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sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

COMO SERÁ O CLIMA NO FUTURO? Relatório da prefeitura do Rio mostra que mudanças climáticas vão multiplicar eventos extremos na cidade


Chuva no Centro do Rio: estação chuvosa deve aumentar, assim como dias de grandes tempestades - Marcos Tristão/1-2-2015


Renato Grandele

Rio terá mais calor, e ressacas podem ameaçar bairros e aeroportos até 2100

RIO - Enchentes seguidas por semanas de seca, ondas de calor constantes, ressacas que invadem a pista dos aeroportos e a orla da praia. Até o fim do século, o Rio vai mudar de cara — e não será para melhor. As mudanças climáticas prometem multiplicar eventos que já assustam o carioca, como o aumento da temperatura e os deslizamentos de terra após tempestades. A previsão é assinada pela própria prefeitura, no relatório “Rio Resiliente: diagnóstico e áreas de foco”. Divulgado no mês passado, o documento servirá como guia para a criação de novas ações emergenciais.

Além das marcas na paisagem, os fenômenos extremos testarão a saúde do carioca. Os alagamentos, por exemplo, causarão doenças devido à água contaminada por esgoto e lixo. A mistura de chuvas com ondas de calor é o cenário ideal para a proliferação do mosquito Aedes, responsável pela transmissão da dengue e da chicungunha.

REFUGIADOS CLIMÁTICOS E EBOLA

No pior cenário descrito pelo estudo, o aquecimento global também trará refugiados climáticos à cidade — pessoas que perderam suas casas devido a eventos extremos —, facilitando a chegada de novas epidemias, inclusive de ebola. As ondas de calor também aumentariam as filas nos hospitais, já que são esperados mais casos de doenças respiratórias, hipertermia e desidratação.

Os ventos, que já atingem picos de 100 km/h, serão uma ameaça à rede elétrica e à infraestrutura da cidade. O aumento do nível do mar, por sua vez, seria um risco para moradores de áreas já vulneráveis a inundações, principalmente a Baixada de Jacarepaguá. A orla, no entanto, não é imune às transformações do clima. Segundo a Nasa, se o nível do mar subir um metro, todo o bairro da Urca será ameaçado.

— Passamos a limpo todos os riscos relacionados à cidade e os fatores socioeconômicos que podem ser transformados pelas mudanças climáticas — conta Pedro Junqueira, chefe-executivo de Resiliência e Operações da prefeitura. — Quem sofre primeiro são sempre os mais pobres, devido a fenômenos como o deslizamento de encostas. Até o lazer da população pode ser atingido, já que o aumento do nível do mar afetará as praias.

Estudos anteriores já estimaram que a temperatura da cidade pode aumentar de 2 a 5 graus Celsius até 2100. A escalada dos termômetros já vem acelerando a evaporação da água — senha para a formação de tempestades.

— Se a maré estiver forte, as chuvas podem inundar grandes regiões — alerta o ecologista Sérgio Besserman, presidente da Câmara de Desenvolvimento Sustentável do Rio. — O trabalho com os lençóis freáticos deveria ter começado anteontem.

Segundo Besserman, parte da faixa de areia das praias da Zona Sul pode ser engolida a partir de 2050. A construção de muretas se tornaria necessária para evitar que a água chegasse aos prédios da orla. Os aeroportos, que estão à beira do mar, teriam que adotar a mesma medida.

O ecologista, que participou da elaboração do relatório, reconhece que vários efeitos das mudanças climáticas sobre a cidade são desconhecidos:

— Ainda vamos ser pegos de surpresa. Falta muito conhecimento.

A mudança no regime de chuvas também pode entrar definitivamente no calendário carioca. Embora a estação chuvosa seja estendida em até dois meses, o volume de precipitações não necessariamente vai aumentar. O motivo é que grandes tempestades virão intercaladas por longos períodos de seca. Um exemplo é o que ocorreu na semana passada, quando o Rio enfim se despediu de uma estiagem que o acompanhava desde o fim do ano passado.

Junqueira considera que o comportamento de São Pedro sobre o Rio “não é saudável”.

— Já podemos considerar que um episódio como o das últimas semana, considerado uma situação extrema, pode se tornar rotineiro — cogita. — A hidratação do solo, assim como de uma pessoa, tem limites.

Por sua vez, Moacyr Duarte, coordenador do Grupo de Análise de Risco Tecnológico e Ambiental da Coppe/UFRJ, destaca as lições aprendidas pela cidade nas últimas semanas.

— As grandes secas não são novidade. A diferença é como estão cada vez mais frequentes — assinala Duarte, que também participou da redação do relatório. — E as chuvas que vemos agora, ainda durante uma crise hídrica, mostram como precisamos tomar conta dos lençóis freáticos. Se eles forem salinizados, afetarão o consumo de muitas pessoas. Além disso, existe um problema histórico, que é a vulnerabilidade do Rio a acidentes geológicos, como quedas de rocha.

ARBORIZAÇÃO X URBANIZAÇÃO

Entre as ações já em curso, segundo Junqueira, estão o treinamento da evacuação de morros e a contenção de encostas, com obras capazes de canalizar a água da chuva.

A arborização, uma medida considerada urgente para captar a água da chuva e amenizar o aumento da temperatura, esbarra na urbanização desenfreada. As tubulações de água e esgoto impedem o aprofundamento das raízes, enquanto o cimento não permite que elas encontrem nutrientes. Segundo o relatório, as ilhas de calor causam impactos como o aumento de doenças respiratórias — o ar quente favorece o acúmulo de ozônio nas camadas mais baixas da atmosfera, e a falta de ventos dificulta a dispersão da poluição atmosférica.

O ar quente e abafado preocupa; o vento, também. O Rio poderá reviver o dia 7 de setembro de 2002, quando uma rajada de ventos de 97 km/h provocou queda de árvores e antenas, bloqueio de ruas, cancelamento do desfile militar na Avenida Presidente Vargas e fechamento da Ponte Rio-Niterói por cerca de 40 minutos.

— Podemos enfrentar novamente essa situação — lembra Junqueira. — A cada ano, um cenário que parecia distante está mais próximo.

Segundo ele, a próxima etapa do estudo municipal é abrir discussões com especialistas em mudanças climáticas. Além dos eventos extremos, os cientistas devem considerar outras situações mapeadas que contribuem para um eventual futuro indesejável da cidade, como a falta de mobilidade urbana:

— Nosso foco é a capacidade de nos preparar para superar os desafios que já chegaram ou aqueles que estão por vir. Além de políticas de emergência, devemos abordar o comportamento do carioca. Por exemplo, como ele reage no trânsito e como pode fazer um uso mais consciente da água. É tempo de aprender.

Fonte: O Globo








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