Uma das salas de negociações da SB62. Fonte: Iclei |
![]() |
Plenário principal da SB62. Foto Axel Grael. |
Estive recentemente na Alemanha, participando da Conferência de Bonn - SB62 (62ª Sessão dos Órgãos Subsidiários da UNFCCC), que aconteceu de 16 a 26 de junho, na antiga capital alemã.
As Conferências SB acontecem ordinariamente, a cada ano, sempre no mês de junho, promovidas pelos principais órgãos subsidiários da UNFCCC: o Órgão Subsidiário de Implementação - SBI, responsável pela implementação prática das decisões da Convenção, do Protocolo de Quioto e do Acordo de Paris, e o Órgão Subsidiário de Assessoramento Científico e Tecnológico - SBSTA. Estes eventos são momentos preparatórios para as respectivas COPs e são realizados em Bonn, pois a cidade sedia vários órgãos da ONU, dentre eles, a UN Climate Change, o secretariado que apoia a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima - UNFCCC (as siglas acabam sendo sempre usadas em inglês).
No caso da SB62, o interesse foi ainda maior pois é considerada uma "pré-COP30" - a próxima conferência das partes que se realizará em Belém (PA), em novembro de 2025. Há uma especial expectativa em torno da COP30, pois poderá destravar a agenda climática, com a apresentação das novas NDCs, que renovarão os compromissos dos países, firmados há 10 anos em Paris, mas não cumpridos. Com as novas NDCs, espera-se obter, enfim, a aceleração das medidas de implementação. Portanto, a COP30 poderá ser um marco importante da agenda climática, como foram o Protocolo de Quioto e o Acordo de Paris.
Participando de uma das mesas de discussão. |
Participei das agendas da primeira semana do evento, como Consultor Estratégico de Sustentabilidade e Clima da Prefeitura de Niterói, e como membro do Comitê Executivo Global (GExCom), onde sou responsável pelo Portfólio de Mudanças Climáticas, e Comitê Regional da América do Sul (RExCom) da organização ICLEI - Governos Locais pela Sustentabilidade. O ICLEI reúne mais de 2.500 cidades e governos locais no mundo, atuando em mais de 125 países.
O ICLEI, que também tem sede em Bonn, organizou mais uma vez o evento Daring Cities, reunindo cidades e governos locais para fortalecer o protagonismo dos governos subnacionais na agenda climática.
Delegação do ICLEI na SB62, em Bonn. |
- Marjorie Kauffmann, Secretária do Meio Ambiente e Infraestrutura do Rio Grande do Sul e vice-presidente do ICLEI América do Sul;
- Axel Grael, Consultor Estratégico de Sustentabilidade e Clima da cidade de Niterói (RJ);
- André Godinho, Secretário Executivo para a COP30;
- María Pilar Bueno, Subsecretaria de Mudança Climática e Transição Ecológica da cidade de Rosário, Argentina;
- Gutemberg Silva, Diretor-Presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amapá (FAPEAP);
- Leonardo Rodrigues e Renata de Araújo, representantes da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais.
Na etapa de preparação para a COP30, as prioridades do Brasil em Bonn eram produzir textos viáveis diplomaticamente para aprovação em Belém sobre: (1) transição justa, (2) adaptação e (3) o chamado Global Stocktake - GST, o Balanço Global. Trata-se de uma metodologia para estimular o aumento da ambição dos países nas suas metas nacionais, as NDCs, e o monitoramento da implementação. "É ele que trata, por exemplo, da eliminação gradual dos combustíveis fósseis (tema hoje maldito nas negociações) e no fim do desmatamento até 2030" (Observatório do Clima).
Por sua vez, o grande objetivo da SB62 era resolver pendências importantes da COP29, em Baku (Azerbaijão), principalmente relacionadas ao financiamento das ações de adaptação e mitigação climáticas, além de aprovar documentos que encaminhem decisões na COP30, em Belém.
Embaixador Corrêa do Lago e Ana Toni. Foto: Rafa Neddermeyer/COP30 Brasil Amazônia/PR |
O embaixador André Corrêa do Lago e a economista e cientista política Ana Toni, respectivamente, presidente e diretora executiva disignados para a COP30, tiveram uma atuação determinante para a superação dos impasses e garantia de resultados que encaminhem decisões para o evento em Belém. Os dois líderes brasileiros enfatizaram a todo momento a necessidade de priorizar a implementação das ações: Ana Toni repetia o seu mantra: "Implementar, implementar, implementar!" Também causou muito impacto a apresentação do conceito da tradicional expressão brasileira: "mutirão". Precisamos de um mutirão mundial contra as mudanças climáticas! O termo caiu no gosto dos negociadores e participantes dos debates e ouvíamos por toda parte.
Com o intuito de mobilizar as ações necessárias para o sucesso da COP30, a Presidência publicou quatro cartas à comunidade internacional. Leia os conteúdos das cartas do embaixador Corrêa do Lago:
Primeira Carta da Presidência (10 de março de 2025)Segunda Carta da Presidência (8 de maio de 2025)
Terceira Carta da Presidência (23 de maio de 2025)
Quarta Carta da Presidência (20 de junho de 2025)
Para que se entenda o nível de dificuldades, os primeiros dias da conferência foram perdidos numa longa discussão sobre a agenda do trabalhos. O impasse atrasou o início dos debates em pelo menos dois dias! Tal fato aconteceu devido a um grupo de países, coordenados pela Arábia Saudita, Bolívia, China e Índia, que tentaram forçar a rediscussão do financiamento climático, considerando que o resultado de Baku (cujo objetivo era justamente definir as responsabilidades e metas financeiras) foi considerado frustrante. A COP29 aprovou a chamada NCQG (New Collective Quantified Goal for Climate Finance) que definiu a meta de financiamento em US$ 300 bilhões/ano em 2035, o que triplicou a meta então vigente, que era de US$ 100 bilhões anuais, mas decepcionou os países em desenvolvimento e a sociedade civil que lutou pela meta de US$ 1,3 trilhão.
O Brasil tem evitado a inclusão de qualquer novo tema na agenda da COP30 para não desviar o foco dos seus temas que já são muito desafiantes, enquanto os países ricos, que segundo o Acordo de Paris deverão tomar a iniciativa de aportar a maior parte dos recursos - sempre resistiram contra o tema. Por isso, os países desenvolvidos trabalharam contra a demanda. O grupo de países que retornaram o assunto na SB62, passou a ser chamado nos bastidores, de forma pejorativa, de "like-minded developing countries” - LMDC (um trocadilho: "países em desenvolvimento com ideias semelhantes" x "países em desenvolvimento em busca de 'likes'").
Segundo o relato do Observatório do Clima ("Brasil evita fracasso em Bonn"):
"... a Bolívia propôs um novo item de agenda para discutir o artigo 9.1 do Acordo de Paris (que fala sobre essa responsabilidade) e outro para debater o que os países em desenvolvimento chamam de “medidas unilaterais” de comércio (como a taxa de ajuste de fronteira de carbono da Europa)". A Europa não reconheceu essa argumentação. Chegou-se, enfim, a um acordo: "Em troca, as “medidas unilaterais” e as discussões do 9.1 foram encaminhadas na forma de um rodapé na agenda e mais consultas ficaram de ser feitas daqui até a COP30 sobre os dois assuntos".
Algumas opiniões e avaliações dos resultados
Observadores da sociedade civil, da imprensa e participantes governamentais tiveram em geral a opinião que tivemos avanços e impasses importantes foram superados ou tiveram encaminhamentos para a sua superação. A diretora-executiva designada para a COP30, Ana Toni, também considerou o resultados positivos, apesar do ambiente de negociação difícil. Houve avanços no programa de trabalho sobre Transição Justa e nos diálogos do Balanço Global (GST) e em especial a Agenda de Ação da COP30. "A proposta foi bem recebida por governos, empresas, sociedade civil e povos indígenas. A ideia de acelerar ressoou. Todos querem avançar" (Agência Brasil).
O ClimaInfo, foi mais cauteloso: "Com avanços tímidos e impasses em temas importantes, o encontro não conseguiu destravar a agenda de negociação para a COP em Belém (PA), o que joga mais pressão sobre a presidência brasileira da Conferência".
Acesse o bom balanço de opiniões e análises de resultados feito pelo site ClimaInfo.
Matéria do jornal O Globo (27/06/2025), intitulado "Nem tão Bonn: Brasil vê avanços em agenda Pré-COP na Alemanha, mas resultado 'morno' aflige organizações ambientais", mostra preocupações mas publicou as dificuldades perante alguns impasses, deu destaque ao Global Stocktake e apontou as declarações de alguns interlocutores. Embora o Greenpeace Brasil tenha considerado em comunicado oficial que o resultado foi 'morno', Anna Cárcamo, especialista do Greenpeace Brasil celebrou na matéria que o texto final recusou a proposta de alguns países para a inclusão da continuidade do uso de combustíveis fósseis. Ana Toni destacou: "Quando iniciamos a reunião, há duas semanas, a geopolítica, que estava muito ruim, piorou muito. Portanto, estamos muito felizes que o regime climático de alguma forma tenha demonstrado força (...) Houve um pouco de dificuldade no início, mas agora nós temos temos textos para apresentar, o que é realmente uma ótima notícia". A embaixadora Liliam Chagas, negociadora-chefe do Brasil em Bonn, declarou: "O fato de as delegações terem conseguido chegar a acordo sobre os textos básicos que constituirão o conteúdo das decisões da COP30 e de terem acolhido apenas algumas divergências é realmente um resultado muito positivo. Embora não tenhamos concordado em 100% sobre os três tópicos que gostaríamos de ter convergido aqui, eles estão avançando muito, e estão preparados para serem finalizados em Belém".
A matéria "Conferência preparatória da COP30 deixa principais impasses de Belém sem solução; entenda em 5 pontos", do G1, traz uma boa explanação dos pontos que ficaram em divergências.
Resistências
Os países do LMDC e a coalizão de países árabes foram contra qualquer tipo de imposição de métricas obrigatórias que pudessem implicar novos encargos legais. O grupo LMDC defende o princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, e pressiona para que os países desenvolvidos arquem com a maior parte das ações de mitigação e do financiamento climático. Em contraste, pequenos Estados insulares (AOSIS), países latino-americanos e desenvolvidos defenderam a inclusão de metas mais ambiciosas com parâmetros mensuráveis. (Pedro Côrtes/CNN Brasil). Neste tema, o documento segue para Belém com duas versões para futura decisão em novembro.
Transição Justa
Quanto à Transição Justa, temática fortemente defendida pela sociedade civil, foi construído um texto promissor para Belém, uma vez superada um conflito com a Bolívia, que tentou incluir na última hora um texto que admitia que os países em desenvolvimento pudessem aumentar o seu consumo de combustíveis fósseis.
Adaptação
O tema da Adaptação foi um dos últimos a obter um acordo. O Observatório do Clima descreveu o processo da seguinte forma:
"Na quinta-feira, dia 26, final da conferência, as negociações travaram por conta do terceiro elemento prioritário para o Brasil: adaptação. A COP30 é o lugar onde precisam ser adotados os indicadores para a Meta Global de Adaptação negociada em Dubai em 2023. Uma série de outras decisões relacionadas à adaptação já haviam sido adotadas em Bonn, mas o texto sobre os indicadores – uma série de recomendações a serem enviadas aos especialistas encarregados de fechar a lista – travou na barreira de sempre: dinheiro. Quais são os critérios corretos de meios de implementação (ou seja, financiamento) para avaliar as medidas de adaptação? Recursos domésticos e ajuda ao desenvolvimento podem ser computados como dinheiro para adaptação? Os países ricos tentaram manobrar para, também aqui, livrar-se de responsabilidade. O Grupo Sur, integrado por Brasil, Paraguai, Uruguai e Equador, contra-atacou com propostas em nome de todo o G77, o grupo de 130 nações em desenvolvimento, enquanto a presidência brasileira manobrava nos bastidores para destravar o tema".
![]() |
Participantes do evento Daring Cities, organizado pelo ICLEI. Arquivo ICLEI. |
Vimos com motivação os avanços da mobilização e do protagonismo dos governos subnacionais. O evento Daring Cities e outros momentos na agenda para o debate sobre cidades e clima foram muito proveitosos. Em vários momentos, a nossa agenda foi prestigiada pela presença do Presidência da COP30 e outros representantes do governo federal brasileiro. Tive a oportunidade de fazer a fala de encerramento do Daring Cities e resumir os temas e conclusões das diversas mesas.
Veja mais aqui no relato do evento no site do ICLEI.
AXEL GRAELPrefeito de Niterói (2021-2024)
Membro do Conselho Executivo Global do ICLEI
Consultor Estratégico para Sustentabilidade e Clima da Prefeitura de Niterói
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Contribua. Deixe aqui a sua crítica, comentário ou complementação ao conteúdo da mensagem postada no Blog do Axel Grael. Obrigado.