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domingo, 5 de janeiro de 2020

INFERNO CLIMÁTICO NA AUSTRÁLIA: semelhanças nos retrocessos e nas suas consequências



Durante o Reveillon, um canguru corre em desespero diante de um prédio em chamas na Austrália, foto BBC.


Tenho acompanhado nos últimos dias, com muita tristeza e preocupação, a catástrofe climática que vem assolando a Austrália, que já vitimou 23 pessoas, já queimou seis milhões de hectares de florestas e parques. Mais de 1.300 residências já foram destruídas e este já é considerado o maior desastre climático da história da Austrália.

Segundo estimativas, "os incêndios florestais na Austrália são 3 vezes maiores que em 2018 e 6 vezes mais extensos que os recentes na Amazônia", como destacou o ambientalista e representante brasileiro em eventos internacionais sobre a emergência climática, Alfredo Sirkis. É esta a dimensão do problema.

Reúno aqui algumas informações que pude obter na mídia especializada ou fontes jornalísticas, para um olhar preliminar sobre a tragédia que está acontecendo naquele país.

Desastre humanitário, para florestas e animais

As imagens são comoventes: sofrimento, destruição e incapacidade de resposta. No meio da destruição cenas desesperadas de solidariedade: pessoas arriscando a vida para salvar animais das chamas. Estudos recém divulgados, estimam que meio milhão de animais já devem ter morrido nos incêndios, inclusive dizimando a população dos carismáticos e carinhosos coalas. Esta é provavelmente a imagem que mais correu o mundo e chocou a opinião pública mundial.

É ainda mais triste quando lembramos que a Austrália é caracterizada pelos endemismos, ou seja, abriga espécies que só existem lá, como os famosos cangurus, símbolo do país. O que acaba lá, acaba em todo o planeta.




Coala parou ciclista para pedir água. Vimos uma cena parecida em Mato Grosso no ano passado. Imagem: Reprodução/Instagram. Fonte: UOL

Mais de 12 milhões de acres queimaram até agora, uma área maior que a Suíça ou a Bélgica. Os incêndios começaram em setembro e especialistas dizem que o pior ainda está por vir.

Em várias partes do país, cidades estão sendo destruídas e a população está sendo obrigada a fugir para as praias e aguardar resgate, como aconteceu em Mallacootta, no estado de Vitória. Os refugiados referem-se ao cenário de destruição e chamas com a expressão: o céu ficou vermelho-sangue!

Vale lembrar que em 2019, no auge das queimadas na Amazônia, também vivemos aqui no Brasil um fenômeno urbano causado por incêndios florestais em áreas distantes, como ocorreu com a fumaça que encobriu a cidade de São Paulo e, num fenômeno meteorológico raro, deu a impressão de anoitecer em pleno dia.


Fonte: Tweet de Fiona Bateman, em BBC

Navio da Marinha resgata centenas de moradores e turistas. Fonte: BBC

Congestionamento para sair de área da Austrália onde há incêndios, em 2 de janeiro de 2020 — Foto: Peter Parks/AFP. Fonte: G1

Diante da tragédia, a população tem sido orientada a deixar as suas casas e providenciar o resgate para lugares mais seguros tem sido um drama paras famílias e um desafio logístico para as autoridades e militares envolvidos.

Nos últimos dias, cenas de milhares de pessoas socorridas e transportadas para lugares mais seguros tomaram as páginas da mídia internacional. As autoridades afirmam que essa era provavelmente a maior operação de resgate marítimo em tempos de paz da história da Austrália.

Há relatos de desabastecimento nas cidades mais afetadas, com escassez de alimentos, de combustível e outros insumos básicos.

Entendendo os motivos meteorológicos dos incêndios

Na Austrália, o fogo tem sido atribuído a fatores climáticos que causaram um longo período atípico de seca em várias partes do país, deixando a vegetação mais vulnerável, além de ventos fortes e temperaturas muito altas. Diferente do que acontece na Amazônia, onde as chuvas em 2019 estiveram dentro da normalidade, num ano neutro em termos do efeito do fenômeno El Niño. Os incêndios têm origens criminosas, causadas pela grilagem e apropriação de terras públicas, ou ainda a expansão da fronteira agrícola (liderada pela pecuária). O problema foi seriamente agravado por uma política do atual governo federal de estímulo à destruição da floresta.

A Austrália já vinha enfrentando rigores climáticos há algum tempo. O mês de janeiro de 2019 já havia sido considerado mais quente da história (Veja). Não foi por falta de sinais da natureza, mas interesses e políticas públicas baseadas em convicções ideológicas anti-ambientais paralisaram as medidas de prevenção.

Os mapas abaixo demonstram que a distribuição dos focos de incêndio e a forte onda de calor abrange toda a extensão do país.


Como pode ser visto no mapa acima, os incêndios estão por todo o território australiano.

Fonte: BBC

Temperatura Média Máxima no dia 29 de dezembro. Fonte: BBC


Muitas cidades ainda estão ameaçadas pela violência das chamas que assolavam o campo no início da semana e que se aproximam cada vez mais. Os relatos são de agravamento do problema, uma vez que o calor está intenso e o vento tem dificultado o combate às chamas.

Cientistas têm atribuído a propagação descontrolada das chamas também a um fenômeno chamado pirocumulonimbus (vide figura abaixo), no qual a própria fumaça das queimadas gera nuvens de tempestade que produzem descargas elétricas que podem causar a ignição de novos focos de incêndio.


Fonte: BBC

Segundo explicações dos meteorologistas, o motivo da longa seca que já assola a Austrália há pelo menos três anos, seria o fenômeno chamado "Indian Ocean Dipole Positivo", que concentra temperaturas mais elevadas junto à costa da África e mais frias junto à Austrália, provocando um aumento de intensidade de chuvas na África e seca na Austrália, como pode ser visto na imagem abaixo:


Fonte: BBC

Além dos danos à população e para a biodiversidade, os impactos dos incêndios têm alcance muito maior do que apenas ao território australiano e já são verificados inclusive na Nova Zelândia, ilha vizinha embora afastada da Austrália.

A foto abaixo mostra o tom caramelo da neve no Parque Nacional Tai Poutini Oriental.


Marcas da fuligem do fogo na Austrália na neve da Nova Zelândia. Fonte: BBC


EMERGÊNCIA CLIMÁTICA, NEGACIONISMO E RETROCESSOS POLÍTICOS

Comecei o texto aqui falando em tristeza e preocupação com as notícias que chegam da Austrália, mas ao analisar os fatos sob o olhar político devo acrescentar os sentimentos de indignação e contrariedade. O primeiro-ministro da Austrália, o direitista Scott Morrison, do Partido Liberal, elegeu-se com um discurso anti-meio ambiente e com argumentos anti-crise climática, revertendo os compromissos assumidos anteriormente pelo país diante da comunidade internacional. Elegeu-se com o apoio do eleitorado carvoeiro e ruralista.

Morrison ficou conhecido por ter levado um pedaço de carvão para o Parlamento, quando era Tesoureiro do país, em fevereiro de 2017, e ter pedido aos membros da oposição que “não tivessem medo” (Veja).

Morrison e Bolsonaro

Você está achando alguma semelhança com o quadro brasileiro e com o nosso presidente? De fato, os dois são da mesma linha ideológica. Assim como aqui, Morrison também usou um discurso negacionista, teses que não encontram sustentação científica e fake news e foi eleito como mandatário do regime parlamentarista local.

Na condução da crise climática australiana e amazônica, mais semelhanças: num primeiro momento, Morrison minimizou o problema e no melhor estilo verborrágico bolsonariano, afirmou inicialmente que os brigadistas (na Austrália são quase todos voluntários) "estão trabalhando por que querem". Em plena crise, com pessoas morrendo, florestas em chamas e propriedades sendo destruídas, o premier foi tirar umas férias no Havaí. Somente após o crescimento do sentimento de revolta da população e da repercussão internacional, decidiu mobilizar maiores contingentes das forças armadas para ajudar a população.

Assim como aqui, onde o presidente contestou e demitiu o presidente do INPE, o renomado cientista Ricardo Galvão, por ter divulgado verdades sobre os incêndios na Amazônia, o primeiro-ministro de lá também desafiou a ciência e reagiu contra as previsões do Serviço de Meteorologia da Austrália que relacionou a vulnerabilidade aos incêndios às questões climáticas.

Aqui, a motivação era o compromisso do presidente com os segmentos mais atrasados do agronegócio e do empresariado nacional. Lá na Austrália, segundo os críticos, a resistência de Morrison deve-se à dependência da matriz energética do país ao carvão e o lobby do setor.

Na Austrália, analistas políticos avaliam que Morrison poderá ser o primeiro chefe de estado a cair em função do clima, aqui...

Vilão climático

O Brasil de Bolsonaro juntou-se ao que há de mais retrógrado e reativo aos necessários acordos climáticos, que como já afirmamos aqui é do maior interesse do Brasil até por motivos econômicos, só não interessam a algumas das grandes corporações que defendem o "business as usual". O papel procrastinatório da diplomacia brasileira nos mais recentes encontros sobre o clima foi duramente criticado.

Em 2013, a Austrália foi um dos países agraciados com o prêmio ao contrário "Fóssil Colossal", oferecido pela Climate Action Network (CAN) ao país que mais dificultou os processos de negociação internacional em clima no ano. No mês passado (dezembro), a mesma "honraria" foi oferecida ao anti-ministro do meio ambiente brasileiro Ricardo Salles, pela performance da diplomacia brasileira na COP 25.

O nosso constrangimento como brasileiros e do próprio governo tem sido tão grande que, em setembro, a inscrição do discurso do representante brasileiro na Cúpula do Clima, em Nova York, foi vetado sob o argumento que o "Brasil não apresentou nenhum plano para aumentar o compromisso com o clima". O mesmo aconteceu com a Austrália! (Folha de São Paulo). Paradoxalmente, no mesmo evento em que representantes oficiais do Brasil e Austrália não tiveram lugar no palco, a ativista sueca de 16 anos, Greta Thunberg, xingada de "pirralha" por Bolsonaro, teve voz e brilhou.

Recentemente (10/12), durante a COP 25, foi divulgado o Índice de Desempenho perante as Mudanças Climáticas (CCPI, na sigla em inglês) pelo Instituto NewClimate, pela ONG Germanwatch e pela rede Climate Action Network, destacando as economias com a maior intensidade de emissões de gases poluentes do mundo e indicando quem está trabalhando mais em termos de proteção climática (DW Brasil).




Apesar da atitude negligente do governo brasileiro perante os incêndios na Amazônia, os "micos" planetários protagonizados pelo nosso presidente na Assembleia da ONU e do nosso anti-ministro do meio ambiente na COP de Madri, ainda somos medianamente salvos no ranking pela nossa matriz energética, embora estejamos na pior classificação no critério de política climática.

Além do Brasil e Estados Unidos, aparecem nas piores colocações em termos de política climática: Malta, República Tcheca, Hungria, Romênia, Polônia, Japão, Argélia, Bulgária, Turquia e Austrália.
Tanto em alguns destes países como aqui, diante dos retrocessos da política ambiental nacional, é na atuação estadual ou municipal que estão se verificando avanços.

Amazônia

Em 2019, vivemos na Amazônia e em outras partes do país uma situação semelhante à da Austrália, com um grande agravante: aliado ao negacionismo do atual governo, presenciamos uma política premeditada (prometida na campanha eleitoral) de desmonte da política ambiental e de incentivo aos mecanismos de destruição da floresta, ou seja: desmobilização da fiscalização ambiental e retórica oficial de apoio à grilagem e à expansão da fronteira agrícola.

No Brasil, vivemos o constrangimento do desmonte do instrumento de apoio internacional ao financiamento das iniciativas de gestão sustentável da Amazônia e o anti-ministro bradar em instâncias decisórias mundiais por compromissos ambientais da comunidade internacional.

Mesmo durante a crise política brasileira (governos Dilma e Temer), o Brasil avançou nos seus compromissos ambientais. Com os atuais retrocessos, estamos desperdiçando oportunidades de ajudar o mundo e ainda nos beneficiar das vantagens que temos.

A ONU lançou a Década da Restauração dos Ecossistemas (2021-2030), baseado em estudos que demonstram ser necessário o plantio de 1,3 trilhão de árvores, para ajudar a reverter as mudanças climáticas. O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente - PNUMA sugeriu investir 2% do PIB mundial para a formação de uma economia verde, que significaria US$ 1,3 trilhão/ano.

E o Brasil é o país com maior potencial para ajudar o mundo nessa tarefa e, no como disse o ex-economista ambiental e meu colega de faculdade, Gunars Platais, "o Brasil está numa posição de ouro" para contribuir e até se beneficiar. O Brasil se comprometeu, no Acordo de Paris, a restaurar 12 milhões de hectares de florestas até 2030 e até se organizou para isso, ao lançar o Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg), que dá as diretrizes para a recuperação de 12 milhões de hectares.

Portanto, assim como estamos vendo na Austrália, no Brasil os desastres ambientais punem a população e o patrimônio natural pela irresponsabilidade e a imprevidência dos governos nacionais.

Vergonhosamente, saímos da posição de protagonistas para o de vilões ambientais. E, ao se olhar para trás para os últimos meses e para o triste presente, o que se vê são apenas cinzas. Que se faça luz às trevas!

Axel Grael




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