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sábado, 16 de fevereiro de 2019

Barragens de Rejeitos: Brumadinho, Mariana, Cataguases, Miraí... O que intriga é a recorrência!



Lembrando a tragédia de Mirai (MG), 2007

Em tempos de perplexidade e indignação com mais uma tragédia envolvendo barragens de rejeito de mineração, trago à lembrança uma outra tragédia semelhante, embora em menor escala, ocorrida na madrugada de 10 de janeiro de 2007 (exatos 12 anos atrás), e que eu acompanhei muito de perto: o rompimento do dique de contenção de rejeitos da mineradora Rio Pomba Cataguases Ltda, em Miraí (MG).

Eu havia acabado de assumir a minha segunda gestão (2007-2008) como presidente da Fundação Estadual de Engenharia de Meio Ambiente - FEEMA, órgão ambiental do governo estadual do Rio de Janeiro (pioneiro no país) e que hoje foi incorporado ao Instituto Estadual do Ambiente - INEA. Assim que fui comunicado pelo secretário estadual de Meio Ambiente de MG, José Carlos Carvalho, me dirigi imediatamente ao local, procedi sobrevoo da área para conhecer a extensão da área afetada e para determinar medidas emergenciais para proteger a população e o meio ambiente.

As proporções do acidente de Miraí foram muito grandes, mas nada comparável com as mega-tragédias de Brumadinho e Mariana. A lembrança de Miraí é relevante pois não foi a primeira e por que precedeu os outros desastres, como se a lição não tivesse sido aprendida. E como vimos em Mariana e Brumadinho, a proporção dos desastres só tem aumentado.

O desastre ambiental de Miraí (MG), 2007

A empresa Rio Pomba Cataguases Ltda. mantinha uma barragem de rejeitos e sedimentos provenientes da lavagem física da bauxita e da drenagem superficial. O barramento formou um reservatório de cerca de 18 ha, que segundo a empresa, continha 3,8 milhões de metros cúbicos. (Feema e Ibama, 2007).

O colapso do dique provocou o vazamento de pelo menos dois milhões de metros cúbicos (dois bilhões de litros) de lama misturada com bauxita e sulfato de alumínio no Rio Muriaé.

O rompimento causou graves danos patrimoniais e ambientais. A lama atingiu áreas urbanas. Mais de 6 mil moradores das cidades de Miraí e Patrocínio do Muriaé ficaram desalojados. Em Muriaé, a lama atingiu 1.200 casas (G1, 2007). Também ocorreram elevados danos ambientais para o córrego Fubá, Rio Muriaé e Rio Paraíba do Sul com danos para a vegetação ciliar e várzeas, mortandade de peixes e cerca de 100 mil moradores sem água.

Reincidente: vazamento de Miraí, 2006

A empresa mineradora Rio Pomba Cataguases Ltda era reincidente. No dia 02 de março de 2006, cerca de 400 mil m³ de lama foram despejados no Córrego Bom Jardim, afluente do Ribeirão Fubá, depois do rompimento de uma das placas do vertedouro da barragem de retenção de rejeitos. Na ocasião, a mancha de lama alcançou 70 km de extensão, afetando cerca de 600 mil moradores que tiveram o abastecimento de água suspenso em caráter preventivo, devido à possibilidade de contaminação.

Embora a quantidade de material que chegou aos rios tenha sido menor, a reincidência mostrou que a precariedade da operação da empresa a combinação dos dois vazamentos em tempo tão curto tornou os impactos ainda mais severos e os resultados mais destruidores.

O vazamento causou destruição de ecossistemas ribeirinhos, eliminação de fauna aquática, inundação de áreas de pastagens e alteração da qualidade das águas de córregos, fatos que se repetiram com a repetição do acidente em 2007.

Danos ambientais no Norte e Noroeste do RJ 

Segundo o Relatório Conjunto FEEMA e IBAMA (2007), preparado para apresentar o Plano de Ação Emergencial, uma vistoria realizada pela Agência Regional do Norte Fluminense da FEEMA, realizada em 11/01/07, observou-se que o rejeito movimentava-se, numa vazão estimada em 3 m3/s, com presença de 50% de sólidos e que o nível de turbidez do Rio Muriaé chegou a 2.400 NTU no ponto de captação para a Estação de Tratamento de Água (ETA) de Itaperuna.

Apesar da atividade de mineração ser no estado de Minas Gerais, estava a poucos quilômetros de  distância a montante dos limites com o estado do Rio de Janeiro. Minas Gerais teve mais danos patrimoniais e impactos ambientais diretos ao rio, vegetação ciliar e várzeas. O estado do Rio de Janeiro teve mais extensão de rios degradados e população atingida.

Veja, a seguir, algumas fotos que tirei da cidade de Miraí e do Rio Muriaé durante o sobrevoo realizado em 11 de janeiro de 2007, no dia seguinte ao rompimento do dique:


Local do rompimento do dique (abaixo, à direita) e reservatório de rejeitos vazio. Foto Axel Grael, 2007

Lama extravasou o curso de córrego próximo à barragem. Foto Axel Grael, 2007 

Cidade de Miraí inundada pela lama. Foto Axel Grael, 2007

Rio Muriaé tomado pela lama. Foto Axel Grael, 2007

Várzea do Rio Muriaé tomado pela lama. Foto Axel Grael, 2007

Área rural tomada pela lama. Foto Axel Grael, 2007

Rio Muriaé próximo ao seu encontro com o Rio Paraíba do Sul. Foto Axel Grael, 2007

(Fotos acima de acervo pessoal)


Brumadinho e Mariana: dentre as maiores tragédias já registradas no mundo

Nas duas tragédias a empresa responsável foi a Vale, uma das maiores empresas de mineração mundo e da qual esperava-se uma capacidade de gestão de riscos e de situações de contingência mais eficientes.

Brumadinho, 2019: Cena do vídeo que registrou o rompimento da barragem. 

A tragédia de Brumadinho, ocorrida em 25 de janeiro de 2019, portanto há poucos dias, ainda assombra pelas imagens de horror captadas pelas câmaras, pelo número de vítimas e pela enorme destruição.

Brumadinho já é considerado o maior desastre do Brasil na perspectiva humana, 166 mortos já foram identificados e ainda existem 155 desaparecidos.


Mariana, 2015: Vista da localidade de Bento Rodrigues completamente devastado pela lama.

Em Mariana, tragédia ocorrida em 5 de novembro de 2015, 62 milhões de m³ de rejeitos vazaram, destruindo o distrito de Bento Rodrigues, onde morreram 19 moradores e poluindo a maior parte da extensão do Rio Doce, desde o Estado de Minas Gerais até a sua foz no Espírito Santo.

Passados três anos de Mariana, as ações de recuperação ambiental do Rio Doce e de todas as áreas afetadas ainda são incipientes, as vítimas ainda lutam na justiça para ter a reparação dos danos e indenizações e a empresa não pagou as multas ambientais impostas pelo desastre.

Cataguases

Além das tragédias de Brumadinho e Mariana  e Miraí, lembro aqui outros acidentes ocorridos em Minas Gerais.


Vazamento do "licor negro", em 2003.

Os desastres de Miraí (2006 e 2007) foram antecedidos por outra tragédia ambiental de grande porte, desta vez no município de Cataguases, próximo a Miraí, e na Bacia Hidrográfica do Rio Pomba, vizinha da Bacia do Muriaé. O Rio Pomba também drena para o estado do Rio de Janeiro, sendo um tributário do Rio Paraíba do Sul.

As empresas Cataguases de Papel e Cataguases Florestal eram responsáveis por um reservatório de 400 metros de comprimento, 200 metros de largura e 16 metros de profundidade, localizado na Fazenda Bom Destino, em Cataguases, a 35 km da divisa com o estado do Rio de Janeiro. O reservatório era usado para guardar rejeitos da produção de celulose.

O vazamento foi detectado na tarde de sexta-feira, 28 de março de 2003, mas só foi contido à noite de 31 de marco de 2003.
Com o rompimento de uma barragem houve o despejo de 1,2 bilhão de litros de um resíduo tóxico conhecido como "licor negro", um material orgânico constituído basicamente de lignina e sódio. O licor negro poluiu os rios Pomba e posteriormente o Paraíba do Sul, atingindo o norte e o noroeste fluminenses.

O vazamento gerou mortandade de peixes, a interrupção do abastecimento de água em vários municípios dos estados de Minas Gerais e do Rio de Janeiro por cerca de dez dias e causou prejuízos em pequenas propriedades rurais situadas às margens do Ribeirão do Cágado, em uma extensão de aproximadamente 106 hectares (G1). O IBAMA aplicou uma multa de R$ 50 milhões e os estados do RJ e MG também multaram.


RECORRÊNCIA

Apesar de ter trabalhado um bom tempo com projetos ambientais relacionado a barragens, não é a nossa pretensão aqui aprofundar a discussão em um tema que não tenho capacidade profissional para abordar. Mas, ousamos discorrer um pouco sobre o histórico de alguns acidentes e tragédias envolvendo barragens no Brasil, mas fazer uma reflexão sobre a vulnerabilidade de algumas, evidenciadas por um número preocupante de desastres ocorridos nos últimos quinze anos.

A memória do episódio de Miraí é relevante, pois diante de mais uma tragédia envolvendo rompimento de barragens (Brumadinho), um fato me intriga: a recorrência com que acidentes semelhantes tem ocorrido no Brasil.

Em uma lista com 717 barragens de rejeitos de mineração no Brasil, pelo menos 88 têm método de construção de "alteamento a montante", segundo uma lista divulgada em janeiro de 2019 pela Agência Nacional de Mineração (ANM). Entre elas, 43 são classificadas como barragens de alto dano potencial associado (G1, 31/01/2019).

Curiosamente (ou preocupantemente!) as barragens de Brumadinho e Mariana eram consideradas de baixo risco.


REFLEXÃO

A pergunta que se faz é:

Como pode haver uma falha assim tão recorrente com barragens de mineração? 

- Poderia ser atribuído a problemas graves de gestão e manutenção?
- Falhas na fiscalização? Seria um problema de incompetência da engenharia nacional?
- Ou poderia haver algum erro em algum parâmetro de engenharia, nas margens de segurança adotadas?
- Clima e outras forças da natureza?

O fato é que a engenharia brasileira ocupa lugar de destaque no mundo no que se refere à construção de barragens para água, como hidrelétricas, abastecimento público etc. Qual motivo para não haver a mesma excelência com as barragens de solo para mineração? Ou estaria ai o problema: barragens de solo?

Barragens de solo são utilizadas no mundo todo e são sempre consideradas mais perigosas do que outras alternativas, embora sejam justificadas pelo custo mais baixo e consideradas aceitáveis caso implantadas em condições de segurança, cada vez mais contestáveis. Mas, causam problemas também em outros países, como o ocorrido em 05/10/2010, na Hungria, quando uma barragem de retenção de resíduos da produção de alumínio rompeu-se, liberando 1 milhão de m³ de lama e espalhando destruição e contaminando o Rio Danúbio.

No caso das duas últimas tragédias, Brumadinho e Mariana, ambas envolvendo unidades de mineração da Vale, uma das empresas mais bem estruturadas e normatizadas que conheço. Trabalhei como consultor em projetos ambientais para a Vale em várias ocasiões e sempre considerei uma empresa difícil de trabalhar pelo nível de exigência, pelas normas fartas e leoninas para os prestadores de serviços e pelas regras rigorosas de contratação.

Após os acidentes, investigações policiais e do Ministério Público procuram verificar se houve negligência, falhas de monitoramento e manutenção, ou mesmo, omissão criminosa de profissionais da empresa ou prestadores de serviços. O resultado das investigações e o judiciário deverão esclarecer o quanto se pode atribuir a estes erros.

Mas, sempre me ocorre a dúvida se não poderia haver também algum problema de protocolos, padrões, regras, parâmetros de engenharia, das margens de segurança, da técnica em si. As práticas de engenharia são lastreadas em legislação, normas técnicas nacionais ou internacionais, tabelas e outras referências.

Não seria o caso de uma revisão destas referências?

Axel Grael





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LEIA TAMBÉM:

Postagem no BLOG DO AXEL GRAEL:

Mariana e Brumadinho confirmam a falência das barragens de montante
Acidentes semelhantes ao da Hungria aconteceram recentemente no Brasil
Vazamento de 1 milhão de m3 de lama tóxica na Hungria  

Bibliografia técnica:


  • Justen, Rene; Crud Maciel, Norma; Sampaio, Glaucia Freitas; de Freitas Lopes Soares, Fátima; Lea Xavier, Maria; Figueira de Mello, Jefferson Antônio M. (22 de janeiro 2007). AVALIAÇÃO DOS DANOS AMBIENTAIS DECORRENTES DO ROMPIMENTO DA BARRAGEM DO RESERVATÓRIO DE REJEITOS DA MINERAÇÃO RIO POMBA DE CATAGUASES LTDA – RELATÓRIO CONJUNTO FEEMA-IBAMA. 

Imprensa - barragens no Brasil

Mais informação sobre acidentes com barragens:

Brumadinho (2019)

Brumadinho: Brasil tem mais de 300 barragens de mineração que ainda não foram fiscalizadas e 200 com alto potencial de estrago

Mariana (2015)

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