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segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

SEM FINS DE PREJUÍZO, uma outra maneira de ver o setor social

 
Rodrigo Brito

Você tem filhos e pretende matriculá-los na escola. Chegando lá, depara-se com um quadro de professores mal preparados e com baixa experiência, o diretor só aparece quando "tem tempo", a escola precisa de uma pintura e reforma, os equipamentos são antigos. E, de repente, a escola tem de "mudar de local" porque não tem condições de arcar com o aluguel por não ter conseguido captar doações suficientes.

Agora vamos imaginar um outro cenário: sua mãe começou a passar mal, está com muitas dores no peito e você precisa levá-la a um hospital. Chegando lá, encontra enfermeiras e médicos recém-formados, todos bem jovens e com pouca experiência. Assim como na escola, os funcionários dizem para você que sua mãe precisará esperar na fila de espera, pois todos os "funcionários" do hospital são voluntários e estão muito ocupados nos seus empregos. Furioso, você vai em direção à recepção, mas ninguém está lá. Segue então para procurar um gestor do hospital, quando, então, um funcionário te explica que os doadores que contribuem para o hospital cortaram essas funções de áreas-meio, como gestão e atendimento. Afinal, apenas médicos e enfermeiros é que geram impacto direto nos beneficiados, todo o resto é considerado "um custo desnecessário".

Terrível essa imagem, né?

Pois essa é a realidade da grande maioria das ONGs sérias no Brasil. Assim como hospitais, escolas e faculdades (que também são em grande parte ONGs), as ONGs trabalham para atender necessidades e resolver problemas que afetam toda a nossa sociedade, que vão desde o combate à corrupção, a geração de trabalho e renda, a educação profissionalizante e o atendimento a dependentes químicos até a conservação do ambiente.

Os resultados do trabalho das ONGs no Brasil são enormes: elas conservam a biodiversidade, garantindo que inúmeras espécies de plantas e animais não sumam (e com isso garantam pesquisas de futuros remédios, vacinas, entre outros), controlem o clima, gerem água e garantam a vida.
Elas também reduzem a violência, na medida que formam pessoas para o trabalho, conscientizam as pessoas sobre a não-violência e trabalham com dependentes químicos, que não encontram conforto melhor ou mais barato do que o oferecido pelo álcool ou pelas drogas.

Sem contar nos inúmeros abrigos que cuidam de crianças e jovens que não têm condições de morar com seus pais, por serem violentos, viciados ou coisa pior, dando novas perspectivas de futuro e oportunidades a eles.

Agora pergunto: você, que está lendo este artigo, considera-se competente o suficiente para lidar com situações difíceis como essas, cuidar e preparar o futuro desses jovens? Você se considera suficientemente competente para compreender e preservar os biomas analisando o impacto ambiental (positivo ou negativo) gerado por cada ação, assim como o lucro ou prejuízo econômico e social gerados?

Reparem que não falei nem perguntei sobre boa vontade, solidariedade ou caridade. Estamos falando aqui de competências, ou seja, conhecimento, experiência e capacidade de fazer bem feito e entregar resultados. Resultados estes que têm como produto o desenvolvimento da nossa sociedade.

Mas como é fazer um bom trabalho e gerar desenvolvimento com organizações que têm dificuldades para reter seus talentos, que não têm uma estrutura ou "área-meio" que garanta uma boa gestão, treinamento, parcerias, avaliação de impacto ou prestação de contas daquilo que faz?

Como gerar um impacto que seja relevante, crescente e de boa qualidade, se a organização (sobre)vive à base de voluntariado e pessoas bem intencionadas, mas com pouco conhecimento e experiência no assunto?

Acreditar que pessoas e organizações sociais devem atuar de forma voluntária ou mal remuneradas esconde por trás a premissa de que "os pobres precisam ou merecem qualquer coisa, que o mínimo já está bom".

Ou a premissa de que ninguém deve misturar "boa intenção" e solidariedade com dinheiro, sem lembrar que quem atua nessas organizações também têm família, precisa pagar as contas e que também quer e deve crescer profissionalmente para que atinja um resultado e um impacto também cada vez maior e melhor.

Infelizmente, as pessoas que criaram organizações que dedicam seu tempo e talento para gerar esses resultados não tinham no início de sua trajetória um nome ou descrição que explicasse o que faziam.
Sendo assim, os governos as chamaram "não governamentais", e as empresas as chamaram de "sem fins lucrativos", ou seja, eles descreveram o que essas pessoas e organizações "não eram".

Até que, apenas em 1980, um cara chamado Bill Drayton cria o termo empreendedor social e funda a organização Ashoka dedicada a identificar e apoiar essas pessoas que têm o perfil de um empreendedor, mas que atuam criando inovação e gerando resultados que beneficiam toda a sociedade.

Com a Ashoka e a difusão do conceito do empreendedorismo social, uma nova visão e forma de atuação e apoio ao setor social começa a se desenvolver em todo o mundo. E uma série de novas redes, fundações e organizações nascem com esse olhar, como a Fundação Avina, a Skoll Foundation e a própria Rede Folha de Empreendedores Socioambientais. Essas são redes e organizações que atuam para identificar, apoiar e integrar os empreendedores sociais a empresas, mídia e governos, para discutir temas e soluções relacionadas a problemas socioambientais. Apesar do avanço, no Brasil essa visão ainda é pouco difundida e muito localizada na cidade de São Paulo.

Não são apenas as organizações e os empreendedores sociais que atuam para servir e atender a demandas da sociedade: as empresas também o fazem para melhor atender seus clientes, criando novos produtos, serviços e tecnologias em todos os setores. Ou seja, para o empreendedor, seja ele social ou de negócio, problema é igual a oportunidade.

A diferença básica entre as organizações sociais, empresas e governos é que, no caso de empresas e governos, estes têm recursos financeiros para continuar e ampliar sua atuação a partir dos lucros que geram ou impostos que cobram, com exceção da enorme quantidade de empresas que fecham as portas por não conseguirem gerar lucro algum.

Já no caso das ONGs, a maioria cai na ilusão e armadilha do "sem fins lucrativos", e são poucas as que compreendem que elas podem e devem sim ser organizações "sem fins de prejuízo", gerando lucro nos seus projetos, produtos e serviços para clientes, sejam eles governos, empresas ou outras ONGs.

A diferença aqui é que este lucro deve ser integralmente reinvestido na própria operação da organização e não distribuído em forma de dividendos para seus associados, permitindo, assim, que as organizações sociais possam reter talentos, investir em seu fortalecimento e gestão, tendo o mesmo potencial de crescimento que uma empresa qualquer.

Quer um bom e bem antigo exemplo? Veja a quantidade de faculdades, hospitais, livrarias, escolas e centros de ensino profissionalizante que a Igreja criou em diversas cidades, tanto para gerar impacto social como para contribuir com a sustentabilidade financeira de suas operações.

Outro exemplo é a própria Aliança Empreendedora, organização que atua desde 2005 e da qual sou um dos fundadores. Como nosso foco e missão é apoiar microempreendedores para que iniciem e ampliem seus negócios gerando trabalho e renda em suas comunidades, ao invés de viver de doações e investimento social, desde 2009 passamos a utilizar nosso conhecimento e experiência para prestar serviços a empresas, governos e ONGs em todo o Brasil.

Para ONGs e governos, oferecemos uma série de metodologias de fomento e apoio a microempreendedores; para empresas, trabalhamos com elas criando novos mercados e ao mesmo tempo gerando impacto social através de modelos de negócios inclusivos que incluem microempreendedores em suas cadeias de valor.

De 2009 para cá, trabalhamos com empresas como Santander, Danone, Coca Cola, Natura, Wal Mart e Gerdau, o que fez com que a Aliança tivesse lucro e apoiando, apenas em 2012, 6.500 microempreendedores no Brasil.

Finalizando este artigo, gostaria de deixar recomendações tanto para os empreendedores sociais como para quem investe e financia suas ações:

Para os empreendedores sociais, lembrem-se de que, para crescer e ampliar seu impacto, vocês precisam ser organizações sem fins de prejuízo! Devem sim gerar lucro pela competência, consistência e qualidade daquilo que entregam e realizam para a sociedade.

Além disso, analisem como seus conhecimentos e experiências podem gerar benefícios para clientes como empresas, governos e ONGs. Crie serviços e produtos para esses públicos e mobilizem suas redes em direção a isso. Afinal de contas, a sustentabilidade financeira de uma organização (seja ela ONG ou empresa) não vêm de margens de lucro apenas, mas de quanto essa organização é relevante, entrega e mostra o valor do que faz para uma sociedade que é mobilizada e engajada em torno da causa da organização.

No fim das contas, vemos que essa separação entre empresas, ONGs e governos não existe. No fundo, todos somos pessoas que querem ver o desenvolvimento e o impacto positivo acontecer.

Para os investidores, sejam eles filantropos ou clientes, primeiro procurem e invistam em qualidade. Ou seja: ao invés de apenas financiar projetos, invista nas áreas-meio de suporte, gestão e fortalecimento institucional.

E, ao invés de apenas investir, dê suporte e orientação à organização, para que ela possa crescer e ampliar seu impacto para além do projeto que você investe.

Procure também contribuir para que o empreendedor social amplie sua rede de contatos, apresentando-o a parceiros seus que julgue importantes.

Finalmente, junto com o empreendedor social, analise como o investimento social ou o serviço a ser prestado pode ter relação com o seu negócio. Por exemplo, uma empresa que vende bebidas alcoólicas pode ter uma grande parceria com uma organização que promove a cultura de paz e desarmamento ou campanhas de trânsito educativas, reduzindo, assim, o número de acidentes ou casos de assassinato gerados pelo consumo excessivo de seus produtos. Outro exemplo é o de uma empresa de cosméticos que trabalha com vendas diretas, que pode ampliar suas vendas ao mesmo tempo que contribui para o desenvolvimento dos negócios de suas revendedoras.

Dessa forma, tanto as organizações sociais como as empresas e governos passam a interagir, se conhecer mais e compreender a fundo quais são suas realidades, desafios, talentos e possibilidades, canalisando tudo isso para a criação de oportunidades em direção daquilo que é mais importante: construir um Brasil mais próspero, inclusivo e desenvolvido para todos, sem exceção.

RODRIGO BRITO, cofundador e diretor de parcerias e oportunidades de impacto da Aliança Empreendedora e sócio-diretor da INK, é membro da Rede Folha de Empreendedores Sociaombientais.

Fonte: Rede Folha de Empreendedores Sociais

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