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quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Fungo letal a anfíbios está disseminado pela Mata Atlântica


Anfíbio da espécie Hypsiboas albomarginatus infectado pela doença (foto: Luís Felipe Toledo)


Pesquisadores constatam que causador de doença que atinge a pele e é uma das principais causas do declínio mundial de anfíbios também já se encontra na Amazônia e no Cerrado

Por Elton Alisson

Agência FAPESP – Uma doença infecciosa e letal tem sido apontada como uma das principais causas do declínio mundial e da perda de espécies de anfíbios – os animais mais ameaçados de extinção no planeta.

Trata-se da quitridiomicose – doença que infecta células com queratina da epiderme de anfíbios adultos, causando desequilíbrio nas trocas gasosa, de água e de eletrólitos pela pele desses animais e levando-os à morte por parada cardíaca. Em girinos, o fungo degrada a queratina dos dentículos, dificultando a alimentação e prejudicando o crescimento.

“Ao permanecer mais tempo como girinos e metamorfosear com tamanhos menores, esses animais têm mais chances de serem predados na natureza, o que pode provocar o declínio dessa população”, disse Luís Felipe Toledo, professor do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), à Agência FAPESP.

Um estudo coordenado por ele e realizado por um consórcio de pesquisadores de universidades e instituições de pesquisa do Brasil e dos Estados Unidos no âmbito do projeto “Into the heart of an epidemic: a US-Brazil collaboration for integrative studies of the amphibian-killing fungus in Brazil”, apoiado pela FAPESP, revelou que o fungo causador da quitridiomicose – o Batrachochytrium dendrobatidis (Bd) – está amplamente disseminado pela Mata Atlântica e já se encontra presente em outros biomas brasileiros, como a Amazônia e o Cerrado.

Além disso, o Brasil tem uma linhagem nativa e outra híbrida do fungo, provavelmente mais virulenta do que a pandêmica em circulação pelo mundo, apontou o estudo.

“Constatamos que o Batrachochytrium dendrobatidis [Bd] não está mais restrito à Mata Atlântica e há pelo menos duas linhagens do fungo exclusivas no Brasil”, disse Toledo.

De acordo com o pesquisador, já se sabia, desde o começo dos anos 2000, da presença do fungo Bd na Mata Atlântica – bioma com a maior diversidade de anfíbios do país e onde esses animais sofrem os maiores riscos de extinção em razão de fatores como a destruição de habitats e a introdução de espécies invasoras.

Com o projeto apoiado pela FAPESP, realizado com o intuito de aumentar o conhecimento sobre a ecologia e a evolução da quitridiomicose nas Américas – onde os surtos da doença têm sido mais devastadores –, os pesquisadores identificaram que o fungo Bd está presente em uma ampla variedade de habitats e regiões da Mata Atlântica.

Até o início do projeto, o fungo havia sido detectado em cerca de 110 espécies de anuros (sapos) em vários habitats, principalmente nas porções sul e sudeste da Mata Atlântica, e em duas espécies de anuros do Cerrado – dois biomas com o maior número de espécies de anfíbios ameaçados de extinção no mundo.

Em um artigo já aceito para publicação na revista Diseases of Aquatic Organisms, os pesquisadores relatam que identificaram espécies de anuros infectados pelo fungo capturados na natureza também na região norte da Mata Atlântica, nos Estados da Bahia, Pernambuco e Minas Gerais.

Em outro artigo aceito para publicação na revista North-Western Journal of Zoology, eles também descrevem ter identificado exemplares de espécies de sapos da Mata Atlântica ameaçadas de extinção infectadas pelo fungo. Com isso, o número de espécies de anuros infectados por Bd na Mata Atlântica saltou para 128.

“Os resultados do nosso estudo indicam que o fungo Batrachochytrium dendrobatidis está presente em toda a Mata Atlântica e que atua como um agente patogênico generalista no bioma, infectando famílias de anuros com maior diversidade de espécies”, afirmou Toledo.

No artigo, os pesquisadores também relatam o primeiro registro de uma espécie de anuro capturado na natureza infectado pelo fungo na Amazônia, no Estado do Pará.

Até então, o único registro de anfíbio infectado na Amazônia era o de girinos de rã-touro (Lithobates catesbeianus) obtidos em um ranário comercial, disse Toledo.

“Estimamos que a presença do fungo Batrachochytrium dendrobatidis na Amazônia seja recente e menos abundante do que na Mata Atlântica”, afirmou o pesquisador. “Na Mata Atlântica, aproximadamente 40% dos anfíbios têm o fungo, enquanto na Amazônia a prevalência parece ser menor”, comparou.

O fungo em diversas fases (imagens: Luís Felipe Toledo)


Linhagem brasileira

Os pesquisadores também constataram que, além da linhagem pandêmica (Bd-GPL) do Batrachochytrium dendrobatidis (Bd), a Mata Atlântica também tem um linhagem “genuinamente brasileira”, batizada de Bd-Brazil, e outra linhagem híbrida entre o Bd-GPL e o Bd-Brazil, chamada Bd-Hybrid.

A descoberta da linhagem híbrida, descrita em artigo publicado na revista Molecular Ecology e, posteriormente, caracterizada em um artigo publicado na revista Proceedings of the National Academy os Sciences of the United States of America (PNAS), supreendeu os pesquisadores porque, até então, estimava-se que o fungo Bd se reproduzisse de maneira assexuada (sem a conjugação de material genético).

“A existência dessa linhagem híbrida indicou que tanto a linhagem Bd-Brazil como a Bd-GPL são capazes de se reproduzir de forma sexuada”, explicou Toledo.

Outra descoberta recente dos pesquisadores foi a de que a linhagem híbrida pode ser mais virulenta do que as linhagens brasileira e pandêmica do fungo, que causa perda e extinção de espécies em países da América Central, como o Panamá, além da Austrália e no oeste dos Estados Unidos.

Uma das razões para isso é que o fungo híbrido é maior e possui mais conteúdo de DNA do que as linhagens pandêmica e brasileira. Com isso, poderia produzir mais proteínas e enzimas que aumentariam a sua eficiência na infecção de anfíbios.

O fungo se propaga pela água. Os esporos flagelados (zoósporos) nadam até encontrar outro anfíbio, onde se convertem em cistos e se transformam em zoosporângios – onde os zoósporos se desenvolvem, explicou Toledo.

“Há uma relação entre a morfologia e o potencial de infecção do fungo”, disse Toledo. “A cepa pandêmica, por exemplo, pode ser maior, com zoósporos e zoosporângios com diâmetro maior do que os da linhagem brasileira do fungo e, consequentemente, mais virulenta”, explicou.

De acordo com o pesquisador, a existência na Mata Atlântica das três linhagens do fungo – incluindo a mais ancestral – sugeriu a hipótese de o patógeno ter surgido no bioma ou em outro lugar na América do Sul.

Os resultados dos estudos obtidos até o momento, contudo, apontam que ainda é prematuro e impossível indicar de forma inequívoca a origem geográfica do fungo e como ele poderia ter se disseminado pelo mundo, disse Toledo.

“Trabalhamos com a hipótese de que a linhagem brasileira se originou e permaneceu no Brasil e, mais recentemente, ter chegado ao país a linhagem pandêmica e as duas terem se hibridado”, afirmou.

Possíveis origens

Segundo os pesquisadores, desde a descoberta do fungo Bd em 1998 e da ligação dele com o declínio de espécies de anfíbios no mundo, têm sido levantadas diversas hipóteses para tentar explicar o surgimento e a transformação da quitridiomicose em uma doença pandêmica.

Uma delas é que o comércio internacional para consumo humano de rã-touro americana (Lithobates catesbeianus) – que é altamente resistente e frequentemente infectada pelo fungo – tenha contribuído para a propagação internacional da doença.

Os resultados do estudo realizados pelos pesquisadores brasileiros indicaram, porém, que o fungo Bd já estava presente no Brasil muito antes de essa espécie de rã nativa da América do Norte – que se tornou invasora no oeste da América do Norte, na América do Sul, na Europa e na Ásia – ter sido introduzida no Brasil, em meados da década de 1930.

“O comércio internacional de rã-touro pode ter contribuído para a propagação mundial da quitridiomicose, mas não foi o fator fundamental. O problema, agora, é que há ranários exportando animais infectados com a linhagem brasileira do fungo, que consegue se reproduzir de forma sexuada. Isso pode agravar ainda mais o problema em outros lugares do mundo”, disse Toledo.

Os pesquisadores encontraram durante o estudo exemplares de rã-touro americana criados em ranários na América do Sul e comercializadas nos Estados Unidos infectados com a linhagem brasileira do fungo.

“Não sabemos se as rãs foram exportadas para esses países pelo Brasil ou pelo Uruguai, mas deveria ter algum mecanismo de controle e segurança nesses países para evitar que a situação se agrave com o passar do tempo”, alertou Toledo.

Danos às espécies

Segundo o pesquisador, não há uma estimativa oficial do número de espécies de anfíbios que sofreram declínio ou foram extintas no Brasil e em outros países em razão da quitridiomicose porque o fungo só foi descrito em 1998.

O que se sabe é que o fungo já infectou mais de 500 espécies de anfíbios em uma grande variedade de habitats aquáticos e terrestres nas Américas, e que os maiores declínios foram registrados em regiões com maior diversidade de espécies.

“Há uma interação entre a espécie, o fungo e as condições ambientais, como o clima e relevo, que interferem na dinâmica e na propagação da doença”, disse Toledo.

Em estudo também publicado na revista Diseases of Aquatic Organisms com anuros de três regiões da Mata Atlântica com níveis variados de altitude, os pesquisadores relatam que a prevalência e a intensidade da infecção pelo fungo Bd são maiores em altitudes mais elevadas.

Uma das explicações é que as regiões mais altas apresentam condições favoráveis para o crescimento e a propagação do fungo, como a temperatura baixa e chuva.

Além de anuros, o fungo ataca cecílias e salamandras e não apresenta risco para os humanos, afirmou Toledo.

“Ao entender melhor a ecologia e a fisiologia do fungo e como a doença se propaga será possível identificar melhor áreas para conservação e monitoramento de espécies e outras medidas de contenção do avanço da quitridiomicose”, avaliou.

O artigo Chytrid fungus acts as a generalist pathogen infecting species-rich amphibian families in Brazilian rainforests (doi: 10.3354/dao02845), de Valencia-Aguilar e outros, poderá ser lido na revista Diseases of Aquatic Organisms.

O artigo Batrachochytrium dendrobatidis in near threatened and endangered amphibians in the southern Brazilian Atlantic Forest, de Preuss e outros, poderá ser lido na revista North-Western Journal of Zoology em http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.1365-294X.2012.05710.x/abstract;jsessionid=022DC05DC4F5FD33A9CF7F487CF58573.f01t02.

O artigo Complex history of the amphibian-killing chytrid fungus revealed with genome resequencing data (doi: 10.1073/pnas.1300130110), de Rosenblum e outros, pode ser lido por assinantes da revista PNAS em http://www.int-res.com/abstracts/dao/v97/n3/p173-184/.

E o artigo Interaction between breeding habitat and elevation affects prevalence but not infection intensity of Batrachochytrium dendrobatidis in Brazilian anuran assemblages (doi: 10.3354/dao02413), de Gründler e outros, pode ser lido na revista Diseases of Aquatic Organisms em http://www.int-res.com/abstracts/dao/v97/n3/p173-184.


Fonte: Agência FAPESP






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