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sábado, 17 de novembro de 2012

Walter Cook, urbanista americano, avalia modelos de transportes no Rio

Em meio a planos de expansão de BRTs e do metrô e problemas de circulação e planejamento do trânsito na cidade, especialista reflete sobre os desafios da mobilidade urbana


O arquiteto Walter Hook. Foto Ana Branco, O Globo.

Há duas semanas, Walter Hook esteve no Brasil para participar de uma avaliação sobre os BRTs, o sistema de linhas exclusivas de ônibus que teve suas origens em Curitiba, em 1974, ainda sem esse nome, e este ano foi implementado no Rio com a Transoeste, na Zona Oeste da cidade, pelo prefeito Eduardo Paes. O renascimento da ideia se deu em Bogotá, entre 1999 e 2001, quando Enrique Peñalosa, então membro do Conselho de Diretores do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP, na sigla em inglês), foi prefeito da capital colombiana e começou a concretizar ali muitas das ideias da organização não governamental internacional. Dirigido por Hook desde 1993, o instituto — que começou num porão em Nova York e hoje tem representações em oito países, com escritórios em Rio, São Paulo e Belo Horizonte — participou da implementação de BRTs em cidades tão diversas como Jacarta, na Indonésia, Johanesburgo e Cidade do Cabo, na África do Sul, Buenos Aires e Cidade do México.

Agora, integra a elaboração de um padrão de qualidade internacional para o sistema, que será lançado oficialmente em 2013, com critérios como a altura da plataforma de acesso aos ônibus e a realização do pagamento na estação, e não dentro do veículo. No Rio após visita ao sistema de ônibus ainda em desenvolvimento em Belo Horizonte, e antes de sair rumo à avaliação da Transoeste, Hook, que tem doutorado em planejamento urbano pela Universidade de Columbia, em Nova York, falou ao GLOBO sobre os desafios do transporte público no Rio e sua relação com as transformações da economia global.

Por que se levou tanto tempo até que se pensasse novamente num sistema de ônibus como o de Curitiba?

Curitiba tinha o melhor sistema, e ainda é líder mundial em BRT junto com Bogotá. Mas, desde 1970, outras cidades brasileiras criaram vias de qualidade pobre para ônibus, de que o público não gostava. Então o conceito original de BRT, que nunca tinha sido chamado assim no Brasil, era impopular e foi interrompido. A qualidade não era controlada. No Rio as pessoas diziam que não ia funcionar ou que os operadores de ônibus não apoiavam. O brasileiro Pedro Szasz, principal engenheiro do corredor Passa-Rápido da Avenida 9 de Julho, em São Paulo (sistema que o ITDP não considera um BRT porque permite a circulação de táxis), foi estudar os problemas de Curitiba e tentou consertá-los em São Paulo, mas não deu certo, porque a cidade tem uma demanda muito maior. Tentou algo diferente e foi melhor, depois melhor. Quando Bogotá decidiu construir a TransMilenio, Pedro também era o engenheiro e aperfeiçoou alguns conceitos do corredor da 9 de Julho em Bogotá, onde o BRT foi um grande sucesso. Por isso, mesmo que tenha sido implementado em Bogotá, o time era de brasileiros. O conhecimento ainda está aqui, por isso viemos ao Brasil como peregrinos para Meca (risos). Após Bogotá, Cidade da Guatemala, Quito e até algumas cidades americanas construíram BRTs. Então a Transoeste do Rio é muito importante na história do transporte público, é o primeiro BRT construído no Brasil depois de Curitiba.

Como se podem integrar os BRTs com outras práticas de transporte na cidade que também atendam aos cidadãos, e não apenas sirvam aos Jogos Olímpicos?

Eduardo Paes está tentando construir quatro BRTs antes dos Jogos. A Transcarioca será a segunda, está em construção, e vai unir a Baixada à Barra, uma conexão importante. A Transolímpica não é tão importante para os cidadãos, mas será para as Olimpíadas. E a Transbrasil é muito importante, ligará a Avenida Brasil à Presidente Vargas, até o aeroporto Santos Dumont. Será a via de ônibus de maior capacidade no mundo, com mais de 60 mil passageiros por hora, por direção, 20 mil a mais do que em Bogotá. Todos os ônibus serão expressos, sem paradas, a 45 quilômetros por hora, em média. Avenidas do Centro como a Rio Branco, por onde o BRT não passará, estão lotadas de ônibus, e nem todos estão cheios. Essas pessoas precisam de ônibus maiores e de um serviço de alta qualidade. Será importante para a revitalização do Centro.


Engarrafamento no centro do Rio. Foto Mônica Imbuzeiro, O Globo.

Há ainda uma mentalidade muito forte no Brasil ligada ao desenvolvimentismo dos anos 1950 e 60, que privilegia o carro. A redução de impostos sobre os automóveis foi prorrogada até o fim do ano, e essa não é a primeira vez que se implementa essa medida como estímulo à economia. Como diminuir a diferença entre essa mentalidade e novas perspectivas em relação ao transporte público?

Essa diferença é geracional. Nos Estados Unidos, e em quase todo o mundo, há uma grande diferença entre a geração acima dos 40 anos, para quem ser bem-sucedido é dirigir um carro e ter uma casa no subúrbio. Para os mais jovens, de 20 e 30 anos, o legal é ter um celular com muitos aplicativos, uma bicicleta num bairro com cafés. A mentalidade está mudando rapidamente. E os chefes das empresas mais lucrativas hoje, as companhias de internet, são jovens que estão ficando ricos, mais poderosos. O mercado imobiliário está se direcionando mais para o gosto deles, que é completamente diferente do das gerações anteriores. Com a crise econômica, as áreas tradicionais do subúrbio estão quebradas. Os jovens querem morar em bairros com ciclovias e vias de ônibus. Em Nova York, Williamsburg (no Brooklyn) é hoje o bairro mais caro, e é bicicleta por todo lado. Isso vai acontecer no Brasil também, talvez em dez anos.

O Brasil não teria um contexto distinto?

Isso está ligado a uma mudança mais estrutural da economia global. Antes a indústria automobilística era a mais rica do mundo. Os EUA não têm mais indústria automobilística, Detroit ainda tem alguma, mas é irrelevante. Não há mais ninguém fazendo lobby no Congresso americano para construir mais estradas ou mudar as regulações de zoneamento para exigir que cada prédio tenha um estacionamento. Esse poder político não existe mais. Agora as companhias mais ricas são Microsoft, Google, Amazon, Apple. E elas querem funcionários inteligentes, felizes, jovens e baratos, que não precisam de carro próprio mas têm boa qualidade de vida. A pressão política hoje vem de outro lugar. É uma transformação estrutural da economia e ocorrerá no Brasil, só que mais lentamente.

Seria apenas uma diferença temporal, de o Brasil estar dez anos atrás nesse modelo?

É parcialmente uma questão temporal, mas também porque indústrias pesadas, como a automobilística, saíram dos EUA e se mudaram para outros países, então essa indústria ainda é forte no Brasil, na China... Mas é uma ilusão, vocês a longo prazo estarão melhores com empresas médicas e de tecnologia. No fim das contas, não se pode mais ficar rico vendendo carros. Economicamente, é a morte.

Muitas políticas públicas no Brasil não parecem sinalizar essa mudança.

Então deve-se começar com as coisas mais básicas: hoje o zoneamento da maior parte das cidades brasileiras exige que todos os novos edifícios tenham vaga de estacionamento para os que moram ou trabalham lá, em alguns casos duas vagas por unidade de residência. Na maior parte da Europa isso mudou, não se pergunta mais quantas vagas de estacionamento são exigidas, mas quantas vagas são permitidas para que não haja engarrafamento nas ruas. Há um máximo, não um mínimo. No Centro do Rio você não precisa construir vagas, mas no novo Porto Maravilha serão exigidas duas vagas de estacionamento para cada unidade residencial. O tráfego será um pesadelo. Em vez disso, deveriam pensar num projeto que incentive as pessoas a usar o bonde que será construído (sistema de veículos leves sobre trilhos, os VLTs), deveria haver mais serviços de ônibus, a Transbrasil vai passar por lá. O urbanismo do Rio deve ser orientado em direção ao pedestre, à bicicleta, e longe de tudo que leve ao carro. Vou lhe dar um exemplo: o Brasil ainda é apaixonado por Oscar Niemeyer. Sua arquitetura é bonita para um museu, mas para uma cidade é um desastre. Destrói a fachada da rua. Oscar Niemeyer se apoderou da profissão do urbanismo e matou a vida nas ruas. Deve haver espaço para arquitetos mais jovens que repensem como deveria ser o espaço urbano e façam mais feliz a pessoa andando nas ruas. O prédio da ONU é lindo, adoro o MAC, mas como edifício, não como urbanismo.

Você vê no Rio novas ideias de urbanismo direcionadas ao pedestre e às bicicletas?

É importante que os prédios sejam transparentes, tenham algo no nível da rua, alguma loja. Outra coisa terrível é que, em muitas cidades brasileiras, o motorista atravessa a calçada dirigindo para entrar nas garagens. Na maioria das cidades europeias, e hoje mesmo nos EUA, os prédios têm uma viela: é necessário sair da rua principal e entrar na garagem por uma rua estreita. O zoneamento não permite a entrada de carros em ruas de comércio, isso destrói o ambiente de pedestres. O Brasil está 30 anos ultrapassado em seu zoneamento.

O Porto Maravilha representa hoje uma das principais transformações urbanas no Rio. Para além do problema do estacionamento, as medidas de transporte na área são adequadas ao espaço público e ao pedestre?

O Porto Maravilha é uma grande oportunidade para o Rio. A dificuldade é como integrá-lo com o resto da cidade, porque o porto costuma ser uma área com grande número de caminhões, que se tenta isolar. Muitas cidades tiraram inteiramente as avenidas. Em São Francisco, no velho porto, havia o Embarcadero Freeway, um viaduto que entrou em colapso num terremoto. Hoje há uma rua larga no nível do chão, projetada como uma espécie de boulevard, com muitos carros, mas em baixa velocidade. O Oeste de Nova York tinha um elevado expresso. Ele foi derrubado e projetado mais ou menos como um boulevard, com ciclovias, mas a velocidade ainda é bem alta, causando mortes. No Rio, depois de derrubarem o viaduto (a Perimetral), temos que ser capazes de cruzar essa avenida, e com frequência, para que o caminho à beira-mar não fique totalmente separado do Centro. A nova via deveria ser projetada mais como um boulevard urbano. Se for uma autopista, com acesso limitado, será difícil de atravessar. Túnel não é uma boa opção. Não faz muito sentido que a atividade portuária permaneça ali, essa área não é boa para manter o porto. Realmente se quer deixar todos esses caminhões perto do Centro?

Como os EUA, cujo desenvolvimento foi centrado nos carros, está se transformando nesse sentido?

Está mudando cidade a cidade. Nova York está avançada, não há exigências de estacionamento em Manhattan. Boston não permite mais novos estacionamentos no Centro. Cidades industriais mais velhas são dominadas pelo paradigma do carro, enquanto cidades com o crescimento econômico mais rápido estão mudando pouco a pouco. Mais uma vez, há uma relação entre de onde vêm as indústrias modernas, os seus funcionários, e o que as cidades estão fazendo com seu transporte e seu zoneamento. Denver e Cleveland mudaram para form-based zoning (tipo de zoneamento com uso misto do solo, sem separação de áreas residenciais e comerciais). Cleveland é uma cidade industrial morta, quase toda a economia entrou em colapso, mas há quatro universidades e um sistema de saúde estabelecido. A cidade construiu um BRT, que nem é tão bom, está no terceiro nível de padrão, que para os EUA é o mais alto. O BRT passa pela via principal, e o zoneamento foi totalmente modificado: todos os prédios têm que se voltar para a rua e ter lojas no térreo. A cidade está renascendo nesse corredor, onde foram investidos US$ 5,2 bilhões. É o único lugar onde se está investindo dinheiro na cidade toda.

Qual é o papel da educação na transformação do espaço público? Há quem não deseje o metrô perto de suas casas.

Em todo o lugar no mundo há um problema que chamamos nimby, not in my backyard (“não no meu quintal”). As pessoas não querem obras perto de sua casa. Nos EUA há gente que não quer viver perto do metrô porque tem medo de que pessoas de classes mais baixas circulem. A verdade é que as pessoas de classes realmente mais baixas pegam o ônibus, que já está na rua. Mas você nunca pode, como cidade, fazer todos felizes. Há o interesse geral do público. A extensão do metrô para a Barra da Tijuca é totalmente lógica, porém, como mais você vai para lá? Ela terá uma boa ligação com a Transoeste e vai criar uma alternativa de transporte de massa entre Barra e Zona Sul. O problema é que o metrô agora já está completamente cheio, e quando for para Ipanema e Leblon ficará mais cheio ainda. Hoje há duas vias exclusivas de ônibus (BRS) da Zona Sul para o Centro, mas os ônibus já estão praticamente saturados, a qualidade não é tão boa, as pessoas não querem pegar ônibus. Serão necessários mais BRTs, não há outra opção, porque a construção do metrô é muito cara. Mas a regulação de estacionamento também tem que ser modificada. Há boas ciclovias aqui, mas elas têm que ser mais interligadas como uma rede. Também pode ser cobrado um pedágio urbano. As pessoas têm a impressão errada de que se precisa de uma grande rede de transporte de massa para haver cobrança de pedágio urbano. Isso não é verdade. Seu prefeito disse: “Não temos uma rede de transporte de massa suficiente, não podemos cobrar”. Mas só 5% precisam ser retirados do trânsito para que o engarrafamento desapareça. Há mil carros na rua e o trânsito está bom, mas com 1.050 há engarrafamento. São esses 50 que têm que sair. Se há uma pequena cobrança, quem não quiser pagar faz outra rota, ou sai num horário em que não há pedágio. Ou pega o ônibus. Se você é um empresário, uma pequena taxa não significa nada, mas seu tempo é muito valioso. Quase todo mundo será beneficiado.
 
Fonte: O Globo, Caderno "Prosa".

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