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terça-feira, 7 de maio de 2019

Com corte de 30%, 'risco de não conseguir manter a universidade aberta se torna real', afirma reitor da UFF



O reitor da UFF, Antonio Claudio Lucas da Nóbrega, afirma que o bloqueio anunciado de 30% do orçamento pode impossibilitar o funcionamento das universidades federais Foto: Emily Almeida / Agência O Globo


Antonio Claudio da Nóbrega lembra que já havia déficit previsto de R$ 30 milhões para a instituição antes mesmo do bloqueio anunciado na terça-feira pelo ministro da Educação

Helena Borges

RIO — Com um bloqueio de 30% do orçamento , é possível que as universidades federais não consigam abrir as portas. A afirmação é do reitor da Universidade Federal Fluminense (UFF), Antonio Claudio Lucas da Nóbrega.

Ele comanda umas das três universidades federais criticadas peloministro da Educação , Abraham Weintraub . Ele afirmou na terça-feira (30) que a UFF, a Universidade de Brasília (UnB) e a Universidade Federal da Bahia ( UFBA ) sofreriam um contingenciamento de 30% de suas verbas por serem palco de eventos com "balbúrdia" e "gente pelada".
No mesmo dia, o Ministério da Educação (MEC) divulgou notainformando que a medida se aplicaria a todas as universidades e institutos federais, e não apenas às três criticadas pelo chefe da pasta.

Em entrevista ao GLOBO, por telefone, o reitor da UFF explica que a situação orçamentária das universidades brasileiras já era complexa antes do anúncio do provável corte, com seguidos contingenciamentos dos orçamentos desde 2014.

Na UFF, Nóbrega explica que a conta já estava no negativo em R$ 30 milhões e que vinha "cortando na carne" para equilibrar os números. Agora, afirma o gestor, "o risco de não conseguir manter a universidade aberta se torna real".

No entanto, ele diz acreditar ser possível resolver a situação na base da conversa:

— Ainda tenho a expectativa de que o governo consiga atender o orçamento para, pelo menos, retornar ao que a gente tinha antes. Pedi audiência com o ministro.

O bloqueio anunciado compromete de fato o funcionamento da UFF?

Sou reitor há cinco meses. Desde então, temos implementado uma série de mudanças para resolver o déficit de R$ 30 milhões, que já era previsto antes do corte. Aqui na UFF, nós vivemos um dia depois do outro. Agora, com esse corte de 30%, o risco de não conseguir manter a universidade aberta se torna real.

A situação orçamentária das universidades federais já estava complicada?

Temos feito o possível para explicar à comunidade acadêmica sobre as dificuldades de orçamento que já tínhamos. Acompanho de perto desde 2014: os orçamentos das universidades sofreram pouca variação desde então. Diante disso, há um cenário de inflação em escalada. A luz, por exemplo, teve um reajuste muito acima da inflação. Serviços como segurança e limpeza, que precisamos terceirizar, têm reajustes constantes e mais altos que a inflação. Ao mesmo tempo, nós estamos em processo de expansão histórica. Esse é um movimento que não dá para voltar atrás da noite para o dia, é uma política de Estado, funciona a longo prazo.

“Não sei de outro órgão, público ou privado, que passe por tantas fiscalizações como nós. Não somos uma caixa preta, longe disso. ” ANTONIO CLAUDIO DA NÓBREGA, Reitor da UFF

O senhor falou em déficit de R$ 30 milhões. Como se chegou a esse valor?

Hoje, para manter a universidade funcionando, precisamos de cerca de R$ 17 milhões por mês, quase R$ 200 milhões por ano. É o necessário para manter as 50 mil pessoas de nossa comunidade acadêmica trabalhando e estudando nos nove municípios em que estamos. Isso dá uma perspectiva do tamanho e da complexidade da UFF. Nosso orçamento previsto, antes do corte anunciado, era de R$ 170 milhões. Assim sendo, antes mesmo do anúncio deste corte, já tínhamos um déficit previsto de R$ 30 milhões para este ano. E isso se soma a uma dívida que vem desde antes. É a tempestade perfeita: uma dívida que se arrasta, um congelamento do orçamento ano após ano e os custos subindo. E agora cortar 30%.

O que vinha sendo feito para resolver o buraco que já havia nas contas e o que fazer para resolver caso o corte de 30% se concretize?

Quando assumi na UFF fizemos um diagnóstico profundo da universidade. Quando vimos o déficit, refizemos todos os processos, ajustamos todos os contratos, renegociamos dívidas, cortamos os celulares funcionais, redimensionamos os transportes. Em suma: cortamos na carne, fazendo um ajuste de gestão. Dessa forma estávamos caminhando para resolver o problema deficitário dos R$ 30 milhões deste ano. Agora, uma vez feito esse ajuste, todo o trabalho que tivemos, o corte de 30% elimina completamente nossa capacidade de administrar o caos que já estava se formando.

Então como resolver a questão?

Ainda tenho a expectativa de que o governo consiga atender o orçamento para, pelo menos, retornar ao que a gente tinha antes. Pedi audiência com o ministro. Talvez eles não tenham a real dimensão de tudo que as universidades podem fazer pelo país. Espero que a gente consiga mostrar que passam pelas universidades as soluções que todos buscam para o Brasil. O investimento nas universidades não é um dinheiro jogado no ralo. Elas têm um papel fundamental e histórico na busca do equilíbrio socioeconômico. Na universidade as pessoas se capacitam, buscam soluções para a sociedade, geram riqueza através da educação, geram mais impostos. Aumentar a competitividade da nossa indústria também é papel das universidades. Gerar inovação também. Nos últimos anos, por exemplo, nós quadruplicamos a produção de patentes pela UFF.

Voltar ao orçamento previsto, ainda que já deficitário, resolveria a situação?

Essa é a grande questão do bode na sala. Imagina se agora o governo diz que não vai mais contingenciar. O recado geral vai ser o de que está tudo bem nas universidades. Não está. Nosso problema vai continuar existindo. Porque voltar à situação “normal” é retornar a esse déficit de R$ 30 milhões.

O ministro da Educação anunciou inicialmente o corte de 30% para universidades onde acontecem “balbúrdia” e são promovidos eventos com “gente pelada”. Citou especificamente a UFF, a UFBA e a UnB. O senhor conversou com os reitores das outras duas universidades?

Conversei sim, e longamente, com o João Carlos, reitor da UFBA. Ficamos muito preocupados com o que se caracterizou como ausência de possibilidade de conversa. Ao fim e ao cabo, todos nós somos gestores públicos. Tenho certeza de que todos queremos que o Brasil vá pra frente. Na conversa que tive com os outros dois reitores, ficou claro para mim que temos a mesma percepção: nenhuma de nossas universidades sediou eventos agressivos ou que sejam ilegais, até porque nossa responsabilidade é defender o patrimônio e a lei. É óbvio que a universidade é um espaço de manifestação livre do pensamento. E quem se sentir ofendido, ou que aponte algo que acredite ser ilegal, tem o caminho institucional para resolver isso. Não sei de outro órgão, público ou privado, que passe por tantas fiscalizações como nós. Não somos uma caixa preta, longe disso. Recebemos o Ministério Público, o Tribunal de Contas e muitos outros órgãos fiscalizadores, presentes nas universidades federais diariamente.


Fonte: O Globo









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