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quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

Análise de sedimentos de cratera reconstituirá 1 milhão de anos da Mata Atlântica



Pesquisadores de cinco países vão analisar vestígios presentes em sedimentos para recontar como a vegetação do bioma reagiu às mudanças climáticas – Foto: Reprodução / Agência Fapesp


Pesquisa analisou sedimentos da cratera de Colônia, localizada em Parelheiros, na Grande São Paulo

Parecia uma perfuração comum para a construção de um poço artesiano em propriedade rural. No entanto, tratava-se da retirada de 50 metros de sedimentos, armazenados em longos tubos de aço. Tudo para recontar o último milhão de anos da biosfera e dinâmica da Mata Atlântica em uma área no extremo sul do município de São Paulo.

No início de agosto, uma equipe de pesquisadores da USP, da Universidade de Campinas (Unicamp) e do Instituto Francês de Pesquisa para o Desenvolvimento (IRD) iniciou a perfuração e análise de sedimentos depositados na cratera de Colônia, depressão de 3,6 quilômetros (km) de diâmetro e até 450 metros de profundidade que se estende por 10,2 km² no bairro de Parelheiros, na cidade de São Paulo.

A coleta do testemunho – termo usado para amostras coletadas do subsolo – permitirá a análise de vestígios contidos no sedimento, tais como material microbiano, pólen, , gases do efeito estufa, algas, e isótopos (átomos variantes de um mesmo elemento químico com mesmo número de prótons mas diferente número de nêutrons). Com isso, será possível identificar registros das variações de insolação que causaram vários ciclos glaciais e interglaciais na história do Planeta, assim como o impacto que os períodos de chuva e estiagem tiveram na Mata Atlântica.


O sedimento retirado da cratera de Colônia é muito rico em informações sobre como o bioma da Mata Atlântica reagiu às diversas mudanças climáticas – Foto: Reprodução / Agência Fapesp


“Pelo fato da região ser uma bacia, foi possível o acúmulo de sedimentos ao longo do período Quaternário [últimos 2,6 milhões de anos]. Os 50 metros de sedimentos que estamos retirando vão mostrar registros dos últimos 800 mil a 1 milhão de anos”, disse André Oliveira Sawakuchi, integrante do projeto e coordenador do Laboratório de Espectrometria Gama e Luminescência do Instituto de Geociências (IGc) da USP. O laboratório foi equipado com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e será um dos locais de análise do material.

Para Sawakuchi, o estudo tem a importância de servir como um registro da relação entre as mudanças na Mata Atlântica e as mudanças no clima. Isso poderá ser extrapolado também para outras florestas tropicais.

“Existem estudos desse tipo para florestas temperadas, mas são raros os realizados em áreas tropicais. As informações obtidas não dizem respeito apenas à floresta em si, mas também à quantidade de chuva e aos períodos de estiagem e chuva mais intensa”, disse Marie-Pierre Ledru, do IRD, que divide a coordenação do projeto com Sawakuchi.

O sedimento retirado da cratera de Colônia é muito rico em informações sobre o que se passou na região e também sobre como o bioma da Mata Atlântica reagiu às diversas mudanças climáticas. A partir da análise de componentes orgânicos contidos no sedimento e dos seus isótopos (variação de elementos químicos), é possível obter informações sobre o tipo de vegetação e até das chuvas que caíram há milhares de anos.

“A planta absorve os isótopos de hidrogênio da água da chuva. Assim, os vestígios de plantas preservados nos sedimentos representam um outro tipo de arquivo climático”, disse Sawakuchi. Outro bom indício sobre o passado da Mata Atlântica é a análise do pólen disseminado no sedimento, que permite identificar a diversidade florística das plantas que existiam no local.

Com a análise de gases presentes nos poros do sedimento será possível também investigar como a comunidade de micróbios que vive no subsolo, atua na produção de gases como dióxido de carbono e metano — causadores do efeito estufa.

“As perguntas que tentamos responder estão relacionadas com ciclos naturais que fazem parte do clima da Terra. Nos últimos 800 mil anos, houve uma série de glaciações em uma frequência de cerca de 100 mil anos. Em nosso projeto de pesquisa, temos diferentes frentes de estudos que permitirão obter uma análise ampla desse período”, disse Patricia Roeser, integrante do projeto e pesquisadora do Centro Europeu de Pesquisa e Ensino de Geociências Ambiental (Cerege), na França.

Centros de pesquisa integrados

A análise do material coletado será feita em três etapas. A primeira, consiste na perfuração e coleta de testemunhos e, a segunda, nas análises dos gases de efeito estufa, assim como da microbiologia no local.

“O drilling [local da perfuração] está a 100 metros de distância do mini laboratório. O material vem para o mini laboratório, onde são feitas amostragens. É preciso fazer isso o quanto antes para evitar riscos de contaminação. Depois, as amostras serão levadas para pesquisadores em diversos países”, diz Patricia, que é responsável pela análise no local.

Na terceira etapa serão feitas as análises em vestígios como isótopos, pólen e algas por especialistas espalhados em diversos centros de pesquisa no mundo. “É um projeto interdisciplinar, com 17 pesquisadores especialistas em diferentes áreas. Serão feitas análises em laboratórios na USP e em países como Suíça, França, Estados Unidos e Alemanha. Depois disso, o material do testemunho volta para o Brasil para ser arquivado na Universidade”, explica Marie-Pierre Ledru.

Cratera-lago-turfeira





O projeto de pesquisa denominado Tropicol não é o primeiro estudo sobre a vegetação na região da cratera de Colônia. A área é estudada desde a década de 1960, no que se refere à sua formação, resultado de provável queda de um meteorito. No entanto, somente a partir da década de 1980 iniciaram-se os estudos sobre clima e vegetação.

“Não temos muito esse tipo de pesquisa no mundo. Os estudos de sondagens profundas de atividade microbiana nos continentes — não falando de pesquisas oceânicas — iniciaram há menos de 10 anos. Os primeiros resultados exibem uma relação do glacial ou interglacial com o tipo de comunidade microbiana. Vamos observar como funciona no caso da cratera de Colônia. Estamos curiosos para saber os resultados das análises”, constatou Patricia Roesel.

Uma perfuração realizada em 2014 na cratera na zona Sul de São Paulo — no âmbito do Projeto Temático Dimensions US-Biota São Paulo — produziu testemunhos de 14 metros de profundidade, portanto, restritos aos últimos 250 mil anos, descobriu-se que durante um longo período de tempo havia um lago no interior cratera. A mudança de lago para área pantanosa teria acontecido há aproximadamente 120 mil anos.


O material coletado na cratera poderá impulsionar novos estudos sobre mudanças climáticas e Mata Atlântica – Foto: Reprodução / Agência Fapesp


“Já sabemos que os sedimentos daqui são ricos em pólen e matéria orgânica, bom para o estudo da evolução da Mata Atlântica. Outro fato curioso é que, a partir de 11 metros de profundidade, encontramos sedimentos depositados em lago. A maioria dos sedimentos que preenchem a cratera são desse tipo. Isso quer dizer que na maior parte do tempo de vida da cratera ela teria sido um lago”, disse André Sawakuchi.

Sabe-se também que a cratera tem uma espessura máxima de 450 metros de sedimentos acumulados e espessura máxima de 450 metros — de acordo com o projeto de pesquisa Investigação geofísica da estrutura de colônia, São Paulo — apoiado pela Fapesp.

“O objetivo futuro é fazer perfurações e amostras desses 450 metros. Com isso, será possível amostrar a rocha da base da cratera para definir se houve realmente impacto de meteorito. As imagens de satélite da cratera não deixam dúvidas, mas esse estudo traria a confirmação na rocha”, afirma Marie-Pierre Ledru.

Constatando que o material que acabou de ser coletado na cratera poderá impulsionar novos estudos sobre mudanças climáticas e Mata Atlântica, a cientista revela que há interesse em estudar futuramente como a variação da energia solar impacta a biodiversidade, criando processos de extinção e de aparecimento de espécies, algo pouco pouco conhecido ainda. “Não temos respostas para o processo natural de extinção e atualmente estamos em um processo de extinção em grande parte causado pelo homem”, diz.

Marie-Pierre explica que o Planeta está passando por uma nova fase do ciclo solar — quando a atividade do sol se torna mais intensa em frequência aproximada de onze anos, ao mesmo tempo que os gases do efeito estufa estão em altos níveis. “Será importante conhecer esses efeitos de mudanças de energia no substrato das florestas tropicais. Com isso, poderemos saber como as mudanças de energia podem impactar futuras extinções e o aparecimento de espécies. Fazendo uma conexão entre o passado e o presente, que sofre com a ação do homem, criando algo completamente novo na Terra. É ainda apenas uma nova possibilidade de estudo. Pesquisas de clima, paleoclima e paleobiologia necessitam de vários indicadores como os captados na cratera de Colônia.”

Maria Fernanda Ziegler / Agência Fapesp, com edição do Jornal da USP (Leia aqui o texto original)


Fonte: Jornal da USP









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