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quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

Paulo Guedes: "Pior inimigo do meio ambiente é a pobreza"





Na era Bolsonaro, lamentavelmente, o Brasil tem passado vergonha nos fóruns ambientais, climáticos e até econômicos mundiais. Um exemplo disso, foi o desastroso discurso do presidente na abertura da Conferência Anual da ONU, no ano passado, que reforçou internacionalmente o seu estigma de extemporaneidade e de postura anti-ambiental. Agora vemos a declaração do ministro Paulo Guedes.

A cidade suíça de Davos recebe no momento mais uma edição do Fórum Econômico Mundial (21 a 24 de janeiro). O encontro de 2020 é pautado pela ameaça das mudanças climáticas, sendo por isso chamado informalmente de “Davos Verde” e reunindo as mais importantes lideranças políticas, empresariais, especialistas nos temas em debate e representantes da sociedade civil. Nas mesas de debates estão nomes como Angela Merkel (primeira-ministra da Alemanha), Christine Lagarde (presidente do Banco Central Europeu), o Príncipe Charles, a ativista climática sueca Greta Thunberg, o ecovilão Donald Trump, artistas de renome mundial e vários "milionários", que sempre ajudaram a dar prestígio ao fórum de Davos.

Diante da opinião pública mundial, ganhou visibilidade o antagonismo de ideias e o conflito geracional entre Trump e Greta. Segundo noticiou O Globo, Trump declarou no evento que:

"Temos que rechaçar os eternos catastrofistas e suas previsões de apocalipse", acusando os "herdeiros das cartomantes tolas do passado" de estarem errados sobre as mudanças climáticas, como já estiveram, segundo ele, quando previram a superpopulação do planeta ou o fim do petróleo.

Algumas horas antes, Greta havia criticado a inação dos poderes públicos em um dos colóquios do fórum, afirmando que "a ciência e a voz dos jovens não são o centro da conversa, mas precisam ser".

O Brasil esteve representado em Davos pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, que declarou ontem, que:

"a pior inimiga do meio ambiente é a pobreza".
"As pessoas destroem o meio ambiente porque precisam comer", disse Guedes. "Eles [pessoas pobres] têm todas as preocupações que não são as preocupações das pessoas que já destruíram suas florestas, que já lutaram suas minorias étnicas, essas coisas... É um problema muito complexo, não há uma solução simples."

No mesmo dia da participação de Guedes em Davos, o presidente Bolsonaro anunciou pelas redes sociais a criação do Conselho da Amazônia, escrevendo que "Determinei a criação do Conselho da Amazônia, a ser coordenado pelo Vice Presidente @GeneralMourao, utilizando sua própria estrutura, e que terá por objetivo coordenar as diversas ações em cada ministério voltadas p/ a proteção, defesa e desenvolvimento sustentável da Amazônia". Aparentemente, será um conselho "chapa branca".

Também anunciou a criação da Força Nacional Ambiental, acrescentando: "Dentre outras medidas determinadas está também a criação de uma Força Nacional Ambiental, à semelhança da Força Nacional de Segurança Pública, voltada à proteção do meio ambiente da Amazônia".

Em entrevista para a imprensa, o ministro Ricardo Salles reconheceu que a medida anunciada pelo presidente "ainda não tem data para início, estimativa dos custos ou mesmo do efetivo da tropa".

Pobres: culpados ou vítimas?

A declaração de Guedes remete à posição oficial do governo brasileiro na Conferência de Estocolmo, realizada pela ONU em 1972, logo há quase 50 anos atrás, quando a nossa diplomacia defendeu que as indústrias poluidoras eram bem-vindas ao Brasil, pois o país queria se desenvolver.

Lembro, também, de ouvir a mesma frase, ainda na década de 1980, quando afirmava-se que a destruição da natureza, assim como o crescimento urbano desordenado, eram culpa da pobreza. Esse argumento, repetido pelos defensores da tese desenvolvimentista, ainda forte naquela época, servia como argumento para não se priorizar qualquer ação ambiental.

Vinte anos após a Conferência de Estocolmo, aconteceu em território nacional a Conferência da ONU para a Desenvolvimento e o Meio Ambiente - Rio 92, no Rio de Janeiro, em 1992. O novo encontro de cúpula consolidou um novo conceito que buscou conciliar as necessidades de desenvolvimento e a proteção ambiental: a sustentabilidade

Passado tanto tempo, o que o ministro Guedes já deveria saber é que se a pobreza pode de fato ser um complicador, políticas antagônicas à sustentabilidade - como temos hoje no Governo Federal, geram a deterioração ambiental, erosão e perda da capacidade de produção dos solos, poluição dos rios, perda do potencial econômico da biodiversidade, mudanças climáticas (com o aumento da ocorrência dos desastres causados pelas chuvas e estiagens) etc. Todos estes problemas geram consequências para a economia, comprometem a atividade industrial, a agricultura, gerando por sua vez, o aumento do desemprego.

Não são os pobres os principais responsáveis pelos desmatamentos e queimadas na Amazônia. Como a jornalista Míriam Leitão bem argumenta no texto abaixo, quem desmata e destrói a Amazônia não é o pobre, mas principalmente, o grileiro e especulador de terras públicas. Desmatar uma área, custa entre R$ 2.000 e R$ 3.000/hectare, mesmo com o uso criminoso do fogo.


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Sugerimos a leitura do texto do economista ambiental Ronaldo Seroa da Motta, do IPEA, que publicou: ESTIMATIVA DO CUSTO ECONÔMICO DO DESMATAMENTO NA AMAZÔNIA

Também vale a leitura do artigo: Investigações revelam quadrilhas e ganho milionário por trás do desmate

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Justiça ambiental e responsabilidade planetária

Quem mais perde com isso? Todos, mas principalmente os mais pobres. São estes os mais expostos às consequências das mudanças climáticas e os primeiros a perder os seus empregos. Portanto, na contramão do que diz o ministro, políticas anti-ambientais aumentam a pobreza, alimentando um ciclo vicioso que o Brasil não pode se tornar refém.

A declaração do ministro causou indignação na comunidade internacional, pois os incêndios florestais na Amazônia e na Austrália são dois fatos recentes que alimentaram o debate climático mundial e ajudaram a esverdear e reunião de Davos. Outra razão é que há uma grande expectativa quanto ao Brasil, uma vez que é considerado um dos países que mais pode contribuir com o esforço de reversão das mudanças climáticas através do plantio de 1 trilhão de árvores, ou seja, a restauração de 350 milhões de hectares de paisagens florestais até 2030, meta proposta pela União Internacional de Conservação da Natureza - UICN. Com base nesse chamamento, a ONU lançou a Década da ONU para a Restauração dos Ecossistemas 2021-2030.

Em dezembro de 2016, o Brasil chegou a comprometer-se com uma contribuição voluntária ao Desafio de Bonn, através do ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, que anunciou as seguintes metas: 

  • Até 2030, o país irá restaurar, reflorestar e promover a regeneração natural de 12 milhões de hectares de áreas florestais.
  • Serão implementados cinco milhões de hectares de sistemas agrícolas que combinem agricultura, pecuária e floresta e recuperados cinco milhões de hectares de pastagens degradadas.

Agora, em vez de olhar para frente e comprometer-se com o futuro, o Brasil volta a teses do passado e volta a culpar a pobreza. O governo Bolsonaro ignora a promessa e chegou a dizer que iria se afastar do Acordo de Paris e outros compromissos climáticos.

Com isso, o Brasil perde muitas oportunidades de contribuir com a segurança climática das atuais e futuras gerações e perde até mesmo a oportunidade de fortalecer a sua economia, como bem mostrou um colega do ministro, o ex-economista ambiental do Banco Mundial e meu contemporâneo de faculdade de engenharia florestal, Gunars Platais.  

Na entrevista, Gunars destaca:

"A biodiversidade é ouro, uma coisa que o resto do mundo não tem. Do ponto de vista econômico, falando de forma bem grosseira, quando você tem um produto escasso, o valor aumenta. Para isso, precisamos de estadistas, pessoas de visão, que encaminhem o Brasil para o futuro por meio de políticas que coloquem o país num ponto em que possamos negociar todos os benefícios da biodiversidade e dos serviços ambientais da Amazônia. E isso não tem acontecido. Nós exploramos tão pouco o potencial da biodiversidade para gerar novos produtos e farmacologia. Nossa sorte é que temos o Inpa, que vem trabalhando paulatinamente mesmo com os cortes e abalos sofridos, e continua a fazer um trabalho de grande valor, reconhecido mundialmente. 
A Amazônia tem um futuro, mas não é esse futuro desenvolvimentista, no qual se entra com tratores e correntes para botar tudo abaixo para exploração predatória. E aí, quando acabar a floresta, o que sobra? Vamos chorar as perdas que tivemos e as riquezas que poderíamos ter tido".

Niterói

Niterói tem sido reconhecida por suas políticas públicas que alinham a cidade com as preocupações mundiais com as emergências climáticas, como foi registrado pelo jornal Folha de São Paulo que citou Niterói como um exemplo de políticas de florestas urbanas. A atual gestão do prefeito Rodrigo Neves ampliou as áreas protegidas de Niterói a mais da metade do território municipal e mantém um ambicioso programa de restauração florestal.

A Prefeitura tem mantido a questão climática no centro do seu planejamento e das suas políticas públicas, como mostra a postagem PARQUES E CLIMA NO PLANEJAMENTO URBANO DE NITERÓI

A integração entre as políticas ambientais e de desenvolvimento social são bem expressas no programa Niterói Jovem EcoSocial, desenvolvido pela Secretaria Municipal de Planejamento, Orçamento e Modernização da Gestão - SEPLAG e pela Secretaria Executiva da Prefeitura de Niterói, que oferece oportunidades de melhoria na empregabilidade e de inclusão no mercado de trabalho de jovens de comunidades em risco social.

Niterói avança no caminho da sustentabilidade, enquanto o Brasil atual retrocede.

Axel Grael




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LEIA TAMBÉM:

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A economia do desmatamento

Por Míriam Leitão
22/01/2020 • 04:30

Quanto custa uma motosserra? E várias delas? Quanto custam tratores, correntões, caminhões? Tudo isso é necessário para desmatar. Um método primitivo, mas muito usado, é o correntão. Ele vai arrastando as árvores, mas não funciona sem tratores. São necessários dois, um de cada lado. Quanto custam dois tratores? Depois, é preciso ter caminhões para transportar as toras até o consumo. Mas, antes, é necessário ter uma escavadeira hidráulica com garra de metal para empilhar as toras nos caminhões. Capangas armados ocupam a terra que está sendo grilada. Fazem isso a soldo. De quem? Documentos são esquentados, como as guias de transportes. São comprados títulos falsos de propriedade. O ministro Paulo Guedes disse em Davos que “o pior inimigo do meio ambiente é a pobreza” e que “as pessoas destroem o meio ambiente porque precisam comer”. Não é a pobreza que desmata. Para grilar e desmatar é preciso capital. Muito capital.

O ministro estava num debate sobre outro assunto. Era um painel sobre indústria avançada e o uso de recursos naturais. Paulo Guedes, segundo explicou depois, defendia a tese de que os países de economia avançada derrubaram florestas para escapar da pobreza. Mas essa ideia de que, como disse, “as pessoas destroem o meio ambiente porque precisam comer” já foi dita algumas vezes pelo ministro do Meio Ambiente. É uma avaliação errada dos vetores reais do desmatamento.

No ano passado foram desmatados quase 10 mil km2 só na Amazônia, numa alta de 30%, segundo o Prodes, do Inpe. E aumentaram as queimadas. Há muitos estudos provando a correlação direta entre o aumento do desmatamento e o das queimadas. Não houve um surto de alta da pobreza que explicasse o que aconteceu em 2019. O que houve foram sinais do governo de que o crime não seria combatido. E qualquer economia, até a do crime, é estimulada por sinais e expectativas.

Movimentar essa cadeia do crime, montar as conexões, ocupar a terra com pastagem, esquentar o documento para vender, tudo isso exige um enorme investimento. Quando o governo combate o crime e impõe o império da lei, o risco fica mais alto e o retorno do capital, mais incerto. Neste cenário, há uma redução do incentivo e a taxa do crime cai. As leis econômicas, sempre elas, determinam alta e queda da destruição ambiental. Uma forma de combater o crime é pegar todo aquele material — motosserras, caminhões, tratores, escavadeiras — e apreender ou destruir. Isso aumenta o prejuízo do criminoso, mas agora está proibido pelo presidente da República.

O ministro disse que a pobreza é o pior inimigo do meio ambiente. Deve-se combater a pobreza por inúmeros motivos, mas é preciso inverter o entendimento do fato. O pobre é a grande vítima da destruição do meio ambiente. Ele é recrutado como mão de obra em trabalho degradante, depois é ele que vive os efeitos da degradação da terra, da água e do ar. A falta de saneamento contamina principalmente as regiões onde moram os pobres. Os lixões se acumulam é nas periferias. Nos extremos climáticos são os pobres os mais afetados. Eles não são os agentes da destruição ambiental. São suas primeiras vítimas.

A criação do Conselho da Amazônia pode ajudar, principalmente se levar para o governo informações que o ilustrem sobre a verdadeira origem das redes de ilegalidade na Amazônia e afastem os mitos que têm dominado as declarações oficiais sobre o assunto. O Conselho será mais eficiente se não for feito para atender às teorias conspiratórias que mobilizam o governo Bolsonaro. Foi anunciada também a criação da Força Nacional Ambiental. Ela precisará de orçamento. Mas esta é a administração que cortou orçamento do Ibama e do ICMBio, que limitou as ações preventivas e as operações de comando e controle nas regiões vulneráveis.

É urgente que este governo conclua o período de noviciado e entenda o que se passa na Amazônia, para deter o aumento do desmatamento. Primeiro, para impedir a destruição de riqueza coletiva. Segundo, porque o mundo mudou, como se pode constatar em todos os relatórios que foram feitos por instituições financeiras para o Fórum Econômico Mundial. O assunto deixou o terreno da retórica para ser determinante da alocação de recursos dos grandes investidores.

Com Alvaro Gribel (de São Paulo)

Fonte: Coluna Míriam Leitão




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Leia a reação de especialistas ao discurso do ministro Guedes:

Grilagem, especulação e desmatamento ilegal são 'inimigos do meio ambiente', dizem especialistas








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