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quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

Artigo de Tasso Azevedo: "Vento tem dono?"






Deputados estão de olho em um naco das receitas do setor de energia eólica

Seria cômico se não fosse trágico. O Congresso se prepara para votar uma PEC que torna os ventos bens da União e permite a cobrança de royalties pelo aproveitamento energético eólico. Obra de um deputado do Piauí, relatada por outro de Pernambuco. Os ilustres representantes do povo estão de olho em um naco das receitas do setor de energia eólica, a fonte que mais cresceu em nossa matriz energética nos últimos anos.

Os argumentos do projeto de emenda constitucional são patéticos, indicando que a medida seria necessária para compensar os municípios, estados e a União pelas perdas do potencial turístico e outras atividades econômicas (sem apresentar uma única evidência para tal afirmação).

O que viria depois? Cobrar dos pescadores e velejadores por usar a energia do vento para mover as embarcações? Cobrar das companhias aéreas, paraquedistas ou até, quem sabe, dos meninos que empinam pipa por se apoiar no vento para voar? Se o Congresso legisla que vento tem dono, então poderia fazer o mesmo com a energia do sol. Daí o próximo passo seria cobrar dos agricultores por usar o sol para produzir alimentos, fibras e energia ou taxar cada residência que tenha aquecimento solar de água ou células fotovoltaicas.

"O que viria depois? Cobrar dos pescadores e velejadores por usar a energia do vento para mover as embarcações? Cobrar das companhias aéreas, paraquedistas ou até, quem sabe, dos meninos que empinam pipa por se apoiar no vento para voar?" 

O movimento é ainda mais absurdo quando se considera que o governo propôs, e o Congresso aprovou, no apagar das luzes de 2017, um generoso pacote de centenas de bilhões de reais de renúncia fiscal para o setor de petróleo e gás. Agora, parece querer compensar a perda de arrecadação cobrando pelo vento.

Quando mais precisamos lutar para reduzir emissões de gases de efeito estufa, o Brasil resolve ampliar o desserviço à nossa economia e à saúde do planeta ao incentivar energia fóssil e poluente e desincentivar a energia limpa e renovável.

"Quando mais precisamos lutar para reduzir emissões de gases de efeito estufa, o Brasil resolve (...) incentivar energia fóssil e poluente e desincentivar a energia limpa e renovável".

Para o Nordeste, quanto pior. A energia eólica já é a principal fonte de energia da região, provendo mais da metade da demanda de eletricidade. Traz emprego, renda, investimento e segurança energética para a região. Se ela se tornar menos competitiva, pode perder espaço nos leilões de geração para termelétrica e outros projetos em outras regiões do país. O tiro vai sair pela culatra. Vão matar a galinha dos ovos de ouro.

"Para o Nordeste, quanto pior". Se a "energia eólica (...) se tornar menos competitiva, pode perder espaço nos leilões de geração para termelétrica e outros projetos em outras regiões do país. O tiro vai sair pela culatra. Vão matar a galinha dos ovos de ouro".

Se é preciso aumentar a arrecadação sobre o setor de energia, que o façam com uma taxa extra sobre os combustíveis fósseis (por exemplo alterando a Cide), o que seria justificável e alinhado com o compromisso brasileiro para redução de emissões de gases de efeito estufa. Se, ainda assim, querem ser mais abrangentes, poderiam incluir um prêmio extra no valor da energia (de qualquer fonte), evitando reduzir a competitividade das fontes renováveis.

Se o Brasil decidir tomar posse do vento e cobrar royalties pelo seu uso, seria o único país do mundo a fazê-lo. Desta jabuticaba nós, definitivamente, não precisamos.

"Se o Brasil decidir tomar posse do vento e cobrar royalties pelo seu uso, seria o único país do mundo a fazê-lo".


Tasso Azevedo é engenheiro florestal


Fonte: O Globo










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