovado o CHAMP e outras medidas efetivas para buscar uma presença maior das cidades no processo decisório.
O CHAMP foi desenvolvido mediante consultas a lideranças subnacionais e com o trabalho de organizações como: ICLEI, America Is All In, Bloomberg Philanthropies, C40 Cities, CDP, European Climate Foundation, the Global Covenant of Mayors for Climate and Energy, NDC Partnership, UN Climate Change High-Level Champions, Under2 Coalition, UN-Habitat, WRI Ross Center for Sustainable Cities e outras.
O esforço atual é de construir o devido respaldo e fortalecimento político dos governos subnacionais. Durante o evento em Bonn, a associação que reúne as cidades alemãs decidiu apoiar o CHAMP e a FNP formalizou a sua adesão em 17 de junho, durante evento em São Paulo. As organizações congêneres dos EUA e Colômbia estão se mobilizando para fazer o mesmo e outras organizações municipalistas de outros países devem seguir.
O exemplo de Niterói
- Secretaria Municipal de Defesa Civil e Geotecnia (atuação: resiliência, ações preventivas, formação de voluntários e resposta a emergências climáticas),
- EMUSA (obras de contenção de encostas e drenagem),
- Secretaria Municipal de Obras (Programa Região Oceânica Sustentável - PRO Sustentável),
- Secretaria Municipal de Conservação e Serviços Públicos (arborização urbana e manutenção de drenagens, transição energética na frota municipal),
- Secretaria de Meio Ambiente (gestão de unidades de conservação, proteção a áreas verdes e reflorestamento),
- Secretaria Municipal de Urbanismo e Mobilidade (planejamento urbano, mobilidade sustentável e transição energética no transporte: ônibus),
- Coordenadoria do Niterói de Bicicleta (transporte ativo sustentável)
- Secretaria Municipal de Ciência, Tecnologia e Inovação (inclusão da sustentabilidade e clima no ecossistema de inovação da cidade)
- e outras unidades.
ADAPTAÇÃO E MITIGAÇÃO: A Prefeitura desenvolve agora o Plano de Adaptação, Mitigação e Resiliência da Cidade de Niterói que reúne e sistematiza todas as ações climáticas e projeta novas metas para o futuro.
Axel GraelPrefeito de Niterói
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