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segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Lixo marinho e nós: quem pode dar conta?


No mês de Agosto, na coluna sobre Lixo Marinho do Portal EcoD, conversei com o Oceanógrafo Paulo Harkot que atualmente é Secretário Executivo do Projeto Lixo Marinho. No mês marcado pela aprovação da Política Nacional de Resíduos Sólidos pelo Congresso Nacional, como destacado por Paulo, temos a oportunidade de conhecer mais sobre o lixo marinho e as políticas públicas nas esferas municipal, estadual e nacional. Apesar do “vácuo legal” e do descaso relacionados ao lixo marinho, existem maneiras para que o problema seja minimizado, ou mesmo combatido, a partir de hoje e de cada um de nós.

Juliana A. Ivar do Sul*
http://www.ecodesenvolvimento.org.br/colunas/lixo-marinho
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Por Paulo Harkot

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Os complexos e interdependentes processos que regem a existência da vida na Terra, a despeito do acidentado percurso que se mostrou responsável por cinco extinções massivas ao longo da sua história, não tiveram, até então, possibilidade de experimentar eventos tão intensos, rápidos e devastadores causados por uma única espécie – os seres humanos – em tão escasso tempo.
Tomando a iniciativa para divulgar esse tema, o Secretariado das Nações Unidas destaca-se por mobilizar a comunidade científica para fins de organizar e divulgar informações capazes de sensibilizar e alertar a população para esse grande feito inconsequente e irresponsável. Nesse contexto, a Avaliação Ecossistêmica do Milênio -
www.millenniumassessment.org –, publicada a partir de 2005, destaca-se como o mais abrangente esforço já realizado por uma instituição preocupada com as questões ambientais. Voltado ao entendimento e mensuração das consequências das alterações ambientais para a saúde e o bem estar dos seres humanos, tal estudo projeta que, em 2050, os principais tipos de serviços naturais estarão significativamente alterados ao se considerar o quadro atual. Espera-se que tão importantes informações sejam incorporadas, com eficácia, nas políticas públicas e nas ações que estão a alterar, de maneira constante e crescente e muitas vezes de maneira irreversível, os biomas e ecossistemas, inclusive o marinho e costeiro.
A título de conclusão, a Avaliação Ecossistêmica do Milênio aponta para a destruição dos ecossistemas e das espécies que os estruturam como o fator mais importante para a alteração e perda dos serviços naturais que sustentam a vida na Terra. As repercussões diretas, ainda não compreendidas, serão preocupantes para os seres humanos.Outro aspecto que se mostra em condições de agravar ainda mais o quadro acima apresentado diz respeito ao impacto causado pelo lixo marinho.
O lixo marinho é caracterizado como qualquer resíduo, material descartado ou perdido que, resultado de atividades humanas, atinge o ambiente marinho. Inclui o material encontrado nas praias, flutuando na coluna d'água ou no substrato dos oceanos e das águas costeiras. Destacam-se, graças a sua abundância e presença cosmopolita, os diversos tipos de plástico que impactam as espécies, ecossistemas e biomas de maneira tão avassaladora quanto, no meu entender, a perda das espécies e a simplificação dos ecossistemas.
Tão sérios problemas têm sido noticiados, cada vez mais, pela divulgação continuada e crescente de informações a respeito das consequências dos materiais não biodegradáveis junto às espécies e ecossistema marinho.
Ao reler as ótimas contribuições de pesquisadores, especialistas e profissionais atuantes com tal temática apresentadas na Coluna Lixo Marinho nos últimos 15 meses, torna-se factível de se constatar que o tema vem ganhando espaço e atenção também junto à comunidade científica. Enfim, um ótimo sinal constatar que o número de pesquisadores e cientistas atuantes com a temática afeita ao lixo marinho está em franca expansão.
Mas, ao considerar que o grande número de acessos a esta Coluna e de replicações dos textos apresentados no conteúdo de outros sites, constata-se que esse expressivo número ainda pode ser considerado como traço, ou muito pequeno, frente ao número de expectadores das grandes redes televisivas e dos tradicionais veículos da mídia impressa.
O espaço conferido ao tema lixo marinho nos veículos de comunicação de massa convencionais tem, também, aumentado e já ganhou, inclusive, espaço no horário considerado nobre. De antemão se considera que a divulgação deveria necessariamente ser muito maior do que a existente face à abrangência, seriedade e urgência do problema representado pelo lixo marinho.
Instrumentos legais e governamentais para enfrentamento do problema representado pelo lixo marinho
O lixo presente nas águas oceânicas brasileiras, seja proveniente dos rios ou do mar, está inserido em um vácuo legal. Não se dispõem, como consequência, de instrumentos jurídicos capazes de enfrentar tão gigantesco e urgente desafio. E é fácil de entender o porquê...
O lixo urbano – principal fonte de lixo marinho na maior parte das situações - é da responsabilidade daquele que o gerou. Como é no território dos municípios que se dá geração de resíduos urbanos, é do município a responsabilidade pela adequada coleta e disposição.
Os rios, por sua vez, estão sob responsabilidade dos estados ou, no caso dos rios que percorrem mais de um estado – rios federais -, da União.
Já o mar territorial, por definição, está afeito à União.
Assim, determinada quantidade de lixo urbano que atinge um rio, seja como resultado da drenagem pluvial, do vento, da disposição inadequada ou mesmo pelo descaso de um cidadão em um dado município, não está mais sob a tutela do município responsável pela sua geração uma vez que – por não atuar na esfera dos recursos hídricos – não tem responsabilidade sobre tal; nem tampouco o estado – que não responde pela geração de resíduos urbanos – e que, portanto, não conta com instrumentos para abordar esse sério problema. Já o lixo que atinge a zona costeira e o mar territorial trazido pelo rio utilizado como exemplo também não é atribuição da União – já que não gera resíduos urbanos – nem do município que, por sua vez, não exerce papel de maior destaque no ambiente marinho.
Assim, nesse vácuo legal e “imbróglio” administrativo que caracteriza o cenário onde se deposita o lixo que chega ao ambiente marinho, em quantidades cada vez maiores e proporcionais à generalização e intensificação do uso de material plástico, as perspectivas são, no mínimo, muito mais que preocupantes e caracterizam uma situação, no mínimo, muito mais que incômoda.
Já as políticas públicas setoriais não apresentam em seu bojo condições de sequer identificar a presença desse novo ente chamado lixo marinho.
Veja, por exemplo, o Relatório de Qualidade do Meio Ambiente – RQMA, um dos instrumentos da Política Nacional de Meio Ambiente. Ao considerar a zona costeira e marinha, considera, apenas, as espécies extintas e sob risco de extinção e não apresenta nenhuma citação a tão sério problema, o lixo marinho.
Ou considere ainda o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro – PNGC, instituído em 1988 e atualizado em 1997 como PNGC II, que não faz nos seus instrumentos - notadamente no Sistema de Monitoramento Ambiental da Zona Costeira - alusão á questão do lixo marinho.
Nem, tampouco, o Plano de Ação Federal para a Zona Costeira que tem como meta promover a articulação das atividades e ações da União na zona costeira.
Mesmo a Política Nacional de Recursos Hídricos, o Sistema Nacional de Unidades de Conservação e outros instrumentos de políticas públicas federais, estaduais e municipais.
Todo o aparato legal acima citado, a servir de norte para as instituições do Sistema Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA, não oferece as condições de fazer frente, até o presente, ao sério, permanente e crescente problema representado pelo lixo marinho.
Uma das justificativas para essa inquietante situação pode estar associada ao fato de que os principais instrumentos legais voltados à questão ambiental foram desenvolvidos sob referências que atualmente já se encontram desatualizadas.
Basta lembrar, por exemplo, que o mote e estímulo para a instituição da Política Nacional de Meio Ambiente - PNMA – principal instrumento norteador da política ambiental brasileira – foi Estocolmo 72. Naquela época, a população da Terra era de cerca de 3,5 bilhões de habitantes, os continentes apresentavam imensas áreas ainda intocadas e grandes vazios populacionais, o plástico não era tão corriqueiramente disseminado e não se dispunham de informações que permitissem inferir o quanto os sistemas ambientais, responsáveis pelo suporte da vida na Terra, se encontravam abalados ou ameaçados.
Nesse contexto, os instrumentos legais desenvolvidos para se contrapor, e orientar, as demandas existentes àquela época não estão preparados, e nem tampouco adequados, para se contrapor às imensas ameaças que descaracterizam e simplificam os ecossistemas dos quais, entre elas, o lixo marinho assume papel que merece destaque.
Vale ressaltar a recente aprovação (agosto de 2010) da Política Nacional para os Resíduos Sólidos. Espera-se que, a partir da sua regulamentação, materializem-se instrumentos passíveis de contribuir para a minimização do lixo marinho e dos sérios problemas decorrentes. Resta-nos apenas acompanhar, participar e monitorar.
Cenários, prospecções e lucubrações
Os pesquisadores científicos, de uma maneira geral, não se sentem à vontade para tecer considerações a respeito de eventuais fatos relacionados ao futuro.
Isso é compreensível já que muitos estudos são normalmente associados à diagnósticos, partem de uma fotografia obtida no presente – os resultados das análises realizadas – para buscar no passado as informações que possibilitem entender os fatores e eventos que originaram o que está sendo medido. Elucubrações a respeito do futuro, portanto, não fazem parte da rotina do trabalho desse grupo de estudiosos e cientistas.
Os pesquisadores da área de saúde pública, por outro lado, fazem uso de técnicas de estudos que utilizam informações obtidas no presente para inferir, com razoável dose de precisão, o que poderá ocorrer no futuro caso não sejam tomadas medidas capazes de alterar o comportamento das causas responsáveis pelo evento estudado. Veja, por exemplo, o caso hipotético de um surto epidêmico ou mesmo uma epidemia. Basta uma pequena alteração nas taxas de incidência desse agravo, eventualmente já presente em uma dada população, como, por exemplo, o aumento do número de doentes ou de óbitos detectados por sistemas de vigilância epidemiológica especialmente desenvolvidos para tal fim, para que sejam deflagradas ações que visem inibir, ou coibir, a disseminação e a ocorrência do agravo considerado junto a um maior contingente populacional.
Em outras palavras, na área de saúde pública não é correto aguardar a eclosão de uma epidemia para que se tenha certeza que de fato tal evento ocorreu e a partir de então desencadear os mecanismos de controle para se contrapor ao avanço do referido agente responsável pelo agravo considerado. A não adoção desse tipo de estratégia de ação poderia infligir, é de se esperar, no sofrimento e morte de elevado número de pessoas.
E com relação ao lixo marinho, objeto principal das nossas preocupações no presente texto, qual seria o comportamento a ser esperado daqueles que atuam com a temática?
Em minha opinião devemos sempre buscar informações e suas interpretações que nos possibilitem ser realistas. Não podemos ser superficiais e deixar de divulgar as informações. Mesmo que tais notícias não sejam boas e possam ser consideradas, em um primeiro momento, como que pessimistas.
Afinal, e à luz da ciência, a possibilidade de cura de um doente é tanto maior quanto mais preciso se mostrar o diagnóstico. A má notícia, portanto não é só necessária; é fundamental para a orientação do tratamento e busca da melhor alternativa de cura para o sujeito que apresentou tal diagnóstico.
E o diagnóstico da situação do lixo marinho, no meu entender, remete a uma situação muito séria, com nítida tendência de agravamento.
Tal afirmação é, apenas, uma tentativa realista de interpretar os resultados e informações atualmente disponíveis.E por que esse diagnóstico com informações tão intranquilizadoras?
São diversos os motivos que contribuem para a formulação desse ponto de vista:
- O consumo é constantemente estimulado e os produtos apresentam obsolescência programada. Esta é a essência da economia que dirige os governos dos países e o comportamento da maior parte da população globalizada;
- Os interesses e lobbies das indústrias petrolíferas e petroquímicas são gigantescos e muito poderosos. Influenciam políticas públicas voltadas para fins de atendimento dos seus objetivos que, nesse caso específico, está focando no aumento da produção de petróleo e de material plástico;
- Aumento do poder aquisitivo de contingentes populacionais que, até então, não tinham acesso a bens de consumo, como está a ocorrer no Brasil;
- Incremento do afluxo de turistas e da ocupação das praias;
- Franca expansão do número de navios, embarcações e de passageiros em turismo embarcado. Estima-se que cerca de um milhão de pessoas esteja em trânsito no mar, diariamente, e seja responsável pela geração de mais de 1.000 toneladas diárias de resíduos sólidos. Quanto desses resíduos são adequadamente dispostos em terra?;
- População não dispõe de informação, conhecimento e cultura – como decorrência da educação inadequada - para avaliar a consequência dos seus atos e das suas ações junto ao ambiente, ao se considerar o descarte inadequado de resíduos sólidos;
- Legislação ambiental, ainda que considerada muito restritiva no Brasil, incapaz de contribuir para a manutenção dos processos estruturais e funcionais dos ecossistemas, em uma perspectiva de médio e longo prazo;
- Tempo demandado para a inclusão de novos critérios e orientações, relacionadas às limitações e fragilidades ambientais, no corpo da legislação ambiental. Qualquer alteração estrutural do aparato legal pode demandar de 20 a 30 anos para ocorrer;
- Falta de propostas ambientalmente fundamentadas nas plataformas dos candidatos aos cargos eletivos, costumeiramente focadas no interesse econômico de curto prazo;
- Modelo econômico que considera o lançamento de resíduos, dejetos e emissões no ambiente como “externalidades” alheios ao processo produtivo considerado;
- Modelo econômico perdulário que faz uso de matéria-prima de altíssima qualidade – como o petróleo que demandou dezenas de milhões de anos para ser formado - para produzir utensílios e embalagens projetados para serem utilizados apenas vez. Como registrado por Paul Hawken, um dos autores da obra Capitalismo Natural, é uma grande burrice “considerar como lucro a destruição do capital natural que caracteriza o principal ativo e sustenta os negócios realizados na Terra”;
- Aparato jurídico relacionado ao direito ambiental utilizado, em diversas situações, para benefícios empresariais específicos em contraposição aos interesses das questões difusas, motivo para o qual surgiu;
- Risco de que as políticas públicas, tanto aquelas voltadas para implantação de unidades de conservação marinhas como, também, os esforços direcionados para a conservação de animais marinhos sob risco de extinção sejam comprometidos e deixem de cumprir as finalidades para as quais foram instituídas como resultado do aumento da quantidade de lixo marinho.
E o que podemos fazer para se contrapor ao sério quadro representado pelo lixo marinho?
Como cidadãos, tomando atitudes que muitas vezes pequenas podem contribuir para se contrapor aos valores vigentes e relacionadas, por exemplo, à diminuição do consumo de embalagens e descartáveis, divulgação de informações a respeito dos malefícios causados pelo modelo econômico vigente e busca de informações a respeito da temática. Bem como ao exercício e uso dos nossos instrumentos, como cidadãos, para escolher os candidatos adequados e tão importantes quanto, cobrar constantemente que ajam de maneira coerente ao propalado e à função que desempenham no âmbito do legislativo, executivo e judiciário.
À comunidade científica atuante com a temática, por sua vez, tem papel destacado nesse processo. É urgente que utilizem os conhecimentos angariados no exercício das respectivas profissões para divulgar, também para o público leigo, informações que demonstrem a seriedade da questão e estimulem a mobilização social para cobrança de ações e atitudes por parte das autoridades do poder público.
Em termos práticos, e adicionalmente, também é importante aproveitar o momento já que o Ministério das Cidades está promovendo a elaboração dos Planos Decenais de Saneamento Básico, que deverão ser finalizados até o final desse ano. Importante também considerar os planos municipais de saneamento e, no âmbito dos Comitês das Bacias Hidrográficas, os planos e projetos que estão em fase de elaboração.
Em todos esses casos, identifique e contate na sua região os técnicos e responsáveis pela elaboração dos referidos planos para sensibilizá-los a respeito da necessidade da inclusão dos tópicos “lixo marinho” e “lixo fluvial” no corpo do documento. Uma vez assegurada a inserção do tema, tornar-se-ão necessários o planejamento e a realização de ações governamentais nos três níveis do executivo para enfrentamento desse sério problema.
Se não aproveitarmos esta oportunidade que hora se apresenta, é possível que tenhamos que aguardar o ano de 2020, no próximo Plano Decenal, para tentar inserir tal questão no rol das políticas públicas brasileiras e nos planos de ação a serem desenvolvidos pelos municípios, estados e federação.
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Paulo Harkot
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Paulo Fernando Garreta Harkot é oceanógrafo e mestre em saúde pública / epidemiologia. Trabalhou com gerenciamento costeiro nos três níveis do executivo e em diversos estados litorâneos, é professor em cursos de pós-graduação na UNISANTOS e SENAC, em Santos e coordenador executivo do Projeto Lixo Marinho.
E-mail:
paulo.harkot@projetolixomarinho.org

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*Juliana Ivar do Sul
é Coordenadora Científica do Projeto Lixo Marinho – Associação Praia Local Lixo Global
E-mail:
juliana.sul@globalgarbage.org

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Texto obtido em: http://www.remaatlantico.org

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