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segunda-feira, 20 de julho de 2015

MUDANÇAS CLIMÁTICAS - Crises hídricas tendem a se agravar, afirma especialista


Trizidela do Vale, Maranhão, 2009 (foto: Antonio Cruz/ABr)


Elton Alisson, de São Carlos | Agência FAPESP

A crise hídrica que algumas regiões do Brasil estão enfrentando atualmente não é um fenômeno atual, mas já vem ocorrendo há muito tempo no mundo e é caracterizada não apenas pela seca e a falta de água em regiões, como o Sudeste do país, mas também por extremos hidrológicos, como as inundações que estão acontecendo na região Sul.

A avaliação foi feita por José Galizia Tundisi, presidente honorário do Instituto Internacional de Ecologia (IEE), em uma conferência sobre gestão de recursos hídricos realizada na quinta-feira (16/07), durante a 67ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

Aberta no domingo (12/07), a reunião ocorre até o próximo sábado (18/07), no campus da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

De acordo com Tundisi, as crises hídricas, como as observadas no Brasil nos últimos anos, vêm acontecendo em diferentes partes do mundo há séculos e começaram a ficar mais acentuadas a partir da metade do século 20.

“Em 2014, por exemplo, foi registrada a pior seca no Nordeste e a maior enchente em Foz do Iguaçu, no Paraná. E, nesta semana, o Rio Grande do Sul e Santa Catarina têm sido afetados por um volume de chuva excepcional, que tem causado enchentes e, consequentemente, a perda de propriedades e ameaçado a população”, apontou.

Algumas das razões do agravamento das crises hídricas no país e no mundo nas últimas décadas apontadas pelo pesquisador são o aumento da população em áreas urbanas, que demandam grandes volumes de água e produzem enormes quantidades de resíduos sólidos e líquidos, além da competição pelo uso do recurso natural.

Os recursos hídricos continentais, que representam apenas 2,7% do volume total de água doce da Terra, são usados hoje para múltiplas atividades humanas, como para produção industrial, agrícola e o abastecimento residencial.

E as mudanças no uso da terra, como a conversão de áreas de floresta para a plantação ou pecuária, têm afetado a evapotranspiração – a transpiração da vegetação que mantém a água na atmosfera.

Essa combinação de fatores tem causado a degradação da qualidade da água no mundo e um aumento das enchentes e secas que afetam populações especialmente da periferia das grandes metrópoles, ressaltou Tundisi.

“As populações da periferia de cidades como São Paulo, Recife, Salvador, Fortaleza, Nairóbi, Calcutá, Nova Délhi e Bangcoc possuem uma grande vulnerabilidade aos extremos hidrológicos e falta de acessibilidade à agua”, afirmou.

Enquanto a população moradora no centro de áreas metropolitanas grandes e médias gasta cerca de 1% de seus salários para adquirir água, as populações das periferias usam aproximadamente 10% de seus recursos para ter acesso à água fornecida por carros-pipa, apontou um estudo realizado em Cochabamba por pesquisadores colaboradores do IIE, ilustrou Tundisi.

“Ainda há cerca de 768 milhões de pessoas sem acesso a fontes adequadas de água e 2,5 bilhões de habitantes no planeta sem acesso a saneamento básico adequado. Isso representa um grande fracasso da economia mundial”, avaliou.

Evolução do problema

A pedido da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), o pesquisador realizou um estudo em que analisou a evolução dos principais problemas que afetaram a qualidade da água nos últimos 150 anos.

No começo da segunda metade do século 19 havia uma enorme contaminação das águas de rios europeus pela falta de tratamento de esgoto, que começou a se agravar a partir do início do século 20 com o aumento da população urbana, contou Tundisi.

Em 1863, por exemplo, a rainha Vitória (1819-1901), da Inglaterra, foi pressionada pelo Parlamento britânico a realizar a limpeza do rio Tâmisa, que banha Oxford e Londres.

“O mau cheiro das águas do rio, que passa próximo ao Parlamento britânico, fez com que os membros da instituição pressionassem a rainha a despoluir o rio. Foi o primeiro ato de limpeza de um rio feito no mundo”, disse Tundisi.

O problema da poluição dos rios no mundo começou a se agravar no século 20 com o aumento da produção industrial, que começou a produzir grandes quantidades de metais pesados, contou o pesquisador.

Já a partir da década de 1940, com as explosões atômicas, houve um aumento dos resíduos radioativos em corpos aquáticos, e em 1960, os lixões nas cidades começaram a contaminar ainda mais as águas superficiais subterrâneas.

Mais recentemente, a partir das últimas décadas, começou a ocorrer um processo de degradação das águas relacionado a poluentes persistentes orgânicos, como pesticidas, herbicidas e hormônios. E, no início do século 21, emergiram as mudanças climáticas globais, resumiu Tundisi.

“Todos esses processos que ocorreram em, aproximadamente, 150 anos nos países industrializados, em países em desenvolvimento, como os BRICs, eles ocorreram em cerca de 70 anos”, comparou.

“Houve uma industrialização rápida nos países em desenvolvimento. Isso causou um aumento da toxicidade da água, tanto superficiais como subterrâneas, além de ter efeitos econômicos e na saúde humana, os quais muitos ainda são desconhecidos”, afirmou.

Segundo o pesquisador, os medicamentos e cosméticos utilizados pela população mundial são lançados e dissolvidos pela água e não são retidos pelos sistemas de tratamento hidrológico.

Recentemente descobriu-se que estações de esgoto estão acumulando bactérias resistentes aos antibióticos lançados na água, o que representa um problema de saúde pública, apontou o pesquisador.

“Hoje, para analisar todo o conjunto de substâncias dissolvidas na água é preciso ter laboratórios com equipamento altamente sofisticados, que são muito caros e não são todos os países que conseguiriam adquiri-los”, afirmou.

“Temos um projeto com a União Europeia em que sugerimos a instalação de laboratórios nas Américas do Sul e Central para fazermos uma análise e levantamento das substâncias presentes nas águas dos países dessas regiões e estudarmos soluções para eliminá-las”, contou.


Fonte: Agência FAPESP


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