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segunda-feira, 14 de outubro de 2019

Cacá Diegues publica artigo elogiando a política de cultura de Niterói





Do outro lado da Baía

Em proporção a seu orçamento, Niterói já é a 9ª cidade do país que mais investe em cultura. E a primeira do estado

No final do ano passado, Renata Almeida Magalhães, minha esposa e produtora, produziu, em Niterói, o filme “Aumenta que é rock’n’roll”, dirigido pelo jovem realizador Tomás Portella, a partir do livro “A onda maldita”, de Luiz Antonio Mello. O autor do livro foi o fundador da célebre Rádio Fluminense que, a partir de 1982, lançou todas as jovens bandas populares daquele momento e se tornou um sucesso único entre a juventude das cidades próximas, como o Rio de Janeiro. E ainda colaborou com uma renovação cultural e de costumes, para a nova democracia que se anunciava no horizonte.

Voltei portanto a Niterói, para onde, quando era criança, minha mãe me levava com meus irmãos, para tomar banho de mar no Saco de São Francisco. E onde, adolescente aspirante a cineasta, visitei Nelson Pereira dos Santos e sua família, que então moravam na cidade. Redescobri Niterói.

Todo estudioso do assunto sabe que a primeira sessão de cinema na América do Sul, deu-se no Rio de Janeiro, na Rua do Ouvidor, em 8 de julho de 1896. Mas há controvérsias quanto à primeira imagem filmada no Brasil, a inauguração da produção cinematográfica no país. Minha aposta é em Affonso Segretto que, com seus irmãos Paschoal e Caetano, se tornaria depois o mais importante grupo exibidor de cinema do Rio de Janeiro, a então capital federal.

A imagem que o empresário ítalo-brasileiro registrou do navio em que voltava da Europa foi a da entrada da Baía de Guanabara, com suas águas transparentes protegidas pelos picos do Maciço da Tijuca. E ainda as baleias que ali nasciam, se criavam e vinham mais tarde visitar. Seu projeto talvez fosse registrar a capital. Mas, ocupando inevitavelmente parte do enquadramento, lá estava também Niterói, do outro lado da Baía, com suas praias e prédios serenos.

Mais de um século depois, Niterói confirma essa presença fundadora, tornando-se uma espécie de futura capital brasileira do cinema. Semana passada, estive lá para a inauguração, pelo prefeito Rodrigo Neves, do Auditório Nelson Pereira dos Santos.

Com 490 lugares, a sala é parte de conjunto arquitetônico de Oscar Niemeyer. Ela servirá à exibição de filmes, bem como a concertos, conferências, espetáculos teatrais ou de música popular, como parte de um complexo cultural. Ali, o prefeito Rodrigo Neves anunciou, para o futuro próximo, a criação de um Museu do Cinema Brasileiro. Seria bem oportuno, porque, do jeito que o governo federal o tem tratado, nosso cinema pode mesmo desaparecer em breve.

Quando a cultura se torna um alvo preferencial a ser abatido, com a eliminação de incentivos federais e a tentativa disfarçada de reinstaurar a censura, a prefeitura de Niterói abre os braços generosos para ela. Proporcionalmente a seu orçamento, Niterói já é a nona cidade do país que mais investe em cultura. E a primeira do estado. A atual prefeitura criou incentivos para que empresas locais possam abater do IPTU e do ISS aquilo que investirem na cultura. E qualquer produção brasileira de audiovisual pode também se servir do fomento, quando utilizar a cidade como cenário.

A prefeitura de Niterói também cuida da preparação de profissionais da área, numa cooperação frutuosa com a Faculdade de Cinema da Universidade Federal Fluminense (UFF), uma das primeiras escolas de cinema do Brasil, fundada pelo mesmo Nelson Pereira dos Santos. Alguns desses profissionais participaram, com louvor, da equipe de “Aumenta que é rock’n’roll”.

Segundo o prefeito Rodrigo Neves, a Secretaria de Cultura do município toca um Museu de Arte Popular; o Teatro Municipal, criado por João Caetano no século XIX; uma companhia de balé, como a do Municipal do Rio; o Arte na Rua, um apoio a artistas de rua; o Teatro Oscar Niemeyer; e o Aprendiz, programa de iniciação musical em escolas públicas. “Investimos no Aprendiz”, diz o prefeito, “porque, como sociólogo e amante da cultura, tenho a convicção de que a criança e o adolescente que têm contato com a arte dificilmente vai, um dia, empunhar uma arma. A cultura é fundamental para a autoestima de Niterói, mas também para a redução das desigualdades e prevenção à violência”.

Como seria bom que o resto do Brasil seguisse esse exemplo de Niterói.

Fonte: O Globo











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