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segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

ÁRVORES GRANDES CONSOMEM E ARMAZENAM MAIS CARBONO


Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, Amapá: floresta com estatura avantajada. Léo Ramos Chaves / Revista Pesquisa FAPESP

Em toda a bacia amazônica, gases de efeito estufa levam a um crescimento acelerado da vegetação de maior estatura

Há muito se ouve falar sobre a iminência de a Amazônia atingir o ponto de não retorno e tornar-se degradada. Nos últimos anos as notícias foram ficando cada vez piores, diminuindo a capacidade da floresta de captar carbono. Agora, chega uma boa notícia: as árvores estão se tornando maiores por toda a região, possivelmente em consequência do aumento do teor de gás carbônico (CO₂) na atmosfera, segundo artigo publicado no final de setembro na revista científica Nature Plants. O aumento foi mais evidente nas árvores maiores.

Os dados mostraram que o tamanho médio das árvores amazônicas cresceu 3,3%, por década, nos últimos 30 anos, enquanto o tamanho máximo aumentou 5,8%. Isso indica que as árvores maiores conseguiram se beneficiar mais do acréscimo de carbono ao ar, embora toda a floresta tenha aumentado, de modo geral. Por toda a bacia amazônica, a proporção de troncos com diâmetro maior de 40 centímetros (cm) aumentou. “Usamos inventários florestais que integram uma rede chamada RAINFoR, nos quais os pesquisadores medem a floresta em cada um desses locais ao longo de muito tempo”, explica a ecóloga brasileira Adriane Esquivel-Muelbert, da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, primeira autora do artigo. Nos nove países amazônicos, integrantes da rede vão periodicamente a campo e medem as mesmas árvores, identificando quais sobreviveram.

A medida usada é o que os especialistas chamam de área basal, que quantifica quanto espaço o tronco ocupa se a árvore fosse cortada a uma distância de 1,3 metro (m) acima do chão. “Se há alguma deformidade no tronco, medimos mais acima”, relata Esquivel-Muelbert. “Para garantir que a medição seja feita sempre no mesmo lugar, pintamos uma marca no tronco.” Assim é possível, ano após ano, avaliar mudanças. O que transparece disso é que as árvores com mais de 40 cm de diâmetro são cada vez mais numerosas e maiores, mas o aumento das árvores com tronco entre 10 cm e 20 cm não é tão perceptível. “O ideal seria termos a biomassa de cada árvore, mas não conseguimos ter precisão suficiente na estimativa da altura para acompanhar o crescimento”, afirma.

O artigo interpreta a observação como um sinal de resiliência da floresta, que assim se afirmaria como um estoque de carbono. O bônus é retirar o CO₂ da atmosfera, mas essa função de sumidouro não basta para amenizar os danos causados pela emissão desenfreada pelo mundo afora.

O resultado é surpreendente porque estudos recentes indicam que a Amazônia estaria se tornando mais fonte do que captadora de carbono (ver Pesquisa FAPESP nº 321). “Esses estudos são feitos em uma escala diferente e olham para vários tipos de floresta ao mesmo tempo, inclusive áreas desmatadas”, diz a ecóloga. “Nós olhamos só para a floresta madura, e isso faz muita diferença.” Ou seja, não há contraposição, porque os objetivos de estudo são distintos. As áreas desmatadas de fato são fonte de carbono, e o problema é elas predominarem sobre as de floresta madura. “A capacidade de sumidouro das florestas maduras está diminuindo, existe uma previsão de que esse efeito pare de existir em 2030”, diz Esquivel-Muelbert. Para reverter isso, é preciso garantir a permanência dessas florestas, além de reduzir a emissão de combustíveis fósseis.

Mostrar que as árvores maiores, muito longevas, estão resistindo às mudanças climáticas pode ser um bom sinal, caso elas sejam mais resilientes do que se calculou até agora. Experimentos florestais que simulam uma seca extrema mostraram, anteriormente, que as árvores muito grandes podem morrer subitamente em situações de seca, por uma falha hidráulica no transporte de água das raízes às folhas (ver Pesquisa FAPESP nº 238). As secas estão, justamente, cada vez mais acentuadas e frequentes no contexto atual de mu­dança do clima.

Mas isso não é o que se vê na realidade, de acordo com o biólogo brasileiro Paulo Bittencourt, pesquisador na Universidade de Cardiff, no Reino Unido. “Aparentemente as árvores grandes não são mais limitadas por seca do que as pequenas, nas áreas onde vivem”, afirma ele, que estuda árvores gigantes na Amazônia brasileira (ver Pesquisa FAPESP nº 336) e na Malásia. “O monitoramento na Malásia tem mostrado que elas estão muito bem depois de uma forte seca e que se aclimataram mudando atributos da madeira.” Dados preliminares com o angelim-vermelho (Dinizia excelsa), no Amapá, mostram a mesma coisa.

Entender como árvores que podem passar dos 40 m de altura resolvem o desafio de engenharia hidráulica é uma questão ainda em aberto, mas Bittencourt tem avançado nessa investigação. Sobressair-se acima do dossel da floresta também é um risco no que diz respeito a atrair raios durante tempestades e a rachar por causa de rajadas de vento, riscos que parecem ter um papel mais preponderante.

Continuamos a tentar entender as árvores gigantes”, diz a pesquisadora de Cambridge. “Como elas são raras na paisagem, é difícil entender o que causa a mortalidade.” Bittencourt acrescenta que é preciso repensar os estudos. “Muitos inventários se baseiam em parcelas de 1 hectare (ha), nas quais não há mais do que 10 árvores grandes”, explica. “Se uma cai, o efeito na biomassa da parcela é muito grande.” A fatia de 1% das árvores que representam as maiores da floresta acumula cerca de 50% da biomassa vegetal. Esquivel-Muelbert tem trabalhado com parcelas de 1.500 ha, justamente em busca de sanar essa limitação.

Para o biólogo Rafael Oliveira, que participou do experimento de seca “Esecaflor” e do estudo liderado por Bittencourt com árvores gigantes do Amapá, o estudo de Esquivel-Muelbert pode sugerir uma mudança no olhar sobre o papel da Amazônia no ciclo do carbono. “Quem estuda vegetação sabe que ela tem mecanismos de resistência a diversos fatores estressantes”, afirma. O cenário de colapso que domina as projeções vem, segundo ele, de modelos climatológicos que não levam em conta a fisiologia das árvores e de uma amostragem ampla da paisagem. “Precisamos de mais estudos na escala local, para monitorar o que a vegetação está fazendo.”

Esquivel-Muelbert ressalta a necessidade de investimento de longo prazo, por vários países, nesse tipo de estudo. “Só vamos entender a dinâmica da floresta se continuarmos a fazer inventários detalhados”, avisa a pesquisadora, que considera os dados de longo prazo uma infraestrutura científica importante.

Ela ressalta também que experimentos são muito importantes para entender os mecanismos. Um deles é o AmazonFACE, que despejará CO₂ em trechos da floresta amazônica para medir a reação da vegetação. “Será que elas investem mais em frutos ou em crescimento?”, exemplifica a ecóloga. O primeiro pulso de emissão do gás, conta Bittencourt, deve acontecer em breve, com intenção de começar de fato o experimento no início de 2026. “Talvez as árvores aumentem sua biomassa, talvez fiquem mais resistentes à seca por transpirarem menos, talvez já tenham atingido seu limite de aclimatação e não mudem nada”, propõe. Segundo ele, o mais empolgante do artigo da colega de Cambridge é que a observação na escala da bacia amazônica se encaixa perfeitamente nas percepções mais atuais.

A reportagem acima foi publicada com o título “Devoradoras de carbono” na edição impressa nº 357, de novembro de 2025.

Fonte: Revista Pesquisa FAPESP


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