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quinta-feira, 19 de abril de 2012

Falta de uma infraestrutura de dados espaciais limita pesquisa oceanográfica no Brasil, diz especialista

Segundo Jarbas Bonetti, da UFSC, falta de bases estruturadas de dados primários leva pesquisadores e estudantes a gastarem tempo demais em tarefas básicas, enfraquecendo impacto dos estudos (Foto: Eduardo Cesar)


19/04/2012
Por Fábio de Castro

Agência FAPESP – A inexistência de uma infraestrutura de dados espaciais integrada, aberta e eatualizada está atrapalhando a pesquisa oceanográfica no Brasil, de acordo com o professor Jarbas Bonetti, do Laboratório de Oceanografia Costeira da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). A análise foi feita durante o workshop internacional Marine Data Management, realizado na sede da FAPESP nos dias 11 e 12 de abril.

Segundo Bonetti, pela falta de acesso a uma plataforma estruturada, que disponibilize dados de referência com acesso aberto, muitos cientistas e alunos de pós-graduação acabam investindo grande parte de seu tempo de pesquisa na geração de informações básicas, limitando o alcance de seus estudos. De acordo com ele, é preciso criar repositórios unificados de dados.

“Muitos doutorandos gastam boa parte do seu tempo de pesquisa na estruturação de uma base primária de dados. Com frequência, esse esforço não seria necessário, porque os dados já existem, entretanto, estão dispersos, não são interoperáveis, ou não estão disponíveis de forma aberta. Assim, durante anos, o aluno se dedica a um esforço exaustivo e no fim, na fase de interpretação, sobra pouco tempo e energia para que seja possível contribuir de forma efetiva para o avanço do conhecimento por meio de análises mais sofisticadas”, disse Bonetti à Agência FAPESP.

Bonetti analisou o impacto da falta de uma base de dados estruturada a partir de sua própria experiência de pesquisa, em um pós-doutorado realizado no Instituto Francês de Pesquisa para a Exploração do Mar, em Brest (França), entre 2007 e 2008.

No estudo, Bonetti cruzou diversas bases de referência para elaborar um mapa aplicando o conceito de “paisagens marinhas”. Mais tarde, ao tentar replicar o trabalho no Brasil, esbarrou em sérias dificuldades.

“A instituição francesa tinha uma base de dados estruturada, por isso tive muita facilidade em chegar a resultados conclusivos e úteis para os gestores. A maior parte do meu esforço consistiu em desenvolver um arcabouço conceitual e propor uma alternativa metodológica para integrar diversos dados espaciais”, disse.

Dentro do conceito de paisagem marinha, segundo Bonetti, é possível partir de uma série de dados relativamente genéricos – como profundidade, temperatura de fundo, tipo de substrato, penetração da luz e intensidade de correntes – para compreender como a comunidade biológica se organiza em função das características ambientais que dão suporte ao estabelecimento dos diversos habitats.

“Com essa metodologia, a partir de dados relativamente simples, é possível obter um primeiro diagnóstico da estrutura da camada de fundo dos oceanos. Com isso, pode-se otimizar a escolha de locais sensíveis para gestão mais efetiva ou fazer pesquisas mais verticalizadas”, disse.

A partir dos dados básicos que estavam disponíveis na região do Parque Marinho do Iroise, , Bonetti construiu um modelo de paisagens marinhas em uma área do litoral da Bretanha, na França. “Quando terminei o pós-doutorado, fiquei empolgado com os resultados e tinha a perspectiva de replicar o estudo no Brasil, em uma área bastante importante do ponto de vista do sistema brasileiro de unidades de conservação, que é a Reserva Biológica Marinha do Arvoredo, em Santa Catarina”, disse.

No entanto, Bonetti logo percebeu a dificuldade para encontrar no Brasil esse tipo de dados em formato acessível. O cientista teve que se dedicar exaustivamente a levantar dados de referência.

“Dependi de muito trabalho braçal para gerar informações extremamente básicas. Dependi também da colaboração de colegas que cederam dados brutos, a partir do contato com ex-orientandos que tinham ainda disponíveis suas tabelas originais. Foi preciso aprender muitas coisas secundárias à investigação propriamente dita e gastar um bom tempo que poderia ter sido investido em análises mais profundas”, explicou.

Depois da experiência na França, Bonetti se convenceu de que a estruturação de dados primários em uma base comum e aberta permite que o pesquisador se dedique menos ao esforço de tratamento primário e possa investir mais tempo de pesquisa na análise e desenvolvimento de alternativas para se trabalhar com dados espaciais, buscando estabelecer relações e identificar como diferentes variáveis se comportam de maneira conjunta no espaço.

“Existem dados que têm um caráter mais preciso e específico. Mas me refiro a dados que são primários e fundamentais, como batimetria – os dados relacionados à profundidade”, afirmou. Segundo ele, não há uma base de dados batimétricos aberta disponível online. As cartas náuticas existentes, por exemplo, são disponibilizadas em formato semelhante ao de fotografias digitais e não em formato vetorial, que permitiria seu reprocessamento.

“Quando precisamos desses dados, temos que carregar as cartas náuticas no computador, georreferenciá-las, criar um mosaico e clicar com um mouse em cada um dos pixels que têm valor de profundidade. Isso transforma uma tarefa de dias em um trabalho de semanas ou meses”, afirmou.

As folhas topográficas em escala mais usadas nos projetos de pesquisa oceanográfica associada à plataforma continental interna, segundo Bonetti, baseiam-se em fotografias aéreas da década de 1960, com problemas de articulação – o que gera dificuldades para emendar as linhas de costa de uma carta em outra. Também são escassos os dados de altimetria nas áreas costeiras, fundamentais para quem trabalha na dinâmica de praias e avaliação da suscetibilidade costeira à subida do nível do mar.

“Eventualmente algumas prefeituras têm esses dados, ou alguns grupos fizeram levantamentos desse tipo, mas tudo isso está disperso e é de difícil acesso. Muito do esforço de coleta de dados está associado a projetos de pesquisa individuais. Esses dados acabam ficando muito restritos aos grupos que os produziram e o acesso depende de contatos pessoais”, afirmou.

Outro problema recorrente, segundo Bonetti, é a falta de metadados – as informações que explicam e contextualizam os dados. “Sem os metadados, o dado perde confiança e não pode ser articulado com outros dados semelhantes”, disse.

Bonetti sugere que, para contornar o problema, é fundamental que o poder público invista em programas de pesquisa que tenham continuidade e no qual os serviços de provisão de dados funcionem de maneira regular e eficiente. “Dados de referência como linha de costa, altimetria, batimetria, tipo de fundo e uso do solo precisam estar disponíveis para qualquer cientista ao alcance de um clique”, disse.

Segundo Bonetti, é fundamental também criar uma consciência de que o dado produzido por pesquisas financiadas com dinheiro público precisa ficar publicamente disponível.

“É preciso garantir a propriedade intelectual do dado, dar um tempo de carência para o pesquisador publicá-lo e é preciso estabelecer um padrão comum para que os dados sejam posteriormente comparáveis com outros. Mas o principal é criar uma cultura que veja o dado financiado pelo Estado e pelas agências públicas de fomento como um bem público”, disse.
 
Fonte: Agência FAPESP

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