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sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Caldeirão carioca: calor até debaixo d’água




Renato Grandelle
Maria Clara Serra

Falta de ressurgência e massa de ar quente elevam temperatura do mar

RIO - Nem um mergulho atenua a onda de calor que castiga o carioca desde o início do ano. Em janeiro, a temperatura da superfície do mar nas praias oceânicas chegou a 30 graus Celsius por sete dias - 2,5 graus Celsius acima da média histórica de 40 anos, de acordo com informações de satélite da Administração Oceânica e Atmosférica Nacional dos Estados Unidos (Noaa, na sigla em inglês). O mar desse mês não lembra em nada as águas geladas que costumam refrescar corpo e mente durante o verão.

Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o mar só costuma apresentar temperaturas tão elevadas cerca de três vezes por mês durante a estação. E o responsável pelas águas quentes é o vento. A chegada de uma corrente vinda do Norte inibiu a ressurgência, um fenômeno que ocorre na região de Cabo Frio e que empurra as águas geladas do fundo para a superfície.

Quando o fenômeno que ocorre na Região dos Lagos chega à capital, a temperatura média da superfície da água fica em torno de 20 graus Celsius, segundo o Inpe. Nos dias sem ressurgência, os termômetros no mar chegam a bater os 27,5 graus Celsius.

- Mesmo sem a ressurgência, a temperatura da superfície do mar carioca está acima da média coletada nos últimos 40 anos - destaca João Antônio Lorenzzetti, doutor em Oceanografia Física e pesquisador da Divisão de Sensoriamento Remoto do Inpe.

Para que as águas da ressurgência, mais geladas, cheguem ao Rio, é preciso haver vento Nordeste em Cabo Frio, ressalta Leonardo Marques da Cruz, pesquisador do ProOceano.

- Atualmente ele ocorre, mas muito fraco. As condições atmosféricas precisam se estabilizar para que as águas resfriem.

Os surfistas sentiram a diferença na pele.

- Nunca tinha presenciado temperaturas tão altas do mar no verão - conta Marcelo Andrade, membro da Associação Brasileira de Surfe Profissional (Abrasp). - Tenho surfado em condições parecidas com as do Nordeste.

Além da falta do refresco que poderia vir de Cabo Frio, outros fatores contribuem para que o mar do Rio se pareça mais com uma sopa. A massa de ar seco próxima ao litoral, que tem impedido a chegada de chuvas e frentes frias, também deixa as águas calmas. E a falta de ondas diminui a troca da camada de água superior, mais quente por absorver a energia solar, com a inferior, que é gelada.

- A sensação térmica na praia está muito diferente neste verão - observa Luiz Lima, instrutor de natação no Posto 6, em Copacabana. - Nos outros anos, quando chegávamos perto do mar, era como se houvesse um ar condicionado natural. Agora, o que sentimos é ar quente.

"As estações de tratamento são eficientes para reduzir a carga orgânica, mas não para barrar o despejo de nutrientes como nitrogênio e fósforo". Axel Grael

Água quente e escura

Outra vantagem da ressurgência é fazer com que as águas cariocas fiquem mais claras, como as vistas na Região dos Lagos. O mar quente, por sua vez, proporciona um ambiente favorável para a proliferação de algas.

- Por isso as praias estão com uma coloração marrom, ferrugem - constata o ambientalista e velejador Axel Grael.

A espuma e a coloração do mar preocuparam banhistas nesse primeiro mês do ano. O Instituto Estadual do Ambiente (Inea) analisou amostras da água e informou que ela não apresentava risco. Acostumado a passar horas no mar, o surfista e fotógrafo Fabio Minduim conta que o padrão de cor tem variado muito nesse verão.

- Tem dias com espuma, alga e muita sujeira, mas eu também pude fotografar águas transparentes - diz. - Quando o vento sopra de Leste e não tem ressurgência, o que acontece é que a corrente acaba trazendo água da Baía de Guanabara. As pessoas acham que é esgoto, mas sujeira a gente sente pelo cheiro.

Apesar de não se tratar de esgoto em si, é ele que serve de alimento para as algas.

- A espuma que vemos nas praias do Rio vem do esgoto despejado na Baía - ressalta Grael. - As estações de tratamento são eficientes para reduzir a carga orgânica, mas não para barrar o despejo de nutrientes como nitrogênio e fósforo.

Corrente oceânica também atrapalha

Longe do litoral, outro fator mostra como boa parte do Atlântico Sul também está com os termômetros acima da média histórica. Trata-se da Corrente do Brasil, que nasce nos trópicos, tem temperatura de cerca de 28 graus Celsius e desce o país pela costa.

- Esta corrente pode oscilar e atingir as águas das plataformas continentais, o que traz uma grande quantidade de calor - alerta Lorenzzetti. - Sua presença não está relacionada com a alta temperatura da praia, mas ela deixa grande parte do oceano aquecido.

Apesar de sofrerem pouca influência da ressurgência, as praias da Zona Oeste também têm apresentado águas mais quentes.

- O mar está mais quente e escuro aqui na Barra também, o que não é normal. É ruim para a prática de esportes - reclama Marcelo Cunha, responsável pelo Kitepoint Rio Team Nogueira, na Avenida do Pepê.

Fonte: O Globo
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