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sexta-feira, 23 de maio de 2014

Botos e golfinhos ajudam a analisar a poluição do litoral fluminense




Vinicius Zepeda

Boto-cinza, golfinhos e algumas espécies de peixes, como o peixe-espada, são predadores, no topo da cadeia alimentar marinha. Com uma dieta que inclui lulas, camarões e outros peixes – que já trazem no organismo metais pesados, como o mercúrio, e compostos orgânicos de origem antrópica –, eles acabam acumulando vários poluentes no organismo. Para analisar o nível de contaminação de ecossistemas marinhos, o oceanógrafo José Lailson Brito Junior, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), vem investigando amostras de tecido muscular de botos-cinza, golfinhos e certos peixes. "Por mais que na água os níveis de mercúrio sejam reduzidos, o metal se concentra mais nos animais do topo da cadeia alimentar", explica o pesquisador, Jovem Cientista do Nosso Estado, da FAPERJ, que destaca a importância dos botos-cinza e golfinhos como indicadores da poluição do ambiente marinho.

Como explica José Lailson, botos-cinza são mamíferos, que vivem entre 30 e 40 anos, e habitam as regiões costeiras sem realizar grandes migrações ao longo da vida. São também animais que estão entre os mais contaminados do mundo. "Apesar das altas concentrações de pesticidas, mercúrio e outros elementos tóxicos encontrados em seu organismo, botos-cinza e golfinhos apresentam uma maior resistência a essas substâncias. Portanto, esses animais podem agir como organismos sentinelas para o monitoramento dos níveis de contaminantes", complementa.

Como explica o oceanógrafo, nos Estados Unidos existe uma campanha que estimula mulheres grávidas ou em idade fértil a evitar o consumo de peixes, como o tubarão e o atum, já que o mercúrio é capaz de atravessar a placenta e causar danos hepáticos e neurológicos ao feto. "O monitoramento dos níveis dos poluentes serve para orientarmos políticas públicas que podem, em determinado momento, sugerir até mesmo o banimento do uso dessas substâncias em produtos de uso cotidiano. Além disso, a área metropolitana do Rio serve de termômetro para o resto do estado", explica.

Entre os principais desdobramentos do projeto, José Lailson destaca a participação da bióloga Tatiana Lemos Bisi, que, desde seu doutorado – defendido em 2011, na UFRJ –, estuda os níveis de contaminação do ambiente marinho das baías de Guanabara, Ilha Grande e Sepetiba. A bióloga explica que o método mais comum empregado para avaliar as relações alimentares – cientificamente conhecidas como relações tróficas – de animais marinhos normalmente é feito pela análise do conteúdo estomacal de indivíduos encalhados ou mesmo capturados acidentalmente. "No caso específico de meus estudos, empregamos também a análise de isótopos estáveis de carbono e de nitrogênio no tecido muscular desses animais, capaz de refletir sua dieta ao longo do tempo. A análise dos isótopos permite conhecer o grupo de alimentos consumidos por eles, determinando a fonte primária de carbono e sua posição na cadeia alimentar", descreve Tatiana.

O trabalho da bióloga tem sido facilitado desde que a equipe coordenada por Lailson adquiriu, com recursos do edital de Apoio à Aquisição de Equipamentos, parceria da Capes com a FAPERJ, uma lancha de dois motores, equipada com um moderno sistema de navegação. "Antes, tínhamos uma embarcação mais rústica, que nos possibilitava apenas realizar pesquisas no interior da baía de Guanabara. Agora, aumentamos nosso raio de atuação até Maricá, chegando à Ilha do Farol, em Arraial do Cabo, o que tem impulsionado nossas pesquisas e contribuído para o treinamento e a formação dos alunos da pós-graduação", explica o oceanógrafo. "Também adquirimos equipamentos de atirar flechas não letais, dotadas de um coletor de pele e gordura para animais marinhos, na técnica conhecida como biópsia remota. Com isso, procedemos à análise genética do material e a identificação dos contaminantes nele encontrados", complementa Laílson.

Foi mensurando os isótopos de carbono e de nitrogênio, que Tatiana estudou as relações alimentares em amostras coletadas de boto-cinza e de 34 espécies de presas desses mamíferos marinhos – cinco invertebrados e 29 peixes de diferentes hábitos alimentares –, nas três baías costeiras do Rio de Janeiro. "Avaliamos a capacidade de acumular mercúrio nos tecidos musculares a partir do que foi ingerido. É a chamada bioacumulação. Esse processo tem um efeito cascata ao longo da cadeia alimentar, com concentrações mais elevadas nos animais no topo de cadeia – a chamada biomagnificação", afirma. 

Segundo Tatiana, as características ambientais podem levar à exportação de contaminantes de um determinado local para zonas costeiras adjacentes. Um exemplo é a baía da Ilha Grande, que embora seja uma área preservada, apresentou o valor de biomagnificação de mercúrio em comparação às outras duas baías. "Esse resultado sugere um maior percentual de mercúrio disponível para incorporação pelos organismos marinhos naquela baía, provavelmente proveniente da Baía de Sepetiba, onde é complexado pela matéria orgânica dissolvida e transportado para áreas adjacentes. Por outro lado, verificamos que a biodisponibilidade, ou seja, a capacidade de absorção de contaminantes pelos organismos vivos é menor na região de Sepetiba, onde encontramos menores concentrações de mercúrio", explica.

Além do boto-cinza e dos golfinhos, a equipe coordenada por José Laílson, a bióloga Tatiana Bisi e diversos outros pesquisadores de diferentes instituições do estado também identificaram, no litoral fluminense, a corvina como um bom indicador da qualidade do ambiente marinho. Trata-se de um peixe pequeno, que chega a medir até 60 centímetros de comprimento e está entre os mais pescados na baía de Guanabara. "Num trabalho conjunto com a Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio), estamos investigando também a cocoroca, outro pequeno peixe predador, que tem uma área de vida pequena, vivendo próximo à arrebentação e aos costões rochosos", destaca Lailson. A ideia agora é ampliar os estudos para amostras raras de baleias encalhadas ou capturadas acidentalmente, tartarugas-verdes, que comem basicamente algas, entre outros animais marinhos. "Assim, pretendemos monitorar como os poluentes estão sendo acumulados e transferidos ao longo das cadeias alimentares marinhas", conclui Lailson.

Fonte: FAPERJ 



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