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quinta-feira, 14 de março de 2013

"O Rio e o Mar", texto de Lars Grael


Foto de Axel Grael


"O Desenvolvimento de uma nação é proporcional à sua maritimidade". Certa vez ouvi esta máxima de um Almirante da Marinha do Brasil, quando fui proferir uma palestra na Escola de Guerra Naval.

As primeiras nações que conquistaram o mar, foram aquelas que através do imperialismo conquistaram o Novo Mundo e o dominaram por séculos. No mundo contemporâneo globalizado, estas mesmas nações tratam o mar como fonte de riqueza, possuem portos desenvolvidos, valorizam a cultura marítima e desenvolvem o turismo náutico. Navegar para eles, é uma paixão secular.

Nosso Brasil foi descoberto pelo mar. Por ele, extraíram nossas riquezas. Através do Atlântico chegou a família Real Portuguesa, caminho inverso feito mais tarde pela família Imperial. O Rio de outrora era voltado para o mar, e nele depositávamos todo nosso comércio exterior. Nossa "Receita Federal" era a maravilhosa Ilha Fiscal. A Baía de Guanabara era limpa e com superfície generosa. Nossa orla era repleta de trapiches (piers) e rampas públicas para livre transporte de cargas e passageiros.

O mar não representava mera beleza e contemplação. Era o eixo do transporte, lazer, esporte e recreação.

Nos dias de hoje, pagamos caro para viver com vista para o mar, mas infelizmente nossa cultura não ultrapassa à arrebentação das ondas na praia. Nossa cultura náutica é mínima, e o mar foi desvalorizado com o tempo. Local para admirar, mas, para jogar dejetos que não nos servem ao homem da metrópole fluminense. Nossa Baía de Guanabara está entre as mais poluídas do planeta e mais de 17 anos se passaram do Plano de Despoluição de Baía de Guanabara - PDBG, ainda com resultados pífios e distantes de um patamar aceitável.


"Nos dias de hoje, pagamos caro para viver com vista para o mar, mas infelizmente nossa cultura não ultrapassa à arrebentação das ondas na praia. Nossa cultura náutica é mínima, e o mar foi desvalorizado com o tempo".

Com o desenvolvimento urbano da Grande Rio, construíram estradas de rodagem separando o cidadão do mar. As rampas e trapiches desapareceram e o acesso ao mar deixou de ser livre e democrático para os navegadores. Apenas para banhistas e ainda assim, deslocados para as praias oceânicas que por vezes possuem índices aprováveis de balneabilidade.

Outro dia, um cidadão comum me indagou indignado: "tenho um veleirinho (transporta no teto do carro) e não tenho acesso ao mar, como pode?". Logo disse, como não? Ele disse "...aonde? A Marina da Glória não é mais pública e está fechada para obras sem perspectivas de abrir. Não temos rampas públicas. O Clube de Regatas Guanabara possui uma fila de mais de dois anos (para surgir uma vaga para barco) e o Iate Clube do Rio de Janeiro é impagável! Aonde mais? Me diga!". Parei para refletir constatei que ele estava coberto de razão.

Semana passada estive competindo em Miami, cidade adorada por muitos dos brasileiros e refleti quanto ao desenvolvimento de uma metrópole que ousou conviver em harmonia com o mar. O complexo lagunar foi em parte alterado pelo ser humano, que criou ilhas, marinas, condomínios e uma trama de canais artificiais que permitem que um cidadão possa navegar (com mastro) de Miami até Nova Iorque. Tudo isto com manguezais preservados, águas irritantemente transparentes e até mesmo Manattees (espécie de Peixe Boi) em plena área urbana. Admiramos, mas não somos capazes de copiar. Propor algo semelhante por aqui, pode gerar ao proponente, um processo judicial e rótulo de inimigo da natureza.

Sabem quantas pontes levadiças para passagem de barcos com mastros existem em Miami? 56! Conhecem alguma no Brasil? Lembro-me de uma única (particular) que já foi abandonada em Búzios...! Lá, o barco tem prioridade sobre o carro. Qual a diferença? Meramente cultural. Cultura secular. Mentalidade marítima.

Imaginem as lagoas de Marapendi e Jacarepaguá navegáveis e com águas cristalinas? O cenário atual é inverso e macabro. Imaginem Paquetá com o charme e turismo de outrora?

Muitos dizem: "Navegação? Esportes náuticos? Temos muitas outras prioridades...! Isto é coisa da elite". Triste pensamento conformista do "complexo de vira lata".

Esta questão veio em mente, porque hoje fui chamado para compor o Conselho Estratégico da Cidade do Rio de Janeiro e um conselheiro chamou a atenção para que olhemos com uma visão diferente para o mar do Rio de Janeiro.

O que difere essencialmente o Rio de Janeiro de outras metrópoles como São Paulo, Belo Horizonte e Brasília? O mar é claro.

O mar para todos nós, é conceitualmente tão especial, que a obra recente mais vistosa da Prefeitura do Rio é o orgulhosamente denominado MAR - Museu de Arte do Rio.

Precisamos olhar a cidade, da ótica que eu também vejo, pelo mar. Parte das nossas soluções de transporte público poderiam ser solucionadas pela navegação. Vejam o exemplo da cidade olímpica de Sidney por exemplo. A cidade é muito mais bela, se vista de fora pela ótica do mar. O desenvolvimento náutico geraria emprego, trabalho, renda e impostos.

Niterói promete ousar num plano de democratização de acesso ao mar através de marina, rampas e trapiches. Quem sabe um bom exemplo?

Queremos mostrar para o mundo, uma cidade olímpica desenvolvida? Já imaginaram as competições de Vela nas águas imundas, contaminadas e fétidas da Baía de Guanabara? Cenário nada melhor será encontrado nas competições de Remo e Canoagem na Lagoa Rodrigo de Freitas (vejam matéria de "O Globo" de hoje), ou, na competição de Maratona Aquática (Natação) nas águas de Copacabana. Não adianta falar na retenção de lixo e óleo. A questão é qualidade da água!

Faltam 3 anos e meio para as Olimpíadas? Dará tempo? Talvez se tivermos uma visão prioritária para o saneamento e para a despoluição.

Queremos em 2016 mostrar para o planeta que o Brasil é candidato sério para ingressar no Primeiro Mundo? Olhemos para as nações de maior Índice de Desenvolvimento Humano - IDH. Coincidentemente são as mesmas de maior grau de maritimidade e cultura náutica. Mera coincidência? Não, estratégia de desenvolvimento! Podemos crer que o Almirante estava certo.

Estamos falando no verdadeiro legado. Aquilo que impactará no aspecto social, econômico e ambiental.

Lars Schmidt Grael

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Um comentário:

  1. Perfeito Lars, ótima exposição dos fatos que mostram a mentalidade de dirigentes governamentais de extrema negligencia a cultura em geral, em detrimento ao poder e ao dinheiro. Tudo o quem eles negam a sociedade escorre por águas até o Mar, que vira um grande tapete para esconder toda porcariada. Só que lá estamos nós que convivemos com essa imensidão maravilhosa de vida no planeta terra. Com palavras assim acende uma lanterna de esperança, juntos até de baixo d'água ! Forte abraço, Tito.

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