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domingo, 18 de dezembro de 2016

Pesquisas inéditas mostram que reciclagem de cápsulas de café é problemática no Brasil



No Rio, cooperativado separa as cápsulas, cuja mistura de materiais orgânico e inorgânico é obstáculo para reciclagem - Custódio Coimbra / Agência O Globo

Na coopertativa CoopFuturo, em Irajá, as cápsulas são descartadas como resíduos, sem reaproveitamento - Custódio Coimbra / Agência O Globo



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RIO - Com perspectivas de dobrar a participação de mercado em volume de vendas até 2019 no Brasil, as cápsulas de café chegam ao século XXI, porém, sem uma das premissas mais importantes destes novos tempos: a sustentabilidade. Informações inéditas levantadas a pedido do GLOBO pela associação de consumidores Proteste e por pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) mostram que, hoje, as três principais marcas no mercado brasileiro — Dolce Gusto, Nespresso e Três Corações — falham em cumprir sua responsabilidade na destinação correta dos resíduos, determinada pelo princípio de logística reversa presente na Política Nacional dos Resíduos Sólidos (PNRS). Na prática, apesar de as empresas apontarem as cápsulas como recicláveis, a reutilização do material é, hoje, basicamente inviável no Brasil. Essencial no conceito de logística reversa, porém, a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos mostra que, no caso das cápsulas, os consumidores e o serviço público também estão falhando.

Na avaliação de rótulos e de canais de comunicação das três marcas, a Proteste constatou que nenhuma delas cumpre a legislação da PNRS, deixando de orientar sobre o descarte correto das cápsulas. A Nespresso e a Dolce Gusto oferecem pontos de coleta das cápsulas, destinadas posteriormente a sistemas internos de reciclagem — sem divulgar, porém, o volume processado até hoje alegando confidencialidade. Na primeira, são 28 pontos no país; já a Dolce Gusto oferece 15. A Proteste, porém, avaliou que a comunicação sobre estes pontos é quase inexistente, presente apenas nos sites — no caso da Dolce Gusto, a associação avaliou que "o site da empresa não é muito claro e informa sobre os programas de reciclagem europeus, mostrando que a preocupação com o cumprimento das leis brasileiras ainda está longe de ser uma prioridade". Já a Três Corações, além de não fornecer orientações nos rótulos, como as outras marcas, não tem, hoje, um programa de reciclagem — que afirma estar em desenvolvimento.

Porém, mesmo que as cápsulas cheguem aos sistemas públicos de reciclagem — presentes em apenas 18% dos municípios, segundo dados do Compromisso Empresarial para Reciclagem (Cempre) — na prática, não há know how, nem mercado, para estes resíduos. Após análises fisico-químicas de cápsulas das três marcas, uma pesquisa preliminar liderada pela professora do Departamento de Saneamento e Ambiente da Unicamp Ana Paula Bortoleto concluiu que não há viabilidade técnica para a reciclagem — por obstáculos que vão da mistura de componentes (a borra de café, além do alumínio no caso da Nespresso, e plástico na Dolce Gusto e Três Corações) à diferença de composição material entre as marcas. Considerando, porém, todo o ciclo de vida do produto, a análise apontou também que a extração e processamento do alumínio virgem tem alto custo ao meio ambiente e que, no caso dos polímeros usados majoritariamente pela Dolce Gusto e Três Corações, a reciclagem é complexa e requer uma segregação cuidadosa. Há ainda a geração do lixo eletrônico com a máquina e dificuldades no transporte pelo peso e propriedades orgânicas da borra de café, que fica úmida após o uso.

— Se você pensar no impacto de uma cápsula, realmente ele não parece muito grande. Mas esse mercado traz o incentivo ao consumo de algo que não existia antes. O tamanho é sempre a desculpa, mas tente juntar as cápsulas que se consome por um mês e perceba o impacto. Não existe solução mágica para a cápsula — resume Bortoleto.

Clooney é criticado

Lá fora, o impacto ambiental das cápsulas de café já é debatido há anos — e George Clooney, o rosto da publicidade da Nespresso, contou ao jornal inglês “The Guardian" que, desde então, vem sendo questionado pela sustentabilidade do produto ao qual empresta a sua fama, o que o fez acompanhar de perto a cadeia de produção.

Outro nome que remete à discussão é o de John Sylvan, que criou uma versão americana para o café em cápsulas, o K-Cup, e já declarou publicamente o seu arrependimento pelo impacto ambiental da invenção. Já Jean-Paul Gaillard, ex-executivo da Nespresso, fundou a Ethical Coffee Company, uma empresa que produz cápsulas biodegradáveis.

Segundo a classificação da ONG europeia Zero Waste, o café em cápsulas é a modalidade da bebida mais danosa ao meio ambiente; as com menor impacto são o pó de café em cafeteira ou máquina expressa e café em sachê. Neste contexto, a cidade de Hamburgo, na Alemanha, baniu das repartições públicas, no início do ano, o café em cápsulas, além de outros descartáveis.

Enquanto isso, no Brasil, uma pesquisa da Associação Brasileira da Indústria de Café (ABIC) com a consultoria Euromonitor prevê que o café em cápsulas, responsável por 0,6% do volume de vendas de café em 2014, dobre para 1,1% em 2019. A ABIC estima ainda que, em 2019, sejam consumidas 16 mil toneladas da categoria — em 2014, foram 6 mil toneladas. Dados da Kantar Worldpanel mostram que, em 2015, mais de 80% do volume foi comprado pelas classes AB, e metade nas regiões metropolitanas de Rio de Janeiro e São Paulo.

— A expansão das cápsulas é uma tendência firme. Mas ela foi tão rápida que os fabricantes não tiveram tempo de se debruçar sobre o problema ambiental. Acredito que a questão da sustentabilidade está em caminho de resolução — pontua Natan Herszkowicz, diretor executivo da ABIC.

O GLOBO consultou cooperativas do Rio e de São Paulo e todas foram enfáticas: não há quem recicle as cápsulas no Brasil. Fernanda Cubiaco, do Movimento Lixo Zero, destaca que a logística reversa deve ser uma premissa das empresas:

— Por estarem vindo ao mundo em pleno século XXI, as indústrias têm que nascer de outra forma, com um mecanismo de logística reversa. E as políticas públicas devem punir aquelas empresas que não se adequam — defende, lembrando que as cápsulas biodegradáveis precisam de coleta orgânica para se decomporem.

Marcas explicam suas ações para a sustentabilidade

Em nota, a Dolce Gusto destacou que “cumpre rigorosamente a legislação brasileira” e oferece informações claras no site. Além disso, afirmou que recicla as cápsulas coletadas através de um processo de extrusão, que gera uma resina plástica.


Já a Três Corações apontou que orienta sobre o descarte correto através do Serviço de Atendimento ao Cliente (SAC) e que “está em fase de finalização de sua nova fábrica de cápsulas no Brasil, em Montes Claros (MG). A nova planta industrial contará com uma célula-piloto para viabilizar a proposta de separação, tratamento, destinação e transformação dos materiais de suas cápsulas”.

Por sua vez, a Nespresso afirmou que as embalagens têm o símbolo internacional de reciclagem e que a marca “está em constante comunicação com sua base de clientes”. A empresa destacou ainda: “Houve um esforço de aproximação com as principais cooperativas de reciclagem de alumínio, infelizmente sem sucesso. Não havia no país know-how de reciclagem deste seguimento de cápsulas de café feitas de alumínio, portanto a Nespresso desenvolveu maquinário que faz a separação [da borra de café e do alumínio], em Barueri (SP)”.


Fonte: O Globo








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