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sexta-feira, 3 de outubro de 2025

QUEIMADAS: QUANTO CUSTA RESTAURAR AS FLORESTAS PERDIDAS?

ÁREA DE PASTO COM ELEVADO NÍVEL DE DEGRADAÇÃO E BAIXA PRODUTIVIDADE: queimadas e o manejo inadequado do solo tem levado extensas áreas do país à erosão, degradação severa e até à desertificação. Através do PLANAVEG e outras iniciativas, o Governo Federal pretende restaurar estas áreas.

Estamos mais uma vez no período de seca no Brasil e as cenas de queimadas, do trabalho duro dos brigadistas, florestas protegidas se perdendo e de sofrimento dos animais, voltam ao noticiário. Ardem o Pantanal, o Cerrado, a Caatinga e a Mata Atlântica.

Desta vez, temos a notícia divulgada pelo Governo Federal, no dia 01 de outubro, que a área de florestas perdida para o fogo no mês de agosto é bem menor do que nos anos anteriores. Veja, a seguir:

O Brasil alcançou uma redução histórica no número de queimadas registradas no mês de agosto. De acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), foram contabilizados 18.451 focos de calor, o menor índice desde o início do monitoramento, em 1998. O resultado representa uma queda de 61% em relação à média histórica para o mês (47.348 focos) e de 13,8% em relação ao recorde anterior, registrado em 2013 (21.410). Esta é a primeira vez que o número fica abaixo de 20 mil focos em agosto (gov.br).

O resultado é muito importante e foi ajudado pelas condições atmosféricas atuais e, importante lembrar, também graças a muito trabalho das autoridades para estruturar uma estratégia de prevenção e respostas ao fogo. Este serviço havia sido desmantelado na gestão federal anterior. Enfim, a queda do número de focos é uma boa notícia e alimenta as nossas esperanças. Mas ainda são 18.451 focos de queimadas no país! 

Queimadas: o que vai pelos ares é muito mais do que fumaça. 

Para quase todas as pessoas (exceto para aqueles que causam as queimadas), ver um incêndio em vegetação é uma imagem de tristeza e sofrimento. 

Para mim, como engenheiro florestal e ambientalista, além da indignação, os incêndios representam a extinção de espécies, a perda da biodiversidade e é a certeza de muito esforço e custos pela frente para a recuperação dos ecossistemas perdidos.

Você sabe como os incêndios começam? Existe combustão espontânea? Um caco de vidro pode causar uma queimada? Saiba as respostas aqui: Queimadas: mitos e verdades

Também para mim, que me dedico a estudar as mudanças do clima, as queimadas são a representação da maior causa de emissões de gases de efeito estufa do nosso país. 

Além de tudo isso, o fogo em larga escala ainda: 

  • diminui a quantidade de chuvas, desregula as bacias hidrográficas, diminui a oferta de água, causa erosão, empobrece o solo e, portanto, prejudica a produtividade agropecuária e a produção de alimentos; 
  • causa sérios problemas para a saúde humana. De acordo com pesquisas, viver em uma cidade próxima aos focos de incêndio aumenta em 36% o risco de se internar por problemas respiratórios;
  • aumenta riscos de acidentes rodoviários;
  • etc.
Restauração de ecossistemas

Em 2017, o Brasil apresentou o Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa - PLANAVEG, lançado pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudanças do Clima - MMA, com a previsão de restauração de 12 milhões de hectares até 2030. Sua implantação corresponderá a uma das maiores iniciativas de restauração, comparável apenas ao que a China está fazendo. Esta área a ser restaurada corresponde a mais do que a área somada dos estados do RJ, ES e SE juntos. Em 2022, na COP27, realizada em Sharm el Sheikh (Egito), assisti Lula anunciar com entusiasmo o seu compromisso com essa missão, prometer cumpri-la e ser aclamado. O Brasil voltava a ser protagonista climático naquela ocasião.

Em 2024, uma nova versão mais bem preparada foi apresentada e passou a ser conhecida como PLANAVEG 2025-2028 ou PLANAVEG 2.0, e reafirmou a meta dos 12 milhões de hectares, que passou a ser um compromisso formal do governo brasileiro perante o mundo ao ser incluído na NDC - Contribuição Nacionalmente Determinada, para a COP30.

O MMA também avança no estabelecimento de diretrizes para a Regeneração Natural Assistida - RNA, que são técnicas de aceleração do processo de regeneração natural de florestas. Estudos mostram que, por esse processo de regeneração natural, as florestas podem atingir, após 20 anos, quase 80% da fertilidade do solo, do estoque de carbono do solo e da diversidade de árvores das florestas maduras. O estudo conclui que a regeneração natural é uma solução de baixo custo para a mitigação das mudanças climáticas, conservação da biodiversidade e restauração do ecossistema. A regeneração natural é uma solução de baixo custo para a mitigação das mudanças climáticas, conservação da biodiversidade e restauração do ecossistema. Na América Latina tropical, essas florestas em regeneração cobrem até 28% da área terrestre.

Restauração, economia e empregos

Além dos ganhos ambientais e climáticos, cumprir o PLANAVEG será também uma grande revolução econômica e de geração de empregos, principalmente nas pequenas cidades do interior. Imaginem o esforço de planejamento e formulação de projetos, de logística, de estruturação de uma cadeia produtiva para suprir a demanda de mudas, insumos, equipamentos etc., além da mobilização e formação de mão-de-obra. 

Não existem 12 milhões de hectares de terras públicas para implantar o PLANAVEG, portanto o plano só se viabilizará se contar com a adesão dos proprietários rurais. Portanto, isso pressupõe também a formulação de uma política pública complexa e atraente para muitos segmentos da sociedade.

Financiamento e implementação 

E quanto custa isso? Segundo o texto abaixo, da The Nature Conservancy - TNC, o investimento que o Brasil deverá fazer será entre US$ 700 milhões e US$ 1,2 bilhão ao ano, dependendo da técnica utilizada. Com a utilização de técnicas mais convencionais de restauração, a estimativa da TNC é que o custo médio, por hectare, pode ser próximo a US$ 2 mil no caso da Amazônia, US$ 2,1 mil para a Mata Atlântica e US$ 3 mil no Cerrado.

O Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima - MMA e o Ministério da Fazenda já têm tomado medidas importantes para a implementação do PLANAVEG. No caso do MMA, já foram lançados os primeiros editais em parceria com o BNDES para a implantação de ações de restauração de áreas, como por exemplo aqueles voltados a Amazônia, priorizando o chamado "Arco do Desmatamento", que o programa passa a chamar de "Arco da Restauração". O Ministério da Fazenda lançou os Leilões EcoInvest, dedicados a captar recursos de investidores internacionais interessados em participar dos esforços brasileiros. O Eco Invest foi criado para impulsionar investimentos privados sustentáveis e atrair capital externo para projetos de longo prazo. Para se ter uma ideia do potencial do Eco Invest, o segundo leilão atraiu a participação de 11 instituições financeiras e representou uma demanda de R$ 17,3 bilhões em recursos catalíticos, com potencial de destravar R$ 31,4 bilhões em investimentos totais – combinando recursos públicos e privados – para a recuperação de áreas degradadas em todo o território nacional. Os recursos já captados permitirão a restauração produtiva de cerca de 1,4 milhão de hectares.

O Governo Federal, tem um amplo programa de investimentos através do "Plano de Transformação Ecológica", envolvendo várias iniciativas estruturantes como, por exemplo: 
  • Fundo Clima (tem como alguns dos seus eixos a Restauração de Florestas e o Desenvolvimento Urbano Resiliente e Sustentável - que inclui a infraestrutura verde das cidades), 
  • Mercado de Carbono o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões foi aprovado em 11 de dezembro de 2024. Conforme consta no site do programa: "o Mercado de Carbono estabelece um teto para emissões de gases do efeito estufa - reduzido anualmente - em atividades econômicas de grande porte. Empresas de grande porte terão que obter quotas para atividades poluentes e as que reduzirem suas emissões poderão negociar as licenças excedentes com outras empresas que necessitam de quota adicional. Além disso, algumas atividades poderão resultar em compensações e gerar créditos, como a captura e a estocagem de carbono e o reflorestamento"
  • BIP: Através dos ministérios da Fazenda; do Meio Ambiente e Mudança do Clima; do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) e de Minas e Energia (MME), com a participação do BNDES, o Governo Federal lançou também a Plataforma Brasil de Investimentos Climáticos e para a Transformação Ecológica – BIP, com o objetivo de ampliar os investimentos na transformação ecológica rumo à descarbonização da economia, o uso sustentável dos recursos e a melhora da qualidade de vida da população.
  • Eco Invest: programa já citado acima.
  • Outras iniciativas de estímulo a ações sustentáveis.
Cabe destacar também a iniciativa do governo brasileiro para o cenário internacional de proposição do TFFF - Tropical Forests Forever Fund, para mobilizar recursos para países com florestas tropicais. A ideia é que os recursos sejam investidos em projetos rentáveis e que se dediquem também à conservação e restauração dos ecossistemas. De acordo com o site, "o Fundo Tropical das Florestas (TFFF) cria um novo modelo de financiamento climático: países que preservam suas florestas tropicais serão recompensados financeiramente via fundo de investimento global. Em vez da destruição, a conservação se torna economicamente vantajosa, gerando desenvolvimento social e econômico".


Estamos no caminho certo. Há muito ainda o que fazer e pouco tempo pela frente - como alerta a ciência - antes que ultrapassemos o "ponto de não retorno". Que o Brasil nunca mais volte aos tristes tempos de retrocessos e siga firme fazendo a sua parte na restauração de áreas degradadas e na sua agenda climática. 

Só temos a ganhar com isso.

Axel Grael
Engenheiro florestal e ambientalista
Doutorando em Arquitetura e Urbanismo (UFF)

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Recuperar florestas pode custar US$ 1,2 bilhões por ano

Céu do Cerrado: Vista do cerrado em Alto Paraíso-GO. © Roberto Fantini/Concurso de Fotos TNC 2019

Estudo mostra que o Cerrado tem situação mais delicada que a Amazônia e a Mata Atlântica.

Para cumprir a meta de recuperar 12 milhões de hectares em áreas degradadas na Amazônia, no Cerrado e na Mata Atlântica até 2030, o investimento que o Brasil deverá fazer será entre US$ 700 milhões e US$ 1,2 bilhão ao ano, dependendo da técnica utilizada.

O cálculo para implementar o compromisso brasileiro no Acordo de Paris foi feito por pesquisadores da The Nature Conservancy (TNC) junto com técnicos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e das universidades de São Paulo e da Califórnia.

Segundo o estudo “What makes ecosystem restoration expensive? A systematic cost assessment of projects in Brazil”, publicado na revista “Biological Conservation”, é mais caro regenerar a vegetação do Cerrado que a da Amazônia e da Mata Atlântica, considerando o plantio total da área.

O custo médio, por hectare, pode ser próximo a US$ 2 mil no caso da Amazônia, US$ 2,1 mil para a Mata Atlântica e US$ 3 mil no Cerrado. Na técnica de plantio total é preciso preparar o solo, retirar gramíneas e aplicar nutrientes.

ESCASSEZ DE MUDAS NO CERRADO Apesar da consolidação da cadeia da restauração em alguns biomas, no Cerrado ainda existem poucos projetos de restauração e uma cadeia pequena. © Felipe Fittipaldi

“No caso do Cerrado, a cadeia de restauração é pequena, ainda estamos em processo de conhecimento de como regenerar o bioma”, diz Julio Tymus, Especialista em Restauração da TNC e um dos autores do estudo. “Não existe disponibilidade de mudas para o Cerrado”, completa.

Além do desafio em implementar cadeias de restauração dos biomas que consigam dar conta do objetivo brasileiro, há um atraso em iniciar a implementação. É preciso ter um plano e incentivos para cumprir a meta, além de estratégias e cadeias de produção de mudas e sementes.

O estudo dos pesquisadores, contudo, indica potencial de investimento e inovação no setor. Os métodos mais econômicos para expandir a vegetação nativa no mundo são a regeneração natural, quando a vegetação se recupera sozinha desde que a área seja delimitada, e a regeneração assistida, que exige ações específicas para acelerar o processo de recuperação do bioma.

Estes métodos, entretanto, estão presentes em apenas 15% dos projetos em curso no Brasil. Os mais usados são os mais caros, com plantio de mudas e semeadura direta. Estes casos, em que mudas e sementes são usadas na área total a ser recuperada, correspondem a algo entre 60% e 90% de todos os projetos de restauração em andamento no país.

Fonte: The Nature Conservancy


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Anunciada a DÉCADA DA ONU PARA A RESTAURAÇÃO DOS ECOSSISTEMAS 2021-2030

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