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domingo, 11 de abril de 2010

Uma semana de pesadelo em Niterói

Deslizamento no Morro do Bumba, em foto de Moscatelli. (Fonte: www.srzd.com.br)


Nos remotos anos de 1893-1894, Niterói foi atacada pelo bombardeio que vinha de navios ancorados na Baía de Guanabara, rebelados contra o governo da recém criada República: era a Revolta da Armada. Bairros foram destruídos e milhares de pessoas foram mortas ou feridas. Agora, 126 anos depois, vemos a cidade ser duramente destruída de novo. Por que lembrar isso agora? Porque nas duas ocasiões, tanto no bombardeio como nas atuais chuvas, a destruição veio pelas mãos do homem. Desta vez, não foram as bombas, mas a falta de capacidade do poder público de ordenar o uso do solo, a falta de opção de moradia que empurra a população para as áreas de risco e a ação de políticos demagogos que estimulam a ocupação dessas áreas.
E a natureza? Segundo algumas fontes, essa teria sido a mais intensa chuva da história do Rio de Janeiro, mas não podemos culpar a natureza. Chuvas torrenciais sempre aconteceram, mas faltou-nos, ao longo de tantos séculos de existência da nossa cidade, a capacidade de aprender a conviver com a presença recorrente delas. E a situação ainda pode piorar. Segundo alertam os cientistas, as mudanças climáticas (que têm origem antrópica) farão com que eventos extremos como o que estamos passando sejam cada vez mais frequentes. Portanto, não é mais possível que a cidade continue a ser gerida como tem sido. É preciso controlar a ocupação das encostas, retirar as pessoas das áreas de risco e devolver às encostas a sua verdadeira vocação: serem áreas protegidas.

Lembro-me sempre de um fato emblemático da atitude da administração pública de Niterói com relação à questão do uso do solo: na campanha eleitoral de 1982, quando Waldenir Bragança foi eleito prefeito de Niterói, eu era o presidente de uma organização ambientalista na cidade, o Movimento de Resistência Ecológica-MORE. Organizei um debate entre os candidatos à administração da cidade sobre temas ambientais e urbanísticos. Na ocasião, um dos candidatos, ao responder sobre gabaritos (altura dos prédios) afirmou que “quem deveria regular o assunto seria a aeronáutica”. Ou seja, afirmava o ilustre candidato que, enquanto fosse possível passar avião por cima da cidade, estava tudo bem. Para a nossa sorte o tal candidato não foi eleito, mas a sua concepção de gestão de cidade parece ter feito escola. Niterói se verticalizou, tanto no asfalto quanto no morro. É preciso reconhecer o óbvio, que deve haver um limite para o crescimento da cidade, o que é condicionado pela infraestrutura e pela vocação de cada espaço.

Não é o que observamos em Niterói. Sem investir em infraestrutura viária e em outras necessidades básicas, a cidade tem sido conivente com as ambições do setor imobiliário e permitido que todos os bairros sejam tomados gradativamente pelos espigões. Enquanto isso, não há qualquer ação para controlar a ocupação das encostas. Portanto, o que presenciamos é apenas uma lamentável tragédia anunciada. E o incidente no Morro do Bumba, cujo risco já havia sido alertado por especialistas, parece ser a síntese do problema: a ocupação por uma comunidade de baixa renda feita sobre um lixão produzido pelo próprio poder público, que após transferir a mesma prática para o Morro do Céu, simplesmente abandonou o local e a sua população à própria (má) sorte.

Aliás, não parece uma ironia que os lugares escolhidos para abrigar lixões tenham sempre nomes bucólicos como Morro do Céu, Viçoso Jardim, Jardim Gramacho, etc?

Da coluna "Rumo Náutico", de Axel Grael. Jornal O Fluminense, de 10/04/2010.

Um comentário:

  1. Caro Grael. Seu artigo, histórico-pedagógico, peca apenas por uma falha. Me permito corrigí-la: por que o prefeito JRS resolveu pagar seis mil reais por mês a alguns cavaleiros de triste figura ? Apenas para lhe dar "conselhos" ? Mas, que tipo de conselho um dono de jornal e tubarão do ensino pode dar que beneficie Niterói? O que mais me impressiona nessa história é como um cara sabidamente preguiçoso como o Jorginho consegue enganar a população de uma ex-capital de estado durante tanto tempo. Parabéns pela lucidez do artigo. João Bosco Gaspar, jornalista

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