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sábado, 9 de julho de 2016

RURALIDADE FLUMINENSE: livro e documentário discutem a nova configuração da vida no campo



Reprodução do livro com reflexões sobre o 'novo rural brasileiro': diversidade econômica e cultural no campo


Débora Motta

Idealizada por muitos como um refúgio bucólico, perto da natureza e distante do caos das grandes cidades, a vida no campo está, na realidade, longe de ser pacata e tradicional. De acordo com a antropóloga Maria José Carneiro, professora titular e pesquisadora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), o conceito de “rural” no estado do Rio de Janeiro não deve ser compreendido como um espaço homogêneo, isolado da cidade e prestes a desaparecer ao ser urbanizado. “O espaço rural é diverso e se mantém vivo, apesar das influências urbanas. Seus moradores se relacionam com os valores e hábitos urbanos e apresenta um modo de vida próprio e diverso”, pondera Maria José.




A antropóloga é autora do livro Ruralidades Contemporâneas – modos de viver e pensar o rural na sociedade urbana brasileira, lançado por meio do programa Apoio à Editoração (APQ 3), da FAPERJ (Editora Mauad X, 2012, 268 p). A obra, que é uma coletânea de artigos dela e de seus alunos de pós-graduação, reflete, com uma visão antropológica, sobre questões presentes em zonas rurais dos estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, como, por exemplo, a reconstrução do espaço rural a partir da interação com sistemas de valores e práticas urbanos; a presença de atividades não agrícolas, relacionadas ao turismo, ao comércio e à confecção de roupas; a reelaboração de tradições e identidades culturais, motivada pela migração de moradores das cidades ao campo, os chamados "neorurais"; além de uma introdução teórica abordando o "rural" como categoria de análise.

Maria José destaca que as comunidades rurais do interior fluminense não são mais voltadas fundamentalmente para a agricultura. Ela vem estudando, há cerca de vinte anos as zonas rurais de Nova Friburgo, na Região Serrana do Rio, onde há um polo de fabricação de lingerie. "Isso não quer dizer que não haja agricultura e identidades sociais com base na relação com a terra. São famílias que vivem ali há dois séculos, originárias da primeira experiência de colonização oficial do Brasil, em 1818, que trouxe migrantes suíços e alemães para a região que vem a ser hoje o município de Nova Friburgo", contextualiza.

"No estado do Rio de Janeiro, é visível a relação do rural com atividades não agrícolas, entre elas o turismo e a construção civil. (...) Os camponeses muitas vezes trabalham no campo e também são pedreiros, jardineiros, faxineiras, garçons ou empregados em pequenas confecções”

Hoje, esse espaço rural também abriga pessoas de camadas médias urbanas, em busca de uma melhor qualidade de vida fora dos grandes centros. “No estado do Rio de Janeiro, é visível a relação do rural com atividades não agrícolas, entre elas o turismo e a construção civil. Há uma combinação peculiar dessas atividades pelos trabalhadores rurais, o que chamamos de pluriatividade. Os camponeses muitas vezes trabalham no campo e também são pedreiros, jardineiros, faxineiras, garçons ou empregados em pequenas confecções”, explica.


A exibição do documentário Tempo da Terra reuniu agricultores familiares da região de São Pedro da Serra (Foto: Divulgação)


Outra produção de Maria José nessa linha temática é o documentário Tempo da terra, que retrata a vida desses pequenos agricultores familiares no município de São Pedro da Serra e arredores, na Região Serrana (veja o filme aqui: https://www.youtube.com/watch?v=kZBjWd6-_AA). Lançado em abril de 2016, a produção é um dos desdobramentos do projeto de pesquisa contemplado pela FAPERJ com o programa Apoio a Projetos de Extensão e Pesquisa – ExtPesq. “Eu realizei Tempo da terra junto com jovens de um coletivo da Zona Norte do Rio, o Cafuné na Laje. Eles costumam promover a exibição de filmes na laje, como também se dedicam à produção de filmes junto à comunidade. Atribuo a eles a sensibilidade e a estética da fotografia e montagem”, conta.

Trata-se de um média-metragem, com cerca de 30 minutos. “É um documentário etnográfico que vai ser exibido na reunião da Associação Brasileira de Antropologia em João Pessoa, no dia 6 de agosto deste ano. Ele foi selecionado para concorrer ao premio Pierre Verger, concedido pela associação”, completa a pesquisadora, que concluiu seu doutorado em Antropologia Social na École des Hautes Études em Sciences Sociales, em Paris. “O meu objetivo agora é divulgar amplamente o filme, principalmente em escolas do Estado, visando difundir temas do mundo rural fluminense, pouco conhecido e debatido nas escolas e pouco valorizado pelo governo”, completa.

O agricultor familiar Jaílton Eller é um exemplo da abertura do campo a outras atividades que vão além da tradicional agricultura. Ele concilia o trabalho na roça com a construção civil. De acordo com o seu depoimento no documentário, economicamente, a construção civil oferece rendimentos mais rápidos que a lavoura. Porém, a agricultura tem para ele um valor insubstituível. “Hoje todo o sistema capitalista preza o imediatismo e faz as pessoas se esquecerem do valor do tempo. Do tempo de espera que a pessoa tem que ter, do cuidado com a planta, com a família. Sou pedreiro de ofício hoje, mas um agricultor apaixonado”, diz. Essa paixão pela terra é apontada pela pesquisadora como uma característica que define bem os pequenos agricultores. “Os camponeses entrevistados têm um verdadeiro afeto pela terra e é na relação com ela que criam um modo de vida próprio e definem as suas identidades, o jeito de ser e de viver. Não querem sair do campo, ainda que muitos tenham sido obrigados a partir para a cidade devido à ausência de condições de se manterem como agricultores”, observa.

Na região de Nova Friburgo, ocorre o predomínio de pequenas e médias propriedades rurais, que cultivam especialmente as olerícolas – como o inhame, o pimentão, a batata, a berinjela, a couve-flor e também a banana. No estado do Rio de Janeiro, a agricultura é considerada um setor de pequena relevância para a economia, contribuindo com menos de 2% do Produto Interno Bruto (PIB) estadual, que tem maior participação dos setores de comércio e serviços, principalmente, e da indústria. Mas é em São Pedro da Serra que se encontra o maior produtor familiar de couve-flor do País. “Da região de Nova Friburgo, a maior parte da produção agrícola é escoada para o mercado de Irajá, no Rio, ou mesmo para o de Conquista, em Friburgo. A venda de forma autônoma, pelos próprios produtores, sem atravessadores, é realidade de poucos”, acrescenta.

"No estado do Rio de Janeiro, a agricultura é considerada um setor de pequena relevância para a economia, contribuindo com menos de 2% do Produto Interno Bruto (PIB) estadual".


O livro e o documentário lançam um olhar sobre uma significativa parcela da população brasileira, ainda pouco conhecida pelos moradores das cidades. Afinal, mesmo que mais de dois terços da população estejam contabilizados como urbanos, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a maioria dos habitantes dos pequenos municípios está nas áreas rurais.

“Pesquisas qualitativas revelam que são justamente os mais jovens os mais suscetíveis à mudança de ramo profissional, encontrando ocupações no campo que, em alguns casos, oferecem remuneração superior à agrícola, além de serem menos penosas. A esse movimento foi designada a expressão de ‘novo rural brasileiro’”, detalhou Maria José. “Desse modo, o estudo busca identificar essa ruralidade contemporânea, marcada pela coexistência de diferentes códigos culturais e pela interação entre eles”, conclui Maria José, que foi Cientista do Nosso Estado da FAPERJ, de 2006 a 2010.

Fonte: FAPERJ








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