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quarta-feira, 18 de maio de 2022

Reportagem destaca a experiência de Niterói de criação da Moeda Social Arariboia


Inauguração da Agência Itaipu do Banco Araiboia. Março de 2022.

Segundo Axel Grael, a Moeda Arariboia não é apenas uma forma de transferir renda, é uma forma de fomentar a economia - Foto: Luciana Carneiro/Divulgação

Axel Grael e João Joaquim de Mello Neto durante o evento de lançamento da Moeda Arariboia.

Reportagem do Valor Investe aborda a iniciativa de municípios do Brasil de desenvolver formas de fomentar a economia local para, assim, gerar emprego e garantir renda aos moradores. Uma delas é a utilização da moeda social. Niterói implementou, em janeiro deste ano, a moeda social Araribóia. O projeto, que faz parte do programa de transferência de renda permanente da prefeitura, vai receber um investimento equivalente a R$ 135 milhões por ano a partir de recursos dos royalties. 

Na matéria, comento que Niterói já tinha um programa de renda básica temporária (RBT), instituído durante a pandemia, para atender a população mais necessitada, que precisava do apoio financeiro para superar o momento de dificuldade. Na ocasião, a prefeitura fez o cadastramento de trabalhadores informais e pessoas em situação de vulnerabilidade social contempladas pelo Cadastro Único. Tal programa foi mantido até o final do ano passado, quando o município lançou a moeda Araribóia, um programa de transferência de renda permanente, que substituiu o outro que era circunstancial e temporário.

Com apenas quatro meses em operação, a moeda Araribóia já beneficia cerca de 31 mil famílias e é aceita em 6,5 mil comércios do município.



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Sai o real, entra a moeda social: economia solidária é aposta para enfrentar desigualdade

Municípios do Brasil recorrem à criação de suas próprias moedas sociais, que, apesar de ser um projeto antigo no país, só ganhou força recentemente, para democratizar o acesso aos serviços financeiros, promover a inclusão social e combater a pobreza

Por Yasmim Tavares, Valor Investe — Rio

Em um país amargurado pela desigualdade social escancarada nas grandes e pequenas cidades brasileiras, cabe à gestão pública assegurar os direitos da população, sobretudo da parcela em situação de vulnerabilidade. No entanto, como os programas implementados pelo governo federal não são suficientes na prática, os municípios buscam formas de fomentar a economia local para, assim, gerar emprego e garantir renda aos moradores. Uma delas é a utilização da moeda social, que existe há mais de 20 anos no Brasil, mas só começou a ganhar força recentemente.

Poucas pessoas sabem, mas hoje são 150 moedas sociais que circulam simultaneamente com o real em diversos municípios do país. Vale ressaltar aqui que o fundamento básico para a utilização da moeda social diz respeito ao fato de que ela só é válida nos territórios que a implementam com o objetivo de estimular a produção e o consumo local. Além disso, apesar de serem lastreadas em reais, as moedas sociais não são emitidas pela Casa da Moeda, mas pelos Bancos Comunitários de Desenvolvimento (BCD). Outra curiosidade é que os bancos comunitários também oferecem empréstimos em moeda social para os moradores das comunidades que não têm acesso aos serviços prestados pelos bancos tradicionais.

Ainda que a primeira moeda social tenha sido criada lá atrás, em 1998, o fenômeno só começou a ganhar escala no Brasil a partir de 2015, após aprovação da Lei nº 12.865, de 9 de outubro de 2013, e regulamentação nº 4.282, no qual o Banco Central (BC) estabelece as diretrizes que devem ser observadas na supervisão das instituições de pagamento e dos arranjos de pagamento integrantes do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB).

Foi em 2015 que a Rede Brasileira de Bancos Comunitários, que já atuava como um guarda-chuva de todos os bancos comunitários do Brasil desde 2007, criou a plataforma digital E-dinheiro, uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) que funciona como uma fintech. Desde então, as moedas sociais, além de existirem em formato de cartão físico, também passaram a ser digitais.

Assim, com o processo de modernização para o mundo virtual, os bancos comunitários passaram a funcionar como um arranjo de pagamento pré-pago de propósito limitado aos olhos do Banco Central. Na prática, vale a mesma regra que regula o cartão das Casas Bahia e da Riachuelo, por exemplo. Portanto, esses bancos não podem oferecer serviços como poupança e aplicações financeiras, apenas conta corrente, pagamentos e, em alguns casos, empréstimos.

Vantagens

Além de proporcionar a inclusão financeira e bancária, bem como a democratização do acesso ao crédito, os bancos comunitários também são responsáveis por gerar e distribuir riqueza aos municípios. Isso porque as moedas sociais, uma vez que circulam apenas em um determinado território, impulsionam a produção e fomentam o comércio da região.

Para tornar o processo autossustentável, é cobrada uma taxa em cima do comerciante toda vez que uma pessoa compra algum produto com o cartão ou o aplicativo do banco comunitário. Assim, o dinheiro que volta para o banco é utilizado para fazer crédito, por meio da moeda social, com o objetivo de estimular a economia local.

No Brasil existem, basicamente, dois tipos de banco comunitário: o que nasce pequeno, a partir da união de forças da própria comunidade, e aquele criado com base em uma lei municipal. No fim das contas, ambos seguem a mesma metodologia e estratégia, mas a maneira como se desenvolvem acaba sendo diferente em razão do investimento alcançado para fazer o sistema funcionar.

Versão raiz

O banco comunitário pioneiro em terras brasileiras é o Banco Palmas, criado em 1998 em uma favela, o Conjunto Palmeiras, localizado em Fortaleza, no Ceará. De origem “raiz”, foi desenvolvido a partir de um mutirão comunitário, no qual os próprios moradores do bairro se uniram para tratar das necessidades básicas da comunidade, como a carência de saneamento básico, postos de saúde e escolas.

Na época, a idealização do movimento partiu de João Joaquim de Melo Neto, responsável por colocar de pé o projeto do banco na região. Ele conta que, no início, recebeu doações de uma ONG cearense e, com o dinheiro arrecadado, construiu, ao lado de voluntários, um canal de drenagem que possibilitou a instalação de energia e água no local.


Fachada do Banco Palmas no Conjunto Palmeiras, em Fortaleza (CE) — Foto: Banco Palmas


“Quando terminamos a obra a região ficou um pouco melhor, mas as pessoas começaram a vender os barracos para morar em outros lugares, já que a terra foi criando valor. À medida que os habitantes iam embora porque não tinha trabalho para se sustentar, nós resolvemos criar um projeto que pudesse fazer as pessoas sobreviverem no próprio bairro, que na época tinha 20 mil habitantes”, lembra o criador do Banco Palmas.

Foi neste contexto que a primeira moeda social do país foi criada, a Palmas, explica Neto, fabricada em mimeógrafo. Depois de conseguir um empréstimo de R$ 2 mil com uma ONG, o banco comunitário do Conjunto Palmeiras lançou uma linha de crédito para incentivar a produção e, assim, gerar trabalho e renda aos moradores da comunidade. “Como a moeda só é aceita no próprio bairro, ficou definido que os comerciantes podiam trocar a moeda social por reais no Banco Palmas para conseguir repor o estoque”, acrescenta o idealizador.

Conforme o projeto foi ganhando escala, o banco comunitário passou a receber muitas doações, sobretudo de instituições internacionais, o que possibilitou a criação de empresas locais, como a Palma Fashion, de roupas, a Palma Limpe, de produtos de limpeza, e até a Palma Tour, voltada para o serviço de hotelaria.

“Nós começamos a produzir quase tudo no bairro e o segredo para tornar isso possível foi o empréstimo financeiro para as pessoas usarem a moeda social nas próprias lojas e, dessa forma, fazer a economia circular localmente”, diz.


Agência do Banco Palmas no Conjunto Palmeiras, em Fortaleza (CE) — Foto: Banco Palmas


Atualmente, o Conjunto Palmeiras tem 40 mil habitantes, dos quais 25 mil são clientes do Banco Palmas, que disponibiliza, em média, R$ 3 milhões em empréstimos e possui 3,5 mil carteiras ativas. As linhas de crédito oferecidas pelo banco, voltadas para produção e moradia, vão de R$ 50 a R$ 15 mil. Há também uma modalidade específica para o consumo que vai até R$ 2 mil em empréstimo.

No que diz respeito aos comércios, ao todo são 350 estabelecimentos que aceitam a moeda social como forma de pagamento. Ainda, para manter o funcionamento do banco, cada transação realizada nas lojas é taxada em 2% e, caso o cliente queira trocar a moeda Palma por reais, ele paga o equivalente a 1% do valor diretamente ao Banco Palmas.

Além de oferecer esses produtos, hoje o Banco Palmas também é operador do programa de crédito do governo do Estado do Ceará, o Ceará Credi, sendo responsável pelo pagamento de cerca de R$ 100 mil em crédito para microempreendedores individuais (MEIs), empreendedores informais, trabalhadores autônomos, desempregados e agricultores familiares.

Lei municipal

Outro exemplo que deu certo no âmbito da implementação da moeda social é o caso do Banco Mumbuca, em Maricá, na região metropolitana do Rio de Janeiro. Diferentemente da história do Banco Palmas, porém, ele surgiu a partir de uma política pública, por meio da Lei nº 2.448, de junho de 2013, que instituiu o Programa Municipal de Economia Solidária, Combate à Pobreza e Desenvolvimento.


Sede do Banco Mumbuca, em Maricá (RJ) — Foto: Leo Pinheiro/Valor


Manuela Mello, diretora presidente do banco comunitário, explica que a ideia do Mumbuca partiu de uma iniciativa da prefeitura de implementar um programa de benefício voltado para os moradores da região, mas com a condição de que o dinheiro circulasse apenas na cidade. "Para isso foi criada a moeda social Mumbuca, restrita ao território de Maricá", explica.

Com a criação da lei em 2013, o Banco Mumbuca iniciou a política de pagamento com a transferência de renda no valor de 70 Mumbucas, o equivalente a R$ 70, para cerca de 4 mil famílias. Até então, o orçamento era pautado em cima da arrecadação do município. Aos poucos, porém, conta Manuela, as políticas foram evoluindo e, em 2015, Maricá começou a receber royalties, o que possibilitou a ampliação do programa, além da extensão dos beneficiários para 24 mil famílias.

A diretora presidente do Banco Mumbuca explica que, para se inscrever no programa e ter acesso ao benefício em moeda social, a pessoa precisa estar cadastrada no CadÚnico, bem como ter, comprovadamente, pelo menos três anos de moradia no município. Ao atender a esses critérios, a secretaria da Economia Solidária da prefeitura de Maricá fica responsável por fazer o acompanhamento dos beneficiários e o Mumbuca entra como pagador do programa de renda básica.

“Nós [Banco Mumbuca] somos para o renda básica o que a Caixa Econômica foi para o Bolsa Família e, hoje, é para o Auxílio Brasil”, compara. “A diferença é que estamos concentrados em um território, então a região se desenvolve muito mais rápido do que outros municípios que não têm um banco comunitário e nem uma moeda social”, complementa Manuela.


Manuela Mello, diretora presidente do Banco Mumbuca — Foto: Leo Pinheiro/Valor


Além do programa de transferência de renda, o Banco Mumbuca oferece modalidades de crédito desde 2018. Por meio do Mumbucred, como é chamada a carteira de crédito do banco comunitário, os clientes podem solicitar até R$ 10 mil em financiamento, com juros de 1% ao mês, a depender da linha de crédito solicitada. Para empréstimos de até R$ 2 mil, porém, o valor vai a juros zero.

Manuela conta, ainda, que a maioria das linhas de crédito funciona por um aval solidário, isto é, quando um grupo de pessoas se reúne e toma crédito em conjunto, seja para reformar a casa, ou investir em algum empreendimento, e até mesmo para instalar uma placa solar.

Para possibilitar o giro completo da economia solidária no município, o Banco Mumbuca tem dois modelos de taxas que são cobradas apenas dos comerciantes. A primeira diz respeito a uma taxa de transação de 2% em cima de cada venda e a segunda, de 1%, é cobrada quando o lojista quer passar o valor que tem em Mumbuca para o real a partir do dia 6 de todo mês.

Caso o movimento de transferência para o real seja feito antes dessa data, o valor do resgate fica isento de taxa. Os beneficiários da renda básica, porém, não têm a alternativa de trocar a moeda social porque a ideia é que as pessoas gastem o valor apenas dentro do município para, assim, fazer com que a cidade inteira respire a moeda Mumbuca.

Hoje, o programa de renda básica do município, que tem 160 mil habitantes, atende 42 mil famílias com o pagamento de 170 mumbucas por mês. Ao todo, o Banco Mumbuca tem 65 mil clientes, considerando também aqueles que abrem conta corrente ou pegam crédito emprestado. Em relação aos estabelecimentos, cerca de 11 mil comércios aceitam a moeda social na cidade. “Nós temos mais lojistas aceitando a Mumbuca do que as bandeiras de cartão de crédito tradicionais”, diz a diretora presidente do banco.

Movimento que inspira

Seguindo a mesma metodologia do Mumbuca, o município de Niterói, também no Rio de Janeiro, implementou, em janeiro deste ano, a moeda social Araribóia. O projeto, que faz parte do programa de transferência de renda permanente da prefeitura, vai receber um investimento equivalente a R$ 135 milhões por ano a partir de recursos dos royalties.

Axel Grael, prefeito da cidade, comenta que a região já tinha um programa de renda básica temporária, instituído durante a pandemia, para atender a população que precisava do apoio financeiro para superar o momento de dificuldade.

Na ocasião, a prefeitura fez o cadastramento de trabalhadores informais e pessoas em situação de vulnerabilidade social contempladas pelo Cadastro Único, do governo federal. Tal programa foi mantido até o final do ano passado, quando, como uma forma de dar continuidade a essas políticas sociais de maneira mais duradoura, o município lançou a moeda Araribóia.


Cartão Araribóia — Foto: Prefeitura de Niterói


Agora, a prefeitura passa os recursos para o Banco Araribóia, que realiza a distribuição do cartão aos beneficiários. Assim como as moedas Palmas e Mumbuca, além do modelo físico, também é possível fazer todas as operações por meio do aplicativo E-Dinheiro.

“A moeda social em si é uma política mais consistente porque gera resultado não só para a pessoa que recebe o cartão, mas também para o comércio local das comunidades”, afirma Grael.

Com apenas quatro meses em operação, a moeda Araribóia já beneficia cerca de 31 mil famílias e é aceita em 6,5 mil comércios do município. Em janeiro, quando a moeda social foi lançada, o valor mensal mínimo pago aos beneficiários era fixado em R$ 90. No entanto, o prefeito sancionou, logo no mês seguinte, uma ampliação do programa que aumentou o benefício para R$ 250 para uma pessoa solteira e implementou um acréscimo de R$ 90 para até seis participantes da família.

O prefeito de Niterói diz que o resultado positivo de janeiro foi o que levou à decisão de elevar o valor em tão pouco tempo. Agora, o governo municipal está trabalhando para oferecer linhas de crédito à população contemplada pela moeda social.

Em relação à cobrança de taxa, o modelo de Niterói segue o mesmo do implementado pelo Banco Mumbuca. A taxa de operação para os comerciantes é de 2%, enquanto que, para trocar a moeda Araribóia para o real, a taxa é de 1%. No entanto, durante os primeiros seis dias do mês, a conversão fica isenta. Após a data, é cobrada essa taxa de 1%, ou o lojista pode esperar o próximo mês para converter sem tarifa.

Além de Maricá e Niterói, outros municípios do Rio de Janeiro seguiram o mesmo exemplo e lançaram suas próprias moedas sociais com a missão de promover a inclusão social e combater a pobreza. É o caso de Porciúncula, que criou a moeda Elefantina, bem como Cabo Frio, com a Itajuru, além de Itaboraí, com a Pedra Bonita, e Saquarema, com a implementação da moeda Saquá.


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